01 abril 2009

A sorte de Sócrates

O DVD apresentado ao país pela TVI é importantíssimo para José Sócrates.
Tem-se dito muito asneira sobre a matéria, mas ainda ninguém disse que o DVD é falso.
O documento foi difundido, como não podia deixar de ser, segundo as boas regras do jornalismo, depois de a estação ter verificado a sua autenticidade.
O primeiro-ministro é acusado por duas pessoas de ser corrupto, num quadro em que essas pessoas justificam o destino de dinheiros que lhes confiaram.
De duas uma: esses indíviduos ou se apropriaram do dinheiro ou o entregaram a alguém. Se não provarem que o entregaram a alguém, terá que se concluir que se apropriaram dele, porque é esse o ensinamento da experiência da vida, desde os tempos bíblicos.
A história das «entregas» é tão descabelada que indicia, de forma razoável, que não passa de uma desculpa. Ninguém, que obteve um favor de um ministro que deixou de o ser, vai continuar a dar-lhe dezenas de milhar de euros, durante meses, aos bochechos, em abono de uma moral que contradiz o negócio imoral subjacente.
Mas isto não chega para a defesa de José Sócrates.
Os actores do DVD acusam-no de ser corrupto e de a seu mando terem entregue uma elevada quantia a um familiar seu.
As afirmações, nos termos em que foram feitas, constituiem, integram, indiscutivelmente, a prática de um crime de difamação, previsto e punível pelo artº 180º do Código Penal, que dispõe o seguinte:
Artigo 180º. Difamação..
1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
O primeiro-ministro deveria ter apresentado imediatamente queixa contra os indivíduos que o acusam de corrupção, forçando-os, por tal via, a retratar-se ou a requerer a prova da verdade do que afirmam.
Tratando-se de um crime particular, não pode ninguém fazê-lo por si e a omissão ou o adiamento pode ter um efeito politicamente perverso.
Nestas coisas não basta ameaçar que se vai apresentar queixa. Ou a mesma é apresentada imediatamente, ficando o queixoso da posição de exigir uma investigação urgente ou o anúncio vira-se contra o próprio anunciante.
Um processo deste tipo pode ter um desfecho muito rápido e tem a grande vantagem de poder ser controlado pelo próprio queixoso-assistente, em vez de o ser, exclusivamente, pelo Ministério Público.
Se não tem fundamento o que consta do DVD, é uma queixa que se prepara em duas ou três horas e que, pela sua natureza, obrigaria o Ministério Público a ouvir imediatamente as pessoas em causa que, em bom rigor, só podem defender-se por uma de duas vias: ou se retratam e assumem que desviaram o dinheiro, ou apresentam provas de que o entregaram a alguém, a mando do primeiro-ministro.
É, por isso mesmo, muito estranho que José Sócrates, depois de ter anunciado imediatamente que iria apresentar queixa, não avance com a iniciativa e deixe passar o tempo, em termos que só o desfavorecem.