31 janeiro 2008

Citando Ana Gomes...

«É muito significativo o clamor dos “meninos de coro”, armados em ofendidos pela denúncia do óbvio, por parte do novo Bastonário da Ordem dos Advogados:- que este país está minado pela falta de ética e pela corrupção infiltrada a altos níveis do Estado; pela promiscuidade entre políticos, deputados (também advogados ou não) e todo o tipo de traficantes de influências; pela aviltante remuneração de magistrados judiciais por jeitos futebolisticos e outros; e uma desconcertantemente fácil “passerelle” entre governantes, autarcas, gestores públicos e banqueiros, empresários, patrões futebolitiscos, etc...; e sobretudo pela gritante impunidade – judicial e política - em que tem vivido a maior parte dos corruptos e corruptores neste país, os maiores ladrões e desfalcantes do Estado, além de todos os que têm grosseiramente desbaratado o erário público por desleixo ou incompetência.Claro que nem todos os altos funcionários, nem todos os deputados, nem todos os dirigentes políticos, nem todos os governantes são corruptos ou delinquentes, tal como nem todos os banqueiros e patrões são desonestos e corruptores. »

29 janeiro 2008

A presunção de A. Costa

Contrastando com os discursos de Marinho Pinto, do Procurador Geral da República, do Presidente do STJ e do próprio Presidente da República, o Ministro da Justiça - aliás, S.E. o Ministro da Justiça - aproveitou a oportunidade da abertura do ano judicial para se auto-elogiar.
O Ministério da Justiça é, talvez, o pior dos ministérios do governo de José Sócrates.
Mas o ministro A. Costa tem o descaramento de dizer o que diz...
Veja-se, em contraste, o discurso...
Liquidou o sistema de justiça, ao ponto de se poder dizer que ele deixou de existir... e ainda se gaba.

O retrato da crise segundo António Marinho Pinto

É memorável e merece citação integral o discurso do bastonário António Marinho Pinto, na tradicional abertura do ano judicial...
Aqui fica.
Exmo. Senhor Presidente da República
Excelências:
Vivemos talvez a maior crise de sempre na Justiça portuguesa.
Mas mesmo assim, em nome dos Advogados Portugueses, quero começar por exprimir um sentimento de confiança e de esperança.
É possível melhorar a administração da Justiça e fazê-lo em respeito pelos valores do Estado de Direito e em benefício dos cidadãos e do desenvolvimento do país. Num Estado de Direito Democrático a Justiça não tem donos, tem servidores.
Todos somos servidores da justiça e todos devemos servi-la com dedicação e empenho. A primeira obrigação de quem participa na administração da justiça é pugnar pelo seu prestígio e pela sua dignificação.
E a primeira condição para que a justiça seja respeitada numa sociedade democrática é que os seus agentes se respeitem reciprocamente.
Ninguém respeitará a justiça se os seus agentes não se respeitarem uns aos outros. Nunca teremos uma boa administração da justiça, que é um valor superior do Estado de Direito, se não contribuirmos para a dignificação das diferentes funções em que essa administração se exprime: a função jurisdicional (de dizer o direito para o caso concreto) cometida aos juízes; a função de representação da República (como garante da legalidade e dos interesses punitivos do Estado) cometida aos Advogados da República que são os Procuradores da República e a função do patrocínio forense (representação dos cidadãos em juízo) cometida aos Procuradores dos Cidadãos que são os Advogados.
A justiça atravessa hoje em Portugal momentos particularmente agitados que são a evidência de uma crise profunda, sem dúvida a mais grave desde a instauração da República.
As suas causas têm sobretudo a ver com a incapacidade de se realizarem reformas que a adaptassem às necessidades da sociedade e às exigências do desenvolvimento.
O modelo judiciário ficou imóvel perante as mudanças do século XX e sobretudo perante as transformações democráticas, económicas e sociais decorrentes da Revolução do 25 de Abril de 1974.
Na sequência dessas transformações fizeram-se leis progressistas e generosas em matéria de direitos e garantias individuais, de entre as quais emerge, naturalmente, a Constituição da República Portuguesa, mas as suas concretas aplicações esbarraram sempre com o imobilismo do sistema e sobretudo com a incapacidade deste em assimilar o sentido progressista e humanitário dessas leis. As consequências estão à vista.
As nossas cadeias estão cheias de pessoas oriundas principalmente dos sectores mais desfavorecidos da população.
Temos uma das mais elevadas taxas de reclusão de toda a Europa senão mesmo a mais elevada. A pobreza e a exclusão social são as principais causas dessa triste realidade.
No decurso da minha actividade humanitária, encontrei nas cadeias portuguesas, pessoas que cumprem penas de dias de prisão. Sim, penas de dias de prisão, unicamente porque não têm recursos económicos para pagar a multa que substituiria essas penas. E como não têm dinheiro pagam-nas com a liberdade.
Um homem ainda jovem cumpriu no Estabelecimento Prisional Regional de Coimbra uma pena de 13 dias de prisão, enquanto no Estabelecimento Prisional de Tires uma jovem de 19 anos cumpriria uma pena de 72 dias se as outras reclusas, alguns funcionários e uma associação humanitária não se tivessem quotizado para pagar a multa de cerca de 400 euros a que fora condenada pelo crime de viajar no Metro sem bilhete.
Encontrei também a cumprir uma pena de prisão, um octogenário que já mal se podia deslocar e que só com o auxílio de outros reclusos conseguia praticar os actos da sua higiene pessoal. Portugal aplica as maiores penas de prisão efectiva de entre os países da Europa Ocidental e também as penas mais curtas.
O tempo médio de prisão efectiva por cada recluso corresponde a mais do triplo do daqueles países, incluindo alguns que aplicam a pena de prisão perpétua.
Há jovens na casa dos 20 anos de idade condenados a penas de 15 e 16 anos de prisão por crimes de furto – unicamente furtos.
Há reclusos que cumprem penas de cerca de 20 anos de prisão condenados em cúmulo jurídico por múltiplos delitos contra o património os mais graves dos quais são punidos abstractamente com penas máximas não superiores a três anos.
No interior de algumas cadeias, os regulamentos do sistema penitenciário e os despachos de quem o dirige sobrepõem-se às Leis da República, designadamente a Constituição.
As preocupações de segurança misturam-se com as questões disciplinares fazendo com que os reclusos estejam submetidos a um regime arbitrário e, em muitos casos, sem qualquer controlo jurisdicional. A violência e a desumanidade tornaram insuportável o cumprimento das penas de prisão e o desespero conduz muitas vezes ao suicídio.
Morre-se demais nas cadeias portuguesas. A última solução para conter esse estado de coisas dentro de limites aceitáveis foi a de fechar os olhos ao consumo de drogas por parte dos reclusos, como forma de tornar mais suportável o inferno a que foram condenados.
É necessário, é urgente jurisdicionalizar integralmente o processo de execução de penas, ampliando a intervenção do Juiz e do Ministério Público e tornando obrigatória a presença do Advogado em todos os actos e diligências de que resultem decisões sobre os reclusos.
Exmo. Senhor Presidente da República
Excelências
Há um sentimento generalizado na sociedade portuguesa de que o sistema judicial é forte e severo com os fracos e fraco, muito fraco e permissivo com os fortes. A situação que descrevi em relação às cadeias contrasta flagrantemente com uma criminalidade de colarinho branco que se pratica quase impunemente na sociedade portuguesa.
Vemos em outros países, como os EUA, p. e., pessoas social e economicamente poderosas serem presas, julgadas e condenadas a pesadas penas de prisão por crimes económicos, tudo isso em períodos de tempo razoavelmente curtos, enquanto em Portugal, pelos mesmos factos ou por outros ainda mais graves, nada acontece a quem os pratica.
E quando são «incomodados» pela justiça os respectivos processos nunca acabam ou então terminam sem resultados visíveis.
No domínio da investigação criminal, fazem-se grandes encenações mediáticas para os órgãos de informação, por vezes com prisões e buscas filmadas pelas TV’s, mas depois os inquéritos (cujo prazo máximo é de 12 meses) prolongam-se durante anos sem quaisquer consequências dissuasoras para esses delinquentes.
Fazem-se negócios de milhões com o estado, tendo por objecto bens do património público, quase sempre com o mesmo restrito conjunto de pessoas e grupos económicos privilegiados.
E muitas pessoas que actuam em nome do Estado e cuja principal função seria acautelar os interesses públicos, acabam mais tarde por trabalhar para as empresas ou grupos que beneficiaram com esses negócios.
Há pessoas que acumularam grandes patrimónios pessoais no exercício de funções públicas ou em simultâneo com actividades privadas, sem que nunca se soubesse a verdadeira origem do enriquecimento.
Nas empresas que prestam serviços públicos de grande relevância social, como, nas comunicações postais, no sector das energias e no das telecomunicações, entre outros, perdeu-se há muito o sentido de servir o público em benefício de estratégias que privilegiam, à outrance, vantagens para os accionistas.
Agora o interesse público relacionado com as necessidades sociais desses serviços deve ceder - e cede mesmo - perante os sacrossantos interesses dos sacrossantos accionistas.
Como, ainda recentemente, salientou o antigo Presidente da República, Dr. Mário Soares, existe, hoje, na sociedade portuguesa um sentimento generalizado de desaparecimento do estado em benefício de interesses privados, situação que atingiu a própria justiça com o processo de desjudicialização em curso.
Bens essenciais para a população, cuja prestação constitui uma obrigação constitucional do Estado, como a saúde, são objecto de lucrativos negócios de grupos económicos privados.
Amplos sectores da população empobrecem e endividam-se incentivada por compulsivas torrentes de publicidade comercial apelando ao consumismo, sem que o estado exerça qualquer intervenção moderadora.
O sobre-endividamento colectivo levou a que grande parte da população activa tenha de trabalhar durante anos para pagar os encargos financeiros de empréstimos que foram induzidos a contrair sem os devidos esclarecimentos sobre as nefastas consequências desses compromissos.
Grande parte do país – pessoas e empresas - trabalha para os bancos que acumulam lucros tão escandalosos quanto os benefícios fiscais de que gozam. Enquanto isso, um grupo restrito de privilegiados, do sector público e do privado, aufere remunerações principescas e aumenta constantemente o seu património pessoal.
Os titulares de alguns serviços e instituições públicas auferem, em Portugal (que é um dos países mais pobre e atrasado da União Europeia), remunerações superiores às dos seus congéneres de outros países bem mais ricos e desenvolvidos.
E mesmo no sector privado as remunerações dos seus gestores tornaram-se tão contrastantes com as da generalidade dos trabalhadores que o próprio Senhor Presidente da República as denunciou em recente comunicação ao país.
Há em Portugal algumas das mais altas e das mais baixas remunerações pelo trabalho da União Europeia. Também aqui temos um país de extremos, tal como sucede com a duração das penas de prisão.
O Estado já não pode aumentar os seus recursos devido à sobrecarga de impostos, mas, mesmo assim, gasta o que tem e o que não tem em realizações e empreendimentos, alguns de duvidosa necessidade, cujos encargos, em muitos casos, irão ser pagos com os impostos de pessoas que ainda nem nasceram.
É essa a herança que vamos deixar às gerações futuras: dívidas. Há uma pobreza que alastra a olhos vistos e outra que cresce ocultada pela vergonha dos que a sofrem. É urgente que os principais partidos políticos estabeleçam entre si um pacto contra a pobreza e contra o sobre-endividamento da população.
Um acordo de incidência politico-económica que elimine essa chaga social. Não nos devemos resignar a esperar que o combate à pobreza se faça com o desenvolvimento económico. Temos de ter a audácia de inverter o paradigma e proclamar que o combate sério à pobreza é, em si mesmo, um factor decisivo do próprio desenvolvimento.
Existe na sociedade portuguesa um sentimento generalizado de que a corrupção e o tráfico de influências - dois dos delitos que mais ferem o Estado de Direito – se entranharam nas estruturas do Estado.
Não há uma obra pública, seja qual for o seu valor, que seja paga, a final, pelo preço por que foi adjudicada. É sempre superior.
As contrapartidas por vultuosas aquisições de bens e equipamentos por parte do estado, não são cumpridas ou são-no apenas em ínfimas parcelas. E o financiamento dos partidos políticos continua sem dar sinais de transparência democrática.
A Assembleia da República – a Casa da nossa Democracia, o Coração do nosso Estado de Direito – degrada-se com a insuportável teatralização e a falta de autenticidade dos seus debates públicos, enquanto nos seus gabinetes e corredores circulam interesses de duvidosa legitimidade, envoltos em opacidade e mistério e que não raro se traduzem em opções legislativas que ninguém compreende e ninguém esclarece.
Nunca se percebeu, nem ainda ninguém tentou explicar, por que é que a última lei de amnistia e perdão de penas perdoou parte das penas por crimes de abuso sexual de menores e já não o fez em relação a outros delitos bem menos graves.
E sobretudo nunca ninguém soube por que é que o âmbito de aplicação material dessa lei, na versão aprovada na Assembleia da República e publicada no respectivo órgão oficial, era diferente do da versão que acabou por ser promulgada e publicada no Diário da República.
Isto para não falar em opções normativas mais recentes que também nunca ninguém explicou e cuja paternidade ainda ninguém assumiu.
É este um dos motivos da perda de prestígio e de credibilidade política do nosso Parlamento: muito espectáculo no hemicírculo e muita falta de transparência na elaboração de algumas leis. É necessário que se estabeleça rapidamente a impossibilidade legal de um deputado exercer simultaneamente uma actividade privada directamente ligada a interesses na aplicação das leis. Não se deve poder acumular a função de Deputado com o exercício da actividade de Advogado. Quem faz leis no Parlamento não pode estar ao mesmo tempo a aplica-las nos tribunais.
Quem faz leis não pode ter clientes privados eventualmente interessados nessas leis, pois senão pairará sempre a suspeita legítima de que muitas delas possam estar mais voltadas para os interesses dos clientes de alguns dos legisladores do que para o interesse público e o bem comum.
O estabelecimento desta exigência corresponde não só aos imperativos da ética política republicana e aos princípios de transparência dos processos legislativos, mas também, no que aos Advogados se refere, a uma exigência de respeito pelas regras da sã concorrência. Há, obviamente, clientes privados que sempre preferirão advogados que sejam simultaneamente deputados.
Exmo. Senhor Presidente da República
Excelências
Uma última palavra sobre a Justiça e o sistema judicial.
Num país onde a justiça funcione mal, nada funcionará bem. E a justiça em Portugal funciona muito mal. E mais do que procurar culpados, é dever de todos nós encontrar soluções. Como já disse atrás, o sistema judicial não acompanhou as transformações do século XX e não se adaptou às necessidades do desenvolvimento. Por isso hoje, para que ainda continue a funcionar minimamente, o poder político não encontrou outra solução que não a de desjudicializar um amplo segmento da justiça e encarecer brutalmente o seu custo para os cidadãos.
As leis processuais e substantivas mudam ao sabor dos ciclos eleitorais e dos interesses políticos dos partidos maioritários.
A jurisprudência é volátil e não se consolida. Importantes sectores da justiça foram pura e simplesmente privatizados como aconteceu com a acção executiva, em que o Estado entregou a agentes privados a execução das decisões soberanas dos seus tribunais, com as nefastas consequências que todos conhecemos.
Um conjunto muito amplo de litígios civis e criminais foram remetidos compulsoriamente para centros de mediação, quando não para repartições públicas ou mesmo para empresas privadas. As dívidas já não se cobram nos tribunais mas sim com recurso a empresas privadas ou então através de métodos criminosos.
Mais de uma dezena de pessoas, contabilizada em meados de 2007, cumpria penas de prisão por tentar cobrar dívidas à força, ou seja, sequestrando os devedores, espancando-os, lesando o seu património, ameaçando-os ou mesmo atentando contra a suas vidas.
A desjudicialização da justiça constitui um perigoso retrocesso civilizacional, pois conduz, necessariamente, a que muitos sejam tentados a fazê-la pelas próprias mãos. Nesta matéria, há sinais muito perigosos no horizonte.
Os tribunais, enquanto instrumentos e símbolos da soberania para a pacificação social, deixaram de cumprir a sua função tradicional.
Agora o grande objectivo é descongestionar, é aliviar, é desjudicializar. Florescem as mediações privadas cuja finalidade é o lucro.
Os cidadãos mais carenciados estão totalmente desprotegidos porque o estado não lhes garante o acesso ao direito.
O patrocínio oficioso dos cidadãos mais pobres torna-se completamente impossível, devido ao desinvestimento do Estado.
O apoio judiciário, constitucionalmente consagrado como uma garantia de os cidadãos acederem ao direito e à justiça, foi recentemente ridicularizado por um diploma legal que inutiliza esse direito constitucional, ofende a dignidade dos Advogados e desprestigia o próprio Estado de Direito.
As opções contidas no chamado novo Mapa Judiciário oneram os cidadãos em benefício das comodidades dos agentes da Justiça. Prevê-se que a justiça seja concentrada em grandes centros urbanos, o que, muitas vezes, obrigará os interessados a percorrem centenas de quilómetros para uma diligência judicial.
Por outro lado, para dirigir esses gigantescos tribunais, quer-se optar por modelos de gestão autocráticos e que já deram provas de funcionar muito mal. É preciso que os tribunais funcionem e se organizem em função dos direitos e necessidades dos cidadãos e não apenas das comodidades e interesses de quem neles trabalha.
Deve, assim, optar-se por um modelo de gestão democrática assente em órgãos colectivos que incluam a participação de Advogados, enquanto representantes dos cidadãos que têm de ir a tribunal. Não pode deixar de ser assim.
Os Advogados, enquanto detentores da função constitucional do patrocínio forense, têm cada vez mais dificuldades em exercer essa missão, sobretudo em processo penal. Entra-se numa sala de audiências e quase não se distingue o juiz que julga do Procurador que acusa. Uns e outros estão lado a lado como se fossem uma mesma entidade.
Em muitos casos os procuradores agem de forma tão irresponsável e tão independente como se fossem juízes e, pior do que isso, em muitos outros casos, juízes há que actuam como se fossem procuradores.
Alguns julgadores reivindicam publicamente alterações legislativas que lhes permitam condenar arguidos com base em provas que não foram produzidas diante deles próprios, segundo os princípios da imediação e do contraditório, mas sim perante outros magistrados, em outras fases processuais.
Uma singular conjugação de circunstâncias adversas impede muitos advogados de exercerem cabalmente a sua função constitucional.
Alterações legislativas recentes dispensam-nos como se fossem desnecessários à justiça, deixando desprotegidos os cidadãos, sobretudo os mais frágeis do ponto de vista económico e cultural.
Muitos magistrados não respeitam as prerrogativas legais e constitucionais dos Advogados, e condenam-nos em pesadas taxas de justiça por actos processuais praticados no exercício do patrocínio em representação e no interesse exclusivo dos seus constituintes.
Já se chegou ao ponto de deter uma advogada em pleno tribunal onde se encontrava para uma audiência de julgamento na companhia dos seus clientes, unicamente para que fosse presente, sob detenção, a uma diligência a que tinha faltado com uma justificação que antecipadamente comunicara ao Tribunal.
Exmo. Senhor Presidente da República
Excelências
Apesar do cenário que acabo de descrever, concluo como comecei.
Vivemos, hoje, talvez, a maior crise de sempre na justiça portuguesa. Mas, apesar disso, quero aqui reiterar, em nome dos Advogados portugueses, uma forte mensagem de confiança e de esperança no futuro. É possível melhorar a administração da Justiça em Portugal. E se isso é possível então é obrigatório.
Lisboa, 29 de Janeiro de 2008
A. Marinho e Pinto

A palavra de JAB

Escreve José António Barreiros na sua Patologia Social

«Meus Colegas. O Presidente do Conselho Superior tem o dever de reserva. Ele não integra os órgãos executivos da Ordem, ele não é um contra-poder, ele não é um Bastonário sombra. Há, porém, uma matéria à qual não nos esquivamos, dentro da nossa casa, ter uma palavra a dizer. Segundo a imprensa, o Bastonário tornou público que: «Existe em Portugal uma criminalidade muito importante, do mais nocivo para o Estado e para a sociedade, e que andam por aí impunemente alguns a exibir os benefícios e os lucros dessa criminalidade e não há mecanismos de lhes tocar. Alguns até ostensivamente ocupam cargos relevantes no Estado Português» E o Bastonário acrescentou, segundo a mesma imprensa: «Há pessoas com cargos de relevo no Estado português que cometem crimes impunemente» e que em breve poderá avançar com casos concretos.
Ante isso, o Procurador-Geral da República, por considerar graves as afirmações, ordenou a instauração de um inquérito criminal. Sobre isso pronunciou-se já o Primeiro-Ministro.
Não cabe ao Presidente do Conselho Superior comentar estas afirmações do Bastonário, nem o momento ou o modo escolhido para as proferir, ou o resultado das mesmas. Ao Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados compete zelar pelo cumprimento da legislação respeitante à Ordem dos Advogados; entre essa está o Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo o qual são atribuições da Ordem dos Advogados «defender o Estado de Direito».
Ora o Estado de Direito é incompatível com a existência de pessoas com cargos de relevo no Estado português que cometam crimes impunemente.
Ao Bastonário que proferiu a afirmação caberá cumprir os seus deveres em face do afirmado. Que as instituições funcionem. O nosso silêncio será um contributo para isso».Não tenho nada mais a dizer. A partir daqui, cada um que conclua.


O meu amigo JAB, que é um criminalista de primeira água, quanto mais cabelos brancos tem mais acredita na chamada «puta da Justiça».
Oh Zé António, você ainda não viu que o sistema está todo viciado, começando pela objectiva impossibilidade de qualquer cidadão poder promover a acção penal e defender o interesse público.
A grande vigarice da justiça criminal está no monopólio da acção penal pelo MºPº, do qual resulta o direito de abafar...

Sombras chinesas

Receio bem que o bastonário Marinho Pinto seja chamuscado como um pato saloio pelos «aristocratas» de Lisboa e do Porto, para quem ele não passa de uma provinciano a querer dar uma de esperto.
O cerco está a montar-se, porque Marinho incomodou. Se puderem, fazem-lhe a folha, o mais rapidamente possível.
Até o António Cluny, de quem nada se ouviu quando Maria José Morgado tinha discurso idêntico, vem agora dizer que o Marinho tem que se explicar...
Estamos no meio de uma sessão de fogo de artifício, que não vai dar em nada, como é costume.
É verdade que Marinho Pinto incomodou... Mas a sua denúncia tem o seu quê de patético, quando é certo que os advogados são uma das classes com mais baixo índice de credibilidade em Portugal (14%, salvo erro), aparecendo, por sistema, ligados a tudo o que o seu bastonário denuncia.
É um lugar comum dizer-se que se há corrupção ela passa pelos escritórios dos advogados, porque nenhum corrupto nem nenhum corruptor arrisca entrar no jogo sem o devido conselho jurídico.
Todos sentimos que as vigarices de que, genericamente, fala Marinho têm o patrocínio de advogados bem remunerados, porque é do mais elementar senso comum que tais vigarices importam construções técnico-jurídicas que ninguém ousará realizar sem o conselho de quem goza das prerrogativas e das imunidades de que gozam os advogados em Portugal.
Por isso me parece que antes de se voltar para fora, Marinho se deveria voltar para dentro.
É por demais óbvio que a corrupção e o tráfico de influências são facilitados por institutos que não deveriam ter o sentido nem o alcance que hoje têm, com o alto patrocínio da Ordem dos Advogados.
Um deles é o do sigilo profissional. Justifica-se que ele proteja as informações, mas é inaceitável que ele sirva para encobrir as relações entre os clientes e os advogados. Numa sociedade moderna não faz nenhum sentido que as relações entre uma determinada pessoa (física ou jurídica) e um advogado ou um escritório de advogados não seja pública (e obtigatoriamente pública se se tratar de pessoa colectiva).
Õutro é o do sistema de contratação dos advogados pelas entidades públicas, que não tem a mínima transparência, sendo certo que é por esse canal da falta de transparência que passa muita da corrupção que o bastonário denuncia.
A corrupção e o tráfico de influências passam, como toda a gente sabe, pelos escritórios dos advogados.
Progressista e inovador seria que o bastonário defendesse a existência de um registo público obrigatório dos clientes de cada advogado e das contratações feitas por entidades públicas e a criação de quadros de punibilidade do tráfico de influências na contratação de serviços jurídicos.
Nessa matéria é uma vergonha o que acontece neste pobre país...
Mais grave do que o que foi denunciado por António Marinho é a noção de que muitos dos mais prestigiados escritórios de advogados de Portugal vivem de favores políticos, denunciados pelos próprios nomes.
Um nojo...

28 janeiro 2008

A guerra santa de António Marinho Pinto

O novo bastonário da Ordem dos Advogados Portugueses é um homem corajoso e generoso. Sabem-no todos os que o conhecem e é da elementar justiça que se reconheça isso publicamente.
Não é - como sugeram alguns - um tonto, por afrontar uma série de interesses e poderes, como afrontou com as declarações prestadas nos últimos dias.
Em declarações ao Correio da Manhã, o bastonário considerou que estão em causa “situações que toda a gente vê”, dando como exemplo os casos de “membros do Governo que fazem negócios com empresas privadas e depois quando saem vão para administradores dessas empresas”.
Prossegue o jornal, citando Marinho Pinto:
“Esbanja-se milhões de euros em pagamentos de serviços cuja utilidade é duvidosa e depois não há dinheiro para necessidades básicas”, acrescentou o advogado, dizendo que não é magistrado nem investigador e que não faz denúncias criminais, apesar de ter sido desafiado pelo ex-bastonário Rogério Alves e por Vitalino Canas, porta-voz do PS.
Marinho Pinto disse não ter provas mas apenas indícios, baseando-se em “situações públicas e notórias”: “Há uma criminalidade em Portugal, da mais nociva para o Estado e para a sociedade, que anda aí impunemente. Muitos exibem os benefícios e os lucros dessa criminalidade e não há formas de lhes tocar. Alguns até ocupam cargos relevantes no Estado Português.”

***
Não sei, francamente, o que pode ganhar Marinho Pinto com este corajoso discurso, para além de dividir a classe dos advogados.
É por demais claro que há advogados que estão contra a corrupção e que há outros que são a favor dela e até a consideram um elemento essencial ao desenvolvimento da sociedade.
Não me parece que seja útil ao país que o bastonário da Ordem dos Advogados ponha, literalmente, em causa o Procurador Geral da República, metendo a foice na sua seara, quando tem tantos problemas para resolver no tocante ao exercício da advocacia.
É por demais óbvio que os negócios que o bastonário denunciou foram assistidos por advogados, cuja prática ninguém questionou...
Preferia que o bastonário da minha Ordem gastasse o seu tempo questionando outros poderes e reclamando outras regras...
Com este espalhafato, ficou reduzido a zero o autêntico escândalo que consiste em um empregado do Parlamento não poder ser advogado, podendo sê-lo um deputado.
Urgente - e indispensável - é que se imponha ao Estado a obrigação de publicar as listas dos advogados que contrata e das condições em que os contrata.
A pouca vergonha passa por ai...
E por isso mesmo eu me recuso a trabalhar para o Estado, para empresas públicas, para autarquias, para tudo o que seja público, porque não quero ficar sob suspeita...

21 janeiro 2008

A miséria do apoio judiciário

Interessante esta carta-manifesto, que recebi de três colegas:

«Ilustres Colegas,

A portaria 10/2008 de 3 de Janeiro é um ataque directo aos defensores oficiosos e à dignidade dos Advogados.

Após a leitura da mesma, além da indignação, sentimento pelo que nos apercebemos generalizado entre a classe, surgiu-nos a vontade de, por uma vez, não baixar os braços. Nós que temos como missão lutar pelos interesses dos outros não podemos deixar que banalizem o nosso trabalho.
O apoio judiciário não existe para nosso beneficio e não é um favor que Estado nos faz, existe para beneficio dos cidadãos e é um serviços que prestamos ao Estado para garantir que TODOS têm acesso à justiça.

A redacção da presente portaria leva em que alguns casos nós tenhamos de pagar para trabalhar, nomeadamente com a exclusão de apresentação de despesas, se tivermos em conta os valores irrisórios atribuídos a titulo de pagamentos.

Vejamos algumas das alterações:

A) No âmbito de um processo penal sumário em crime, era pago ao defensor, o valor de €192, no processo penal singular €264, com pena em abstracto até 8 anos €312, e com pena em abstracto superior a 8 anos, €384.
Com esta nova portaria e remetendo-nos somente para a nomeação isolada de processos, é pago €120, independentemente do tipo de processo, do tipo de crime e do tipo de pena.

B) Na diligência que comportasse mais de duas sessões, por cada sessão a mais eram atribuídos €72, com a nova portaria quer o julgamento seja feito em duas sessões, em vinte quer em duzentas (como existem alguns) o valor pago continua a ser o mesmo nada acrescendo ao valor do processo referido supra.

Assim numa matemática bastante simples, um processo que dure 3 meses e nos tire do nosso escritório 3 dias por semana (12 dias por mês, num total de 26 dias) tem o mesmo valor (€120) do que um que dure duas sessões, quando até à data nos seria pago, só em sessões, a quantia de €3 744.

C) Fazendo um pouco mais de contas, mas no que respeita aos lotes de processos, se nos fosse atribuído um lote de 50 processos, será pago ao advogado a quantia de € 640,00 bimestrais.
Assim, o pagamento atribuído a um lote de 50 processos corresponde a € 6,40, por mês e por processo.

D) Com a tabela anterior, caso se resolvesse um processo extrajudicialmente era atribuído ao patrono a quantia de €500, actualmente a portaria prevê o pagamento de €100. (redução de honorários em 80%)

E) De referir por fim que a portaria em questão exclui a hipótese de apresentar qualquer tipo de despesa que se tenha no âmbito dos processos, quer sejam visitas aos estabelecimentos prisionais, deslocações para consultas de processos, julgamentos fora da comarca, entre outros.

A titulo meramente exemplificativo um julgamento com duas sessões em comarca diferente do nosso domicilio profissional, é o suficiente, para termos de ser nós a pagar para trabalhar, pois o valor atribuído não é suficiente, sequer para as despesas.

Não nos vamos alargar a apontar tudo o que está de errado com esta portaria, até porque estamos a falar de um diploma que entrou em vigor “1 de Janeiro de 2008”, antes mesmo de ser publicado a “3 de Janeiro de 2008”. Mas queríamos alertar para a grave situação que a aplicação do mesmo vai gerar dando origem à falta de qualidade da defesa oficiosa e ao endividamento dos advogados para assegurar a mesma.

Enquanto membros de uma classe que tem sido alvo de ajustes, desprestigio e desvalorização (quer pessoal quer económica), não podemos ficar impávidos e serenos “a ver passar a procissão”.

O exercício da advocacia e o direito a um defensor oficioso ou de acesso à justiça, é um ónus e uma obrigação constitucional do estado de direito que não pode ser feito às custas da eliminação do rendimento individual dos defensores.

É certo que só é defensor oficioso quem quer, não é menos certo que ele é fundamental no exercício de pleito judicial e na defesa dos cidadãos e da cidadania.

Considerem este e-mail como um alerta, ao qual temos de reagir enquanto classe e na defesa dos nossos direitos.

AGORA E MAIS DO QUE NUNCA É NECESSÁRIO QUE A ORDEM DEFENDA OS SEUS MEMBROS E A QUALIDADE E DIGNIDADE DA ADVOCACIA.

A nossa intenção é, antes de mais, alertar para aqueles que ainda não tiveram tempo de analisar a presente portaria e as suas consequências, mas também queremos agir.

Desde já sugerimos que seja enviado por todos nós mail ao bastonário e ao Conselho Geral (
cons.geral@cg.oa.pt ) afim de demonstrar que não concordamos com estas medidas e que queremos que eles, em nosso nome o façam saber aos órgãos competentes.

Outras medidas que tomemos conhecimento ou que tomemos a iniciativa de realizar, termos o prazer de ir comunicando.

Agradecemos desde já a atenção dispensada
Os Colegas ao dispor

Isa Malão
Vanda Esteves
Luís Batista Martins»
A falência continua...