21 fevereiro 2007

A questão do indulto

Tenho mantido um razoável silêncio sobre a crise da Justiça porque o nivel da degradação é de tal ordem que se afigura inútil qualquer intervenção cívica nesta área.
O actual ministro ficará na História, com toda a provabilidade, como o pior ministro da Justiça que Portugal teve depois do 28 de Maio.
Pena é que nos tenha enganado a todos com algumas excelentes ideias, que não soube realizar, e que, por causa delas, o país lhe venha dando a tolerância que dá, quando é certo que Justiça bateu, literalmente, no fundo.
O caso mais exemplar do estado da falência a que chegamos está na completa fuga às responsabilidades no caso do «indulto presidencial».
O indulto é um acto político de perdão de uma pena em que um cidadão foi condenado.
Os jornais noticiaram que o Governo tomou a iniciativa de promover que fosse indultada a pena em que foi condenado um empresário da noite de Évora, que nunca cumpriu qualquer pena e é procurado pelas polícias de diversos paises.
Significa isto, antes de tudo, que alguém se interessou pela sorte de tal cidadão e que enganou o Presidente da República levando-o a assinar um perdão.
Esperava-se que o Ministro da Justiça, perante uma tal evidência, fizesse apurar as responsabilidades de quem promoveu o indulto e o preparou em termos que conduziram a que o Presidente da República o assinasse.
O que tivemos, ao invés, foi o patético comunicado que se reproduz:

«Dá-se nota pública das seguintes conclusões:
Na instrução do processo do indulto, a cargo do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, foram reunidos elementos, provenientes da Polícia Judiciária e do Registo Criminal, que não foram tomados em consideração.
Tais elementos encontravam-se actualizados, mas os registos em causa não eram de leitura evidente.
No pedido de indulto apresentado, foram omitidos elementos relevantes da situação criminal do interessado.
Neste contexto, o Tribunal de Execução de Penas de Lisboa deu a conhecer, no decurso do processo de averiguações, ter procedido à reabertura do processo de indulto, aguardando-se agora a respectiva conclusão.
São desde já preconizados, em função dos factos apurados, diversos aperfeiçoamentos no domínio da disponibilização da informação relevante, que vão ser agora trabalhados e proximamente divulgados.
Conforme é proposto pela Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça, vai ser dado conhecimento das conclusões do processo de averiguações aos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público. »
Estamos perante um texto completamente patético.
Alijam-se as responsabilidades afirmando que o indultado omitiu factos relevantes, quando a verdade é que deveria ter sido o Ministério da Justiça a fazer verificar detalhadamente os pressupostos da proposta que apresentou ao Presidente da República.
Se os jornais não tivessem descoberto... tudo ficaria abafado, o que nos dá a verdadeira dimensão do problema.
Em Portugal, o Presidente da República pode ser enganado pelo Ministério da Justiça e não acontece nada.
Num país decente, o ministro da Justiça seria imediatamente demitido.

12 fevereiro 2007

A Lei da Rolha

A guerra está aberta entre os juizes, o que só pode ser encarado como coisa muito positiva nestes tempos de falência da justiça.


Diz o diário de Notícias na edição de ontem:
«A posição pública do juiz desembargador Rui Rangel sobre a criança de Torres Novas foi a única que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) debateu na última reunião e decidiu sujeitar a inquérito para apurar se o magistrado violou o dever de reserva.
Isto apesar de outros juízes - como Eurico Reis, Santos Carvalho e Laborinho Lúcio - terem também feito críticas directas ou indirectas à decisão do Tribunal de Torres Novas, que condenou o sargento Luís Gomes - o pai afectivo de E. - pelo crime de sequestro.
Rui Rangel lembra, numa reacção ao DN, que o próprio Noronha do Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça e, por inerência, do CSM, "se pronunciou sobre o caso".
A controvérsia está lançada no meio judicial, numa altura em o CSM vive um período eleitoral, com o juiz conselheiro Vasques Diniz - apoiado por Rui Rangel - e o conselheiro Ferreira Girão - apoiado pelo vice-presidente do CSM, Santos Bernardino, a apresentarem-se como adversários na corrida.
Rui Rangel acusa o CSM de "dualidade de posições" e de "impor a lei da rolha". O desembargador diz-se alvo de "censura" e sustenta que no CSM "há filhos e enteados".
No centro da polémica está o artigo publicado no Correio da Manhã (28 de Janeiro), onde o desembargador da Relação de Lisboa afirma que a decisão do Tribunal de Torres Novas foi "cega, brutalmente injusta e desproporcional".
O artigo de Rui Rangel foi levado à reunião do CSM, que decidiu, por maioria, instaurar um processo disciplinar ao juiz, depois de uma "longa discussão" sobre o alcance do dever de reserva dos juízes.
O juiz conselheiro Laborinho Lúcio, vogal do CSM, absteve-se na votação e, já no final da reunião, "por uma questão de ética e honestidade intelectual", apurou o DN, uma vez que também ele tinha falado sobre o caso num programa da 2 pediu que lhe fosse instaurado um inquérito. O juiz Edgar Lopes e a professora universitária Alexandra Fernandes Leitão terão votado contra o inquérito.
Ao DN, Rui Rangel advoga que "não ouve violação do dever de reserva" porque comentou um processo que não está sob a sua jurisdição, e avisa que, ao fazer uma interpretação extensiva do dever de reserva, o CSM "está a ferir outros direitos constitucionais, como o direito à opinião e à liberdade de expressão".
"Não quero pensar que estou a ser um bode expiatório, não quero acreditar que há vindicta contra mim", atira Rangel, lembrando o artigo de opinião que escreveu contra Santos Bernardino e o facto de ter "dissensões de opinião" com Noronha Nascimento.
Também o desembargador Eurico Reis (contra quem já foram intentados processos disciplinares) acusa o CSM de ter "interpretação demasiado extensa" do dever de reserva e de ter " uma multiplicidade de critério".
"Temo que estejamos perante um truque que se usa muito na política e que tem efeito dominó. Ataca-se o inimigo mais fraco para atingir o mais forte. Não quero mover processos de intenção, mas é uma coincidência o conselheiro Laborinho Lúcio ter feito críticas ao funcionamento da Conselho."
Vamos aguardar as cenas dos próximos capitulos. E vamos dar vivas à liberdade.