24 julho 2006

24 de Julho de 2006

Chegaram-me ao fim do dia dois documentos: as alegações escritas de José Miguel Júdice (155 páginas de prosa bilhante) e umas anotações sobre o que disse de improviso.

Esta peças são sintomáticas da crise que dá titulo a este blog e, por isso mesmo, entendo que tenho a obrigação civica de as difundir neste local.

Não nos podemos permitir um silêncio sepulcral sobre as questões suscitadas.


Exmos Senhores Membros do Conselho Superior:

A. Introdução

1. Fui notificado por S. Exa o Relator/Acusador, Sr. Dr. Alberto Jorge Silva, para me apresentar de toga, colar e medalha a este julgamento. Não quis sequer perder tempo a analisar a base legal para tal notificação. Seja como for, e como se vê, decidi não respeitar esta instrução. Até hoje nunca o Colar de Bastonário esteve ao peito de um Colega arguido em processo disciplinar. Deste modo, pela minha opção, isso continuará sempre a ser verdade, no futuro. Assim como, depois da esperada condenação que, parafraseando respeitosamente Gabriel Garcia Marquez, me foi anunciada, aqui solenemente garanto que nunca um colar de Bastonário estará ao peito de um condenado em processo disciplinar.

2. Quero começar por agradecer aos meus Mandatários, Drs Alfredo Castanheira Neves, Helena Laje e Nuno Abranches Pinto – vindos de Coimbra, terra de Liberdade –, e a todos os outros Colegas que aqui estão a presenciar este julgamento público. É um acto de coragem o que decidiram fazer. Deles e de muitas e muitas centenas de outros que aqui não podem estar (muitos deles tendo tido a gentileza de me contactar a dar conta de tal impossibilidade) recebi gestos de solidariedade, companheirismo, apoio e – diria – cumplicidade. Por isso solenemente o afirmo: ainda bem que fui acusado por duas vezes para ter tido a oportunidade de ler ou de ouvir palavras que me acalentarão até ao fim da vida.

3. Quero depois agradecer aos meus Colegas que aceitaram ser testemunhas no primeiro processo disciplinar. Obrigado Drs António Garcia Pereira, Dra Arménia Coimbra, Dr. João Correia, Dr. João Pedro Pereira da Rosa, Dr. João Sevivas, Dr. José Luís da Cruz Vilaça, Dr. José Pedro Aguiar Branco, Dr. Luís Saragga Leal, Dr. Vitor Miragaia. Obrigado às centenas de Colegas, tantos deles aqui presentes, que só não foram indicados como testemunhas, apesar da disponibilidade que me revelaram, por limitação legal ao número de testemunhas possível.


4. Quero em especial agradecer aos que ousaram subscrever um abaixo-assinado de solidariedade. Sei que nenhum deles – ao contrário do que, de forma que é aliás desonrosa para o Conselho Superior, alguns afirmaram levianamente – quer influenciar ou condicionar a decisão que V. Exas tomarão. Julgo – e vários o disseram – que gostariam de partilhar comigo o opróbrio que senti, ao ser o primeiro Bastonário da honrada História da Ordem a ter uma acusação disciplinar, creio que o primeiro que sofreu um processo disciplinar aberto que não foi sumariamente arquivado, seguramente o primeiro a ter processos disciplinares sem que previamente tivesse ocorrido qualquer queixa ou participação de qualquer Cidadão ou Colega. A todos os que subscreveram o abaixo-assinado agradeço na pessoa do Dr. António Taborda – grande Advogado que no Plenário defendeu quem afinal era acusado de delitos de opinião pelos que ocupavam o poder nesse tempo. E agradeço as imerecidas palavras com que me honrou. Insisto: sou apenas o último e o menos digno – como se vê hoje aqui - de uma plêiade de grandes Bastonários que em mais de 80 anos honraram a Classe.

5. Quero também agradecer aos que me exprimiram solidariedade e só não assinaram o abaixo-assinado por invocarem serem ontologicamente contra esse tipo de actuação, serem sócios ou trabalharem em sociedades de que são sócios membros do Conselho Superior ou por serem membros no activo de órgãos da Ordem. Quase todos me autorizaram a revelar essa solidariedade, o que farei se e quando entender necessário ou conveniente.

6. Quero ainda agradecer aos Sócios da Sociedade de Advogados em que há 30 anos tento exercer o melhor que sei a Profissão que escolhi. Peço-vos desculpa, meus queridos Amigos, e a todos os que aí trabalham, pela vergonha que para todos tem de ser sofrerem que a um Colega e Sócio tenham sido abertos dois processos disciplinares, com fundamento em indignidade, e um deles com proposta de suspensão do exercício da actividade profissional. Pela primeira vez isso existiu na nossa sociedade de Advogados. Espero que não volte a acontecer.

7. Quero em especial agradecer aos que se afastaram ou recusaram convites para integrar órgãos de escolha do Conselho Geral e em concreto aos meus Sócios Luis Saragga Leal e Maria Castelos que se demitiram, por causa destes processos, de Presidente do Instituto das Sociedades de Advogados e de membro do Conselho Geral. Esse efeito colateral dos meus processos privou a Ordem dos Advogados de notáveis colaboradores na luta pelo Estado de Direito, pelas Liberdades e Direitos Fundamentais e pela Dignidade, Liberdade e Independência da Advocacia, que devem ser a razão de ser desta Casa, onde agora entro como arguido e onde, com muita probabilidade, nunca mais entrarei que não seja para velar Colegas mortos.

8. Quero ainda agradecer-lhes o documento que nos termos do artigo 117 do Estatuto juntaram aos autos. O mesmo agradecimento é devido aos meus queridos Colegas e Amigos Arménia Coimbra, João Correia e João Vaz Rodrigues por requerimentos fundamentados em tal artigo do Estatuto. Bem hajam todos pela vossa Amizade e pela vossa Coragem. Uma palavra de apreço e gratidão pelos pareceres cristalinos dos Professores Doutores Joaquim Gomes Canotilho e José Carlos Vieira Andrade: agradaram-me como arguido, fizeram-me sofrer como Advogado. Sou Bastonário e custa-me ter razão e ver um órgão da minha Ordem a ser acusado de violar direitos, liberdades e garantias e actuar com inconstitucionalidade.

9. Quero finalmente agradecer aos membros do Conselho Superior que tiveram a coragem de votar contra o primeiro processo disciplinar e a lucidez de antecipar o que se iria passar. Sei que é politicamente incorrecto fazê-lo e sei mesmo que fazê-lo é profundamente constrangedor para todos eles, entre os quais se encontram alguns bons amigos e Colegas que muito admiro. Mas não podia deixar de o dizer, neste momento.

10. Finalmente quero que fique muito claro o que vou dizer: sou acusado – no segundo processo - de com declarações que fiz “configurar desconsideração da Ordem dos Advogados” e “uma agressão persistente ao seu prestígio”. Sou ainda aí acusado de “faltas de consideração para com órgãos da Ordem dos Advogados”. Lamento ter de o dizer, mas quem agiu em termos de justificar esses epítetos foram alguns de V. Exas, como adiante creio que até para Vós – os que acuso – se tornará evidente.

11. Sou Bastonário da Ordem dos Advogados. Lutei durante o meu mandato pelo prestígio da Ordem dos Advogados e dos seus órgãos. Lutei contra todos os que tentaram afectá-lo. Não posso admitir que os meus acusadores se escondam atrás da Instituição, que respeito, que admiro, a que tenho honra em pertencer e que está a ser desprestigiada pelo comportamento de alguns de V. Exas. Esta é a minha opinião, que exprimo frontal e lealmente como é timbre de um Advogado. Poderão V. Exas abrir-me mais um processo, pela maneira como me defendo, ao declarar o que fica dito. Podem até expulsar-me da Profissão. Mas eu nunca deixarei de afirmar o que me dita a minha consciência. Nem a prisão sem culpa formada me silenciou no passado; não será aqui e agora que isso aconteceria, mais de 30 anos depois. Nesse tempo percebi que também eu não sabia o que era a cor do medo. E apesar de ter visto muita cobardia ao longo da vida, ainda não sei que cor é essa.

B. Os factos até à primeira acusação

1. Em 6 de Abril de 2005 concedi ao jornalista Pedro Guerreiro, do “Jornal de Negócios”, uma entrevista sobre temas profissionais, junta aos autos. Antes do início da entrevista fui avisado por ele de que me iria colocar questões sobre as razões da escolha de uma Sócia de PLMJ para apoiar o Estado num complexo processo jurídico e negociação relacionados com a Galp.

2. A parte da entrevista que se relacionava com esta questão terá provocado reacções “cobardolas” de alguns Advogados, nas palavras do Sr. Bastonário em exercício. Ele disse também (veja-se o “Jornal de Negócios” de 7 de Dezembro de 2005) que foram reacções “meio informais”, “encapuçadas” e “acobardadas”. No entanto nada nos autos o demonstra, nenhuma participação, queixa ou até lamúria existe nestes processos a esse propósito.

3. Por causa disso, apenas uma semana depois, em 13 de Abril, o Sr. Bastonário em exercício telefonou-me, à hora de jantar e em jeito apressado, a dizer-me que tinha recebido uns telefonemas de Colegas com protestos e a perguntar-me se eu não quereria solicitar ao Conselho Superior que apreciasse o que afirmara.

4. Respondi-lhe que não via qualquer razão para o fazer, visto que nada me pesava na consciência. Retorquiu-me então que eu optara por essa solução, quando uma vez fora acusado nos jornais pelos agora Membro do Conselho Superior, Dr Sérvulo Correia, e Membro do Conselho Geral, Dr. Bernardo Ayala, de comportamento eticamente censurável (por ter feito declarações, aliás autorizadas previamente pelo actual Bastonário, sobre um concurso público). Expliquei-lhe que nessa altura era Bastonário em exercício. Tal acusação não me deixava então outra alternativa, visto que esses Colegas entenderam acusar num jornal o seu Bastonário – sem qualquer razão, como veio a confirmar o Conselho Superior – mas não entenderam participar ao órgão competente as suas queixas. Um Bastonário em exercício é mais do que ele, é a Ordem dos Advogados, mesmo que seja indigno disso, e a acusação feita num jornal de expansão nacional tinha de ser clarificada.

5. O Sr. Bastonário em exercício disse-me que havia Colegas que queriam participar de mim, um deles aliás muito destacado e que tinha desempenhado relevante cargo na Ordem. Respondi-lhe que, se assim era, tais Colegas mais não teriam do que fazer uma participação. Era isso que lhes devia dizer. Foi sensata a minha afirmação, como se veio a provar, mas o Sr. Bastonário em exercício não seguiu a minha sugestão.

6. Estava nessa altura no meio de um jantar em casa de um Colega e a conversa não podia ser longa. Mas informei-o de que iria publicar no mesmo Jornal de Negócios dias depois um artigo a contextualizar e explicar o sentido do que afirmara, como forma de minorar as hipotéticas reacções.

7. O Bastonário em exercício não voltou a contactar-me ou a dizer fosse o que fosse. Fui, pois, surpreendido pela informação pessoal dada pelo telefone, menos de dois dias depois, em 15 de Abril, sexta-feira, por um membro do Conselho Geral, de que fora nessa data por este órgão deliberado pedir um parecer sobre o meu comportamento ao Conselho Superior. E, note-se, foi assim deliberado quando o Sr. Bastonário já sabia que eu ia escrever o artigo, sem esperar por ele e sem comigo voltar a falar.

8. Nunca o Bastonário ou o Conselho Geral – que apreciou e comentou o meu procedimento – me chamaram para ouvir o meu ponto de vista, para comigo procurar uma solução que permitisse ultrapassar esse hipotético mal-estar, e apesar disso não hesitaram em analisar, debater e votar. E também não achou o Sr. Bastonário justificado esperar pela publicação do citado artigo antes de admitir que um órgão sem competência disciplinar discutisse matéria dessa índole. Não foi por certo pela urgência, pois esperou uma semana para me abordar após a entrevista e demorou doze dias a escrever ao Conselho Superior após a deliberação para pedir o que me referiu ser um parecer.

9. Posteriormente e num apressado telefonema, no sábado seguinte, o Sr. Bastonário em exercício confirmou-me que tinha realmente pedido um parecer. Disse-lhe que me parecia um erro, porque nunca o Conselho Superior poderia dar pareceres em matéria disciplinar em concreto. Mas não obtive a gentileza de uma confirmação escrita sobre tal pedido. Posteriormente, quando mais tarde o confrontei com essa ausência, o Sr. Bastonário em exercício informou-me de que me não notificara disso nem tinha nada de notificar, o que se calhar é correcto em termos legais (não tinha realmente de notificar o que não era mais do que um pedido sem sentido), mas seguramente incorrecto em termos pessoais.

10. Mais tarde tive acesso ao pedido do Sr. Bastonário (com data de 27 de Abril de 2005 e junto aos autos) que não pedia um parecer, antes falava de “submeter à apreciação do Conselho Superior o teor da entrevista”, por ter sido entendido no Conselho Geral que “a matéria deveria ser objecto de apreciação por esse órgão, a quem, em última análise, compete sobre ela deliberar”. Digamos que foi enviado algo a meio caminho entre um pedido de parecer e uma participação disciplinar.

11. Em minha opinião, quiçá ingénua, o Sr. Bastonário não pretendeu provocar o conjunto de coisas que se sucederam com esta sua actuação. Quis apenas evitar um problema “político”, chutar para o lado, como se diz na gíria popular, esperando que o Conselho Superior “descalçasse a bota” (mais uma vez uso a gíria popular), eventualmente fizesse um texto com algumas críticas, entretanto tendo acalmado os mais radicais que o estavam a incomodar. Não teve coragem, foi precipitado, foi leviano, não mediu as consequências dos seus actos, cometeu um erro, mas nem lhe quero nenhum mal por isso. Todos erramos e ele é, apesar disso, apesar de tudo, o meu Bastonário.

12.No dia 20 de Abril foi realmente publicado o meu artigo, que intitulei “O sismo e os sismógrafos”, também junto aos autos.

13.O tempo foi passando e no dia 20 de Maio de 2005, sexta-feira, ao meio da tarde e pouco antes de seguir para uma recepção ao Conselho Mundial da IBA, que estava reunido em Lisboa, por mim organizada em nome da Ordem dos Advogados, recebi um telefonema do Sr. Presidente do Conselho Superior e nessa qualidade.

14.Tal contacto foi oficial, é referido nos autos do processo, e nele o Presidente do CS informou-me que fora aberto processo disciplinar contra mim. Confrontado como a minha reacção de revolta por ter isso ter sido feito sem qualquer queixa anterior e a pretexto de um pedido de parecer (fora isso que me dissera o Sr. Bastonário), disse-me que eu não me devia preocupar, pois quando notificado para dizer o que tivesse por conveniente diria algo e tudo seria arquivado, sem qualquer acusação. Este mesmo entendimento foi, aliás, comunicado por outro membro do Conselho Superior a um distinto Advogado do Porto, que foi destacado dirigente da Ordem.

15. Nessa altura não fiquei a querer mal ao Presidente do CS. Pensei que algum membro do CS aproveitara a oportunidade e assumira participar disciplinarmente de mim. Aceitaria isso com naturalidade e bonomia, como outros Bastonários – seguramente bem mais dignos e exemplares do que eu – tinham aceitado no passado. E essa minha convicção foi reforçada por aquilo que o Presidente do CS me afirmou, pois pareceu-me evidente que estava a exprimir-me subliminarmente que discordava da abertura do processo, mas que nada tinha podido fazer para o evitar.

16.Infelizmente nessa altura o Sr. Presidente não me disse que tivera lugar uma votação, que 11 Conselheiros entenderam que havia matéria para punição disciplinar e 8 que não havia. Não me disse, sobretudo, que ele próprio tinha sido um dos que votara a abertura do processo disciplinar! Também não me disse que um Sr. Conselheiro avisara que o que estavam a fazer era inconstitucional.

17. De facto, quando tive acesso ao processo descobri com estupefacção isso tudo. Como afirmou esse Sr. Conselheiro, e ficou em acta, os riscos sérios de inconstitucionalidade resultam de “diminuição de garantias do processo disciplinar”, por “restrição aos direitos de defesa que viola claramente o artigo 32º,10 da Constituição”, referindo ainda o mencionado Sr. Conselheiro – dir-se-ia que profeticamente, em função do segundo processo disciplinar – que “é por esse motivo que no processo penal se distinguem os papéis do Ministério Público no inquérito, do juiz de instrução e dos julgadores que tomam a decisão final”. Apesar de tão solene aviso, foi votado abrir um processo disciplinar. E nem sequer houve a cautela de criticar este raciocínio ou desvalorizar tal risco.

18.Na citada recepção dessa mesma tarde, 20 de Maio, o Sr. Bastonário – que já estava informado do processo – não teve a gentileza de me dar uma palavra sobre o assunto. Pelo meu lado, como desconhecia que ele tinha sido informado, nada disse.

19.No entanto, no dia seguinte, sábado, 21 de Maio, um membro do Conselho Geral soube, na Convenção Nacional de Delegações, que ocorreu em Cascais, que fora decidido abrir processo disciplinar contra mim. Pela primeira vez ocorria uma violação de segredo (como se verá mais à frente, outras ocorreriam), embora só mais tarde eu viesse a ter conhecimento de que isso tinha ocorrido. E recordo a gravidade de tal facto, não apenas atento o teor do artigo 120º do Estatuto e a grave cominação do nº 6 desse artigo. Também porque, que me lembre – e nos três anos do meu mandato lembro-me bem –, não ocorriam na Ordem dos Advogados violação de segredo de processos disciplinares.

20. Na segunda-feira, 23 de Maio, ao fim da tarde, fui surpreendido por um telefonema de um jornalista do “Público”, do Porto, a pedir-me que comentasse a decisão do Conselho Superior. Fiquei estupefacto – estado a que tive de me ir habituando neste processo –, disse que não fora notificado por escrito de nada, o que não era mentira. De imediato telefonei, na maior ingenuidade e boa fé, ao Presidente do Conselho Superior, para o avisar do contacto do jornalista e para lhe poupar a surpresa que eu tivera. Mais estupefacto fiquei quando ele me respondeu que o jornalista já o contactara antes de me telefonar. Perguntei-lhe então porque razão me não avisara, como eu estava a fazer. Disse-me que não tivera tempo, visto que o telefonema tinha sido minutos antes! Ele não tivera tempo para me informar, mas eu tive, apesar de contactado posteriormente! Claro que o Presidente do CS não tinha nenhum dever legal de me alertar, mas teria sido talvez prudente e certamente cortês que o tivesse feito.

21.Esta situação veio a tornar-se um hábito: antes de poder ler em papel timbrado da Ordem sempre pude ler em papel de jornal o que me estava para acontecer depois.

22. O Presidente do CS não tinha, realmente, nenhum dever legal de me informar que um Jornalista lhe telefonara e o segredo fora violado. Mas legal e obrigatório seria que – alertado pela violação de segredo – tivesse suscitado a abertura de um inquérito para averiguar se tinha sido o “arguido” ou um “interessado” a violar o segredo, pois nos termos do nº 6 do artigo 120º tal comportamento é passível de procedimento disciplinar. E tendo o CS mostrado um activismo disciplinar de que não há precedente conhecido nesse órgão, ao abrir um processo disciplinar sem dependência de queixa, pelo menos esperava-se que assim tivesse agido quando tem o dever legal de agir. O que é tanto mais grave quanto, tendo o CS o dever de guardar o segredo do processo, não pode deixar de ser responsável por tal violação, dado que o arguido, ainda não notificado aliás, não tinha manifestamente nenhum interesse em expor-se na praça pública.

23. Também o Sr. Bastonário em exercício não decidiu abrir um inquérito ou, ao menos, pedir ao Conselho Superior algo semelhante ao que fizera quando solicitou o que esteve no processo genético do meu primeiro processo disciplinar. Isto é, pedir aquilo que me disse ser um parecer. E não o fez, apesar de, por carta de 3 de Junho, eu lhe ter referido que na Convenção das Delegações já se sabia do processo no dia seguinte à deliberação, eu lhe ter dito que podia identificar quem me informara e ele não desconhecer a notícia do jornal. De forma apressada, o Sr. Bastonário limitou-se a dizer-me que esse tipo de inquéritos nunca leva a nada. O Senhor Procurador Geral da República fica assim esclarecido do que deve responder e quem deve citar quando Advogados se queixarem de violação de segredo de justiça.

24. No dia 30 de Maio recebera, entretanto, do Presidente do CS uma carta a comunicar-me por escrito a instauração do processo disciplinar. Em tal carta nem uma palavra o Presidente do CS escreve a lamentar a violação do segredo e o mal-estar que com isso me foi causado. Recordo que os Advogados queixam-se sistematicamente - e com razão - quando isso acontece aos seus Clientes, quando ocorre violação de segredo de Justiça ou são notificados pelos jornais. Pela primeira vez comecei a sentir o que veio a ser recorrente: a mim estavam a acontecer coisas idênticas ao que motiva protestos da Ordem dos Advogados e do seu Bastonário, sem – já não digo um protesto, já não digo um inquérito – ao menos uma palavra de solidariedade, para não dizer um pedido de desculpas.

25. Também do Sr. Bastonário em exercício não recebi uma palavra a lamentar, como nunca nada dele e do Presidente do CS recebi nas várias vezes em que os jornais foram informados antes de mim do que me iria acontecer. E, evidentemente, nenhum inquérito foi determinado.

26. Durante os meses que se seguiram nada se passou de relevante, que não fossem esforços do Vice-Presidente do Conselho Geral, Dr. António Faustino, que em nome individual e a título pessoal se mostrou preocupado com o que se estava a passar e com as naturais consequências do que nos trouxe aqui e do que se continuará a passar daqui para a frente. Quero agradecer-lhe publicamente essa atitude. Contei-lhe todos os factos que até aqui relatei, tendo insistido em que – tendo sido divulgada na comunicação a existência do processo disciplinar – não haveria forma de resolver o assunto sem uma acusação formal e depois disso uma decisão formal de arquivamento ou condenação, não sendo ponderável por mim – devido à minha Honra e à da própria Ordem – que eu aceitasse o que o Presidente do CS me referira como desfecho normal deste caso.

27. É verdade, da parte do Sr. Bastonário em exercício recebi de facto uma coisa: uma seca resposta quando o encontrei no Congresso da OAB no Brasil, em Setembro, onde eu fora fazer uma conferência, a convite desta instituição, e à qual aliás o Bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal se não dignou assistir, ao contrário do Presidente da OAB, ausência que foi notada e que tentei justificar para que Portugal não fosse julgado de forma negativa. Nessa ocasião perguntei-lhe se já tinha nomeado representante da Ordem no Council da IBA, pois tendo-lhe apresentado a minha renúncia na sequência da abertura do processo disciplinar, iria estar no Congresso da IBA dentro de dias e nada sabia. Disse-me que já tinha nomeado um outro representante. Não me informara disso nem achava que tivesse de o fazer. Seguramente que não tinha nenhuma obrigação legal de o fazer. Mas talvez fosse delicado tê-lo feito.

28. É verdade, estava de novo a esquecer-me, desde início de Junho até à acusação em finais de Novembro recebi uma notificação do então relator, em 17 de Junho, para me “pronunciar, querendo, sobre a matéria do processo”. Era a comunicação que me fora anunciada pelo Presidente do CS. Informei, como anunciara ao Presidente do CS, que nada diria antes de ser acusado e fiquei a aguardar a acusação anunciada.

29. Muitos Colegas me procuraram durante esses meses, chocados com os factos e dizendo que iriam tomar posição sobre o que me estava a ser causado. A todos pedi que não agissem, tendo apenas acedido a que os meus Sócios fizessem uma curta declaração informal sobre a violação do segredo no final de Maio.

30. Entretanto fui, com grande gentileza, contactado – que não pelo Bastonário em exercício, como seria pelo menos cortez, ainda que não legalmente obrigatório – pelo Sr. Dr. Carlos Olavo para, nos termos do Estatuto, fazer parte da Comissão Organizadora do Congresso que teve lugar entre 17 e 20 de Novembro. Expliquei que não podia aceitar, por entender que um Bastonário com um processo disciplinar pendente não poderia integrar a Comissão. Pela primeira vez na história da Ordem isso aconteceu.

31.Fui posteriormente contactado, mais uma vez não pelo Bastonário em exercício, mas pelo Sr. Dr. Carlos Olavo, para presidir a uma das Mesas do Congresso. De novo pedi escusa por idênticos motivos e referi-lhe que não iria estar, também por essa razão, presente no Congresso.

32. Apesar do silêncio absoluto de notícias e de comentários – ou, quem sabe, talvez por causa disso – o Congresso ia chegar sem que recebesse notícia da acusação (ou do arquivamento). Se o Senhor Relator se tivesse esforçado – e era fácil, pois nenhuma instrução era precisa no porcesso, como não foi – teria sido viável que a decisão disciplinar (fosse ela qual fosse) ocorresse em tempo de evitar que um Bastonário se sentisse impedido de estar no Congresso, e que pela primeira vez este concreto Advogado que agora é antigo Bastonário tivesse faltado a um Congresso em 30 anos de vida profissional.

33. Durante esses meses vários Colegas – não vendo o meu nome na Comissão Organizadora do Congresso – foram-me contactando, julgando que tinha sido excluído, contra a minha vontade, pelo Conselho Geral. A todos esclareci o que ocorrera, e mais uma vez a todos pedi que nada dissessem ou comentassem sobre o meu processo, o que foi respeitado sem uma falha. Do lado do arguido – como se vê e como se verá – evita-se falar para os jornais e violar segredo.

34. Com o aproximar do Congresso começaram alguns jornalistas a contactar-me por repararem que o meu nome não figurava nos documentos a que tinham acesso. Por isso escrevi uma carta, que está junta aos autos, ao Presidente do CS, em 17 de Novembro, data da abertura do Congresso. Nessa carta registava a factualidade e lamentava que 6 meses depois do CS ter determinado abrir um processo ainda não tivesse sido acusado. Não quis escrever essa carta antes, porque não quis que de forma alguma a minha situação prejudicasse os trabalhos do Congresso.

35. Finalmente, no dia 29 de Novembro, recebi a acusação que – pasme-se! – tinha a data de 15 de Outubro! Ou seja, está assinada com uma data que é mais de um mês anterior ao Congresso dos Advogados Portuguses! E, realmente, das duas uma: ou a acusação foi ante-datada para que ficasse registado que fora feita antes da carta que eu endereçara ao Presidente do CS (hipótese que apenas refiro para de imediato a rejeitar) ou quem decide no CS demorou quase um mês e meio a notificar um arguido de uma acusação que estava disponível. Em qualquer dos casos, o efeito foi impedir este arguido de estar presente no Congresso. E um outro efeito também foi que antes do Congresso não foi divulgada uma acusação que exprime falta de respeito e falta de coragem, como já afirmei e abundantemente justifiquei. E como afirmarei as vezes que forem necessárias, por muitos processos disciplinares que me sejam abertos por causa de exprimir esta opinião e de a exprimir em minha defesa.

36. Admiti na altura como tese mais provável, realmente, a de que o Relator tivesse consciência de que a acusação ia ser inconsistente. Ou que, confrontado com a acusação inconsistente, alguém tivesse achado mais prudente que ela não fosse conhecida antes do Congresso. Admiti até – e aqui tem de terminar a minha ingenuidade, pois factos posteriores se encarregaram de me retirar o que restava de ilusões – que a estratégia de quem pensa ou decide estas coisas fosse desde o princípio essa. O processo disciplinar fora deliberado para dar um aviso à navegação, para que se soubesse que o CS não temia decidir abrir um processo a um antigo Bastonário por causa da invocada violação das normas sobre publicidade (já veremos adiante que nada disso foi objecto da acusação) e que por essa razão outros Advogados deviam ter cuidado. Este arguido recusou a solução que lhe fora proposta que era dizer algo em sua defesa antes da acusação e com isso viabilizar que o processo fosse arquivado, eventual com algumas vagas palavras a criticar a entrevista, mas sem acusação formal ou sanção concretizada.

37. Na altura admiti também, ingenuamente (e antes de ler a acusação), que sendo confrontado com a necessidade de acusar, o Sr. Relator – tendo consciência de que não tinha nas mãos matéria suficiente –, tivesse alinhavado algumas frases e proposto a mais leve sanção possível. Essa leve acusação até permitiria que uma ligeira mudança de maioria levasse a que a decisão final fosse de arquivamento. Só que fê-lo – como adiante melhor se explicitará – de forma insuportável para um Advogado e ainda mais para um antigo Bastonário, e apenas mais para um antigo Bastonário pelo facto de ter maiores responsabilidades.


C. A primeira acusação

1. A acusação consiste em considerar que duas frases da entrevista e uma frase do artigo que foi publicado em 20 de Abril são passíveis de sanção disciplinar. Nenhuma dessas frases é a que tem constado nos jornais sobre a consulta às maiores sociedades de Advogados portuguesas pelo Estado.

2. Estas frases são completa e cirúrgicamente retiradas do contexto (e sobre isso Gomes Canotilho escreveu coisas definitivas), como aliás ficou bem patente na defesa que juntei aos autos e que justificou novo processo. A primeira e a terceira delas, retiradas da entrevista são as seguintes: “a PLMJ nunca deve deixar de ser consultada. O estranho é se não nos consultarem em qualquer operação do Estado. Eu diria mesmo que, se não nos escolherem é preciso que justifiquem. Somos o maior, somos só português, temos todas as valências”. E “sem falsas modéstias, digo que não há nenhum escritório português ou estrangeiro que justifique mais ser consultado. Somos todos bons, mas nós somos os maiores”.

3. Tais frases só fazem sentido e só podem ser interpretadas, se enquadradas nas questões que recorrentemente estavam a ser colocadas pelo Jornalista. Foi o que afirmei na defesa que justificou o segundo processo disciplinar e que recordo, transcrevendo: “Se for lido o que se encontra publicado na entrevista junta aos autos (...), percebe-se de imediato o contexto do que é afirmado pela acusado. De facto, o Jornalista a certa altura faz-se eco de uma atoarda: “A PLMJ é chamada a sociedade do regime”. E perguntou depois claramente: “Deixe-me voltar à Galp, porque atrás disso há outra coisa: relações com o Estado. Vocês são tidos como a sociedade que teve mais ligações, que ganhou mais casos com os dois Governos anteriores”. É verdade que a redacção da pergunta que saiu publicada é um pouco diferente, menos provocatória, mas foi a esta pergunta concreta que o acusado respondeu. Antes o Jornalista já referira o chamado “caso Galp”, como exprimindo a questão das “relações com o Estado”. Após a resposta do acusado, o Jornalista insiste a seguir de novo – perante a afirmação do acusado de que foram sempre muito poucos os assuntos que foram entregues a PLMJ pelos sucessivos Governos – “nestes três anos tiveram muitos processos”, de novo dando-se eco de atoardas várias. E subindo uma nota, o Jornalista acusa PLMJ de ser a sociedade “que teve mais ligações, que ganhou mais casos com os dois Governos anteriores”.

Esta insinuação é muito grave e prejudica fortemente PLMJ e o próprio acusado. De facto, se na opinião pública esta atoarda se consolidasse seria óbvio que PLMJ iria sofrer em termos de actividade profissional. Aliás este tipo de atoardas são lançadas de forma não inocente para se atingir o objectivo mencionado. O Jornalista fez bem em colocar a questão, mas o acusado não podia deixar de responder e de o fazer com intensidade.

Foi perante essa grave insinuação – que seguramente fora ouvida pelo Jornalista, como as palavras transcritas no original demonstram – que o acusado se sentiu obrigado a defender a seriedade e o bom-nome da sua sociedade de Advogados e dos seus Sócios e colaboradores. E por isso respondeu, visto que PLMJ estava a ser questionada – com suspeições de favoritismo – pelas raras vezes em que foi contratada pelo Estado, que não há motivo para qualquer suspeição, visto que faz todo o sentido que PLMJ seja consultada, revoltando-se com o facto da pergunta nos ser colocada a nós e não o ser quando entrevistam nossos concorrentes.

E para fazer a defesa do bom-nome de PLMJ e dos seus Sócios o acusado sentiu necessidade de explicar que – mesmo que fosse a sua Sociedade a mais solicitada pelo Estado nesse período (o que é aliás rematadamente falso) – sempre se justificaria mais do que se fossem as outras, pelo critério óbvio e neutro da “quota de mercado” (por ser a maior de todas, com dimensão aliás significativamente superior às outras).

Isto é, as duas afirmações citadas na acusação e que fundamentam no critério do Ex.mo Acusador dois terços das faltas cometidas pelo acusado, não foram feitas com qualquer intenção de solicitar o aliás Cliente de PLMJ, Estado, mas tão somente tendo em vista a defesa do bom nome de PLMJ, seus Sócios e Colaboradores. E foram uma reacção natural à insinuação de favoritismo de que o Jornalista se fazia eco, reacção ampliada pela revolta de saber que o Estado utiliza critérios para seleccionar Advogados que não são transparentes e em que outras sociedades de Advogados são de forma quase sistematicamente contratadas, sem que paradoxalmente a pergunta lhes seja feita.

E realmente é paradoxal que o acusado seja processado por defender a existência de regras e de concursos para seleccionar quando se sabe que há quem defenda – et pour cause, poderá admitir-se – que não deve ser assim que o Estado contrate Advogados. Para exemplificar, veja-se a entrevista da Dra Sofia Galvão, Sócia de Sérvulo Correia e Associados, no Jornal de Negócios de 30 de Novembro, em que claramente defende que a escolha deva ser feita com base na “confiança” e na “competência”, assumindo que a sua sociedade, que trabalha muito com o Estado, seria “com enorme probabilidade” escolhida mesmo que houvesse concurso. Disse isto e não se conhece nenhuma reacção do Conselho Superior nem do actual Bastonário e do seu Conselho Geral ao afirmado.

Isto é, sabendo-se que é realmente provável que Sérvulo Correia e Associados detenha a maior quota de mercado em trabalho com o Estado (...) manifestamente maior do que PLMJ, uma Sócia de tal sociedade vem afirmar que a sua sociedade é comparativamente melhor do que as outras e que, por isso, não vale a pena fazer concursos para seleccionar Advogados porque os ganhariam na mesma”.

4. A segunda frase, retirada do artigo publicado 15 dias depois, é esta: “É também por isso que disse que, no fundo, se o Estado tem de justificar quando nos escolhe, terá de justificar quando não nos escolhe e nem sequer nos convida para apresentar condições”. Trata-se de mais um caso gritantemente evidente de descontextualização. Leia-se toda a frase em que se insere a que foi “cirúrgicamente” transcrita só em parte na acusação: “Admito que a necessidade de resumir num texto quase duas horas de conversa obrigue a arrumações que podem levar pessoas de boa fé a um equívoco.... Foi ao ser confrontado com isso que dei esta resposta: faz menos sentido fazer a pergunta ao escritório de maior dimensão, com maior número de valências e um dos que tem maior experiência acumulada, do que faria sentido perguntar quando é seleccionado um outro de menor dimensão, o que curiosamente nunca vi fazer em nenhuma entrevista.

E também por isso disse que, no fundo, se o Estado tem de justificar quando nos escolhe, terá de justificar quando não nos escolhe e nem sequer nos convida para apresentar condições. Reagi, e reagirei sempre que sinta que o que está subjacente é que se o Estado escolher um escritório maior isso é baseado axiomaticamente num critério de quantidade, mas se escolher um menor só pode ter-se baseado na qualidade, também axiomaticamente”.

O Sr. Relator analisou estas frases e, ao contrário do que fora votado por 11 dos membros do Conselho Superior, entre os quais ele próprio, excluiu que se esteja perante uma situação de publicidade e, por isso, não foi possível acusar este arguido de publicidade ilícita.

O Sr. Relator conclui, no entanto, que o arguido com a entrevista “visava solicitar o Estado como Cliente”, o que seria ilegal. Já se disse que não foi essa a intenção do arguido, que isso resultava claro da citada entrevista e, ainda mais, do artigo que o arguido publicou 15 dias depois, como aliás explicitou de forma clara em declaração de voto contra o processo disciplinar um outro Sr. Conselheiro, sem que neste caso também nenhum dos outros 11 Conselheiros sentisse qualquer necessidade de contrariar esta opinião. E obviamente, como também resultou claro da defesa, solicitar um Cliente não é sequer objectivamente o que o arguido fez. Recorde-se o que afirmei na defesa que justificou o segundo processo disciplinar:

“De facto, como é óbvio, a razão de ser da norma do artigo 85, nº2 alínea h) do Estatuto (que segue a do artigo 78, alínea f) do anterior Estatuto) é a sua aplicação a esforços direccionados à captação de novos clientes. Entende-se que um Advogado não deve procurar activamente conquistar clientes que – pois não existe vazio na natureza, ou seja no mundo da prestação de serviços jurídicos – estarão na carteira de outros Colegas. Essa mesma tese justifica a proibição do marketing directo que explicitamente passou a constar do Estatuto. E em ambos os casos se baseiam tais proibições numa ideia de decoro da Profissão e do seu prestígio, que poderiam ficar eventualmente afectados se tais métodos fossem utilizados.

(...)Mas admita-se, e em segundo lugar, mais uma vez num esforço de ajudar o Ex.mo Acusador no seu esforço insano, que o art. 85, nº2, alínea h) do Estatuto impede a solicitação feita ao próprio Cliente. Se assim for, a questão passa a ser outra: o acusado, ao dizer o que consta da entrevista (lembra-se e repete-se que por enquanto se está a falar apenas do que foi cirurgicamente seleccionado pelo acusador, como se fosse isso e só isso que foi dito), estava a solicitar o seu Cliente Estado? A resposta é evidente: mesmo tendo sido cirurgicamente seleccionado o que o acusado afirmou, esquecendo tudo o que não foi seleccionado e o contexto em que foi afirmado, ainda assim aqui não há qualquer “solicitação” de Cliente.

Que é assim resulta, desde logo, de o meio utilizado pelo acusado ser manifestamente impróprio para o fim a atingir. O mais leve traço de bom senso (...) levará com facilidade a concluir que a utilização de um meio tão público teria como consequência causar o efeito oposto ao hipoteticamente pretendido. Se, por hipótese e re-hipótese, o Estado Português decidisse passar a atribuir aos três escritórios em questão todo o trabalho jurídico que quisesse contratar, imaginam-se as reacções. E se, pior do que isso, convidasse para concursos de selecção apenas estes 3 escritórios excluindo liminarmente todos os outros, seguramente que a reacção seria muito mais forte ainda. E, muito pior ainda, se por causa da entrevista o Estado passasse a escolher em exclusivo a sociedade de que o acusado é sócio, o que não seria a reacção, essa sim comparável – e muito justamente - a um verdadeiro tsunami. Para termos a medida das proporções, basta ver a comoção que houve pelo facto banal de uma sociedade comercial com capital público ter contratado os serviços de um distintíssimo Advogado, sócio de uma das mais prestigiadas e qualificadas sociedade de Advogados existentes no nosso mercado, que até inquérito parlamentar provocou.

Isto é, se o acusado quisesse “solicitar” o Estado – coisa que, diga-se de passagem nunca fez nem sequer em relação aos seus próprios Clientes – por certo que não o faria com trombetas e tambores, em entrevista pública. Se fosse essa a sua intenção usaria outros métodos (...).

Mas para além do que fica dito, e mesmo com a cirúrgica selecção do Ex.mo Acusador, nunca se poderá concluir do texto seleccionado por ele que o acusado estivesse a solicitar a um putativo ou actual Cliente que ele trabalhasse com a sua sociedade de Advogados. O que resulta da cirúrgica selecção é tão somente que o acusado acha que devem existir concursos para selecção de Advogados pelo Estado e que nesses concursos devem participar – se o desejarem – as maiores sociedades de Advogados totalmente portuguesas. O que o Estatuto proíbe é que se solicitem clientes e nada diz contra a defesa de que a selecção de Advogados pelo Estado deva ser feita com regras conhecidas e transparentes. E também nada o Estatuto diz contra o direito de propor a existência de critérios para tal selecção, sendo óbvio que um dos critérios deve seguramente ser a experiência nas matérias para que se pretende apoio jurídico.

“Os 11”, todos eles Advogados calejados, saberão que existe o dever de fundamentação dos actos administrativos; e saberão também que o regime legal que regula a contratação de serviços exige a fundamentação dos critérios de selecção dos convidados a apresentar propostas, sempre que com isso se excluem outros potenciais concorrentes que tenham as mesmas habilitações ou condições dos convidados.

Ora tudo o que consta da cirúrgica selecção feita para permitir a acusação é isso e não é mais do que isso: tem a ver com a questão da selecção de Advogados pelo Estado e outros entes públicos, actualmente feita sem qualquer transparência nem critérios.

(...) entende o acusado que quando o Estado definisse tais regras não deveria e nem seria possível excluir da selecção para tais concursos as 3 sociedades que mencionou na entrevista. Por várias razões, algumas das quais a seguir se enumeram a título exemplificativo: (a) a dimensão permite-lhes uma capacidade de resposta imediata, (b) a experiência acumulada a trabalhar nas matérias em questão dá segurança de capacidade de resposta com qualidade, (c) a formação profissional dos Advogados de tais sociedades é muito elevada. Isto é, fosse qual fosse o critério de selecção, nunca seria compreensível (devendo, por isso e por razões legais, ser explicado e fundamentado) que lhes fosse liminarmente recusada a possibilidade de apresentar propostas em concorrência com outras, ficando sempre e em todo o caso depois o Estado livre de escolher quem entendesse que melhor o podia servir.

E esta convicção do acusado não é apenas baseada numa discutível (embora legítima) opinião pessoal. Por esse tipo de razões são estas sociedades seleccionadas por empresas privadas nacionais e estrangeiras para tratar de assuntos com as características e grau de complexidade equivalentes às que o Estado precisa quando sente que não tem nos seus quadros de juristas as qualificações bastantes para o fim pretendido e que serão, naturalmente, assuntos de grande complexidade, sofisticação e modernidade.

E nesse sentido se pode dar, ainda, como exemplo os trabalhos de investigação feitos por entidades especializadas estrangeiras que em cada ano e para todos os países europeus procuram nas mais variadas áreas do Direito definir quais as sociedade de Advogados que o mercado considera mais qualificadas. De uma forma que não permite dúvidas, as 3 mencionadas sociedades de Advogados são sempre consideradas como estando no nível mais elevado de qualificação e de experiência. Tais investigações jornalísticas são falíveis e discutíveis; mas por muito que o sejam (podendo afirmar-se que outras sociedades mereceriam idêntica ou melhor qualificação), será difícil afirmar que todas estas entidades se enganam quando incluem as 3 sociedades em questão nas respectivas listas.

Assim sendo, parece evidente que – repete-se, mesmo que o acusado só tivesse dito as três frases citadas – se para um concurso com regras transparentes a sociedade de que o acusado é sócio não fosse seleccionada, teria esta o direito de exigir que fosse fundamentada a razão da exclusão. É isso que consta do texto cirúrgicamente seleccionado.

Havendo selecção, por concurso ou não, pode eventualmente a sociedade de que o acusado é sócio ser escolhida. O que aconteceu raríssimas vezes, é certo. Ora se em caso da sua sociedade ser escolhida o Estado tiver de justificar a sua opção, e nada se tem contra isso e até se entende que deve agir desse modo, também se não vê como não deverá fazê-lo quando decidir não escolher. É isso tão somente que está escrito no texto cirúrgicamente seleccionado.

Finalmente, devendo o Estado ter regras para seleccionar convidados – e entende o acusado que deve tê-las – deverá naturalmente seleccionar para cada tarefa em questão os escritórios que tenham as qualificações necessárias. Ora entende o acusado – naquilo que cirúrgicamente foi seleccionado – que sendo muitos os escritórios com qualificações (“somos todos bons”) e não sendo eventualmente possível a todos seleccionar, um dos critérios a tomar em consideração para a selecção deverá ser a dimensão. Não porque a dimensão signifique maior qualidade (“somos todos bons”, está escrito), mas porque a dimensão permite duas relevantes coisas em situações deste tipo: sendo maior o escritório aumenta a sua capacidade de resposta e, além disso, a relação preço/qualidade do serviço prestado baixa. E, de novo, se o Estado tiver de justificar a escolha da sociedade de Advogados de maior dimensão quando optasse por a escolher, não se vê como não terá de o fazer quando optar por uma de menor dimensão.

Isto é, como se conclui, para além de não concretizar qualquer “solicitação” o que foi cirúrgicamente seleccionado, acresce que é totalmente razoável e indiscutível o que consta de tal selecção, apesar de maldosamente feita para permitir dar foros de verosimilhança à acusação”.


5. Só que, como também se referiu na defesa já mencionada, ainda que ocorresse aqui solicitação de Cliente sempre a hipotética solicitação nunca seria ilegal, visto que o Estado – embora muito pouco – já era Cliente de PLMJ na altura da entrevista e, como é evidente, não é possível considerar ilícita a solicitação do seu próprio Cliente. E o Sr. Relator não o podia desconhecer, visto que as respostas censuradas tinham precisamente a ver com uma operação em que o Estado foi Cliente de PLMJ.

6. A isto acresce que, mesmo totalmente descontextualizadas, as frases e a própria entrevista de modo algum são uma solicitação de um Cliente. Seriam quando muito uma solicitação para que o Estado abra concursos para contratar Advogados e que em tais concursos PLMJ seja uma das sociedades convidadas. Ora a jurisprudência da Ordem e a do próprio bom senso não proíbem aquilo a que no mundo anglo-saxónico se chamam “beauty parades”, em que sociedades de Advogados se candidatam a prestar serviços jurídicos. Mais: essa deve ser aliás a regra principal da contratação de Advogados pela Administração Pública, a abertura de concursos a que se candidatem certos ou todos os escritórios existentes.

7. Seja como for, insiste-se, a necessidade de justificar a não selecção (aliás apenas a outra face da necessidade de justificar a selecção) é uma mera decorrência do regime legal dos concursos administrativos e não se vê por que razão exigir o cumprimento da lei – e ainda para mais de uma lei repleta de sentido ético – possa constituir fundamento justificador de sanção disciplinar. O que não é seguramente – ao contrário do que afirma o Sr. Relator – é a violação do dever de não prejudicar o prestígio da advocacia ou sancionável prática de “auto-engrandecimento e de comparação”.

8. A outra acusação que se segue à de solicitação de Clientes é que o arguido com a terceira frase citada ofendeu “os usos, os costumes e tradições profissionais” e que isso são “atitudes jactanciosas”. Sobre isso recorde-se o que se escreveu na defesa:

“Talvez por sentir o absurdo da tese da solicitação de Clientes que foi obrigado a tentar pôr de pé, e por ver o terreno a fugir-lhe, talvez por ter alguma vergonha na cara (ou peso na consciência) e se lembrar da prática disciplinar do passado, ou seja lá porque razão, o Exmo Acusador a certa altura, numa espécie de acto de prestidigitação, destruiu e deitou fora a tese da publicidade ilícita e avança com outra acusação sobre os mesmos factos: o acusado, ao afirmar “se não nos escolherem é preciso que justifiquem” (e agora o Exmo Acusação leva ao limite o corte cirúrgico do que o acusado escreveu, pois retira-a totalmente do contexto do parágrafo, ele próprio descontextualizado), estaria a violar o artigo 86, alínea a) do Estatuto que reza, na parte referida por ele, ser dever dos Advogados “não prejudicar (...) o prestígio da (...) advocacia”.

A tese do Exmo Acusador é que a frase em questão incumpre esse dever, “dado o conteúdo persuasivo que encerra, de auto-engrandecimento e de comparação”. Pasme-se, mas é isso mesmo.

Ora, bastaria chamar aqui à colação o que atrás se mencionou sobre o dever de fundamentação de actos administrativos para destruir a, com todo o respeito, disparatada tese dos autos.

De facto, exigir ao Estado que justifique a decisão de não escolher (mesmo que não fosse como contrapartida para exigir que justifique a decisão de escolher) um determinado concorrente a um convite não seria nunca persuasivo ou auto-engrandecente, mas quando muito impertinente, visto que seguramente que o Estado se não deixaria persuadir a contratar se alguém lhe perguntasse porque não contratou. Pelo menos a experiência em concursos públicos demonstra que, invariavelmente, o Estado não altera as suas decisões por causa de reclamações ou recursos dos não escolhidos.

Mas diga-se ainda que bastaria ler na íntegra a citação feita pelo Exmo Acusador no artigo 3º da frase que reduziu no artigo 8º à sua expressão mais simples para destruir esta disparatada tese. O que o acusado fazia ali era realmente uma comparação, mas apenas a comparação entre o conteúdo de dois deveres estatais, dizendo que o procedimento do Estado deve ser coerente: se tem de justificar quando escolhe tem também de justificar quando não escolhe.

(...)Isto é, o Exmo Acusador foi-se a um corpo, cortou-lhe um bocado. Depois cortou mais um bocado a esse bocado amputado. E exibiu o pedaço de carne à sua volta, para que vissem como era feio e inadequado como expressão de qualquer ser humano. Assim nem o David de Miguel Angelo ou a Santa Teresa de Bernini sobreviveriam!

(...) (O Relator depois) lembrou-se do artigo 83º, nº1 do Estatuto. A seguir resolve considerar – sabe-se lá porquê – que o acusado tinha feito “referência encomiástica a concretas intervenções profissionais de grande envergadura” quando de duas das três frases que de forma descontextualizada citou. Acha, além disso, que essa frase exprime “atitude jactanciosa” e, numa pirueta tal que faz vertigem e dá enjoo, conclui que o acusado violou este artigo!

Vamos então por partes. Em primeira lugar, em nenhuma das frases citadas, mesmo com o grau de cirúrgica descontextualização que sucessivamente sofreram, há qualquer referência e muito menos encomiástica a qualquer intervenção profissional e, se possível, ainda menos de grande envergadura.
Mas passemos por isso por cima desse “pormaior”. Se for recordado o que atrás se escreveu para explicar o contexto das afirmações do acusado e se for lido o que se transcreveu para melhor compreensão, facilmente se perceberá que nada existe de jactancioso ou encomiástico.

(...) E, mais uma vez para ajudar o que a duras penas teve de fazer o Exmo Acusado, recordando aqui o acusado as palavras de Crémieu que ele cita, e por isso em espírito de “confraternidade”, esqueçamos o segundo “pormaior”. Mas mesmo assim, com muita boa vontade e desejo de ajudar, não se consegue admitir que mesmo que o acusado fosse encomiástico em tais frases (ou em qualquer outras) e “jactancioso” nas mesmas frases (ou noutras), isso permitisse afirmar que violou o artigo 83, nº1 - que é uma mera expressão genérica cuja historicização punitiva tem de ser feita em concretas obrigações estatutárias para que se possa falar de ilícito disciplinar. Ao citar este artigo e ao acusar com ele o acusado, mais uma vez “os 11”, através de quem seleccionaram para o efeito, ofendem gratuitamente o acusado ao lançarem sobre ele o labéu da falta de dignidade e da falta de probidade.

Realmente é de acusação de indignidade que se trata, visto que, como é óbvio, é só no indigno desrespeito de tais deveres gerais – e ainda assim quando concretizados em normas estatutárias – que se pode punir. (...) Mas esta acusação despertou no acusado um apetite, que espera que o Exmo Acusador satisfaça. Olhando para a longa tradição deontológica da Ordem dos Advogados e recordando que esta norma estatutária corresponde essencialmente ao artigo 76 do anterior Estatuto, solicita-se que sejam juntos aos autos os precedentes de aplicação destes artigos em que “atitudes jactanciosas” e “falta de confraternidade” foram consideradas lesivas da dignidade e probidade da advocacia e sancionadas. Ou será que (hipótese que não se quer acreditar que seja possível) em quase 80 anos de vida na Ordem dos Advogados o acusado foi o primeiro advogado a cometer tão graves delitos? Ou será que, com tal latitude, os doutores do templo, os guardiões da ortodoxia, “os 11”, nunca foram jactanciosos e não fraternos? E sendo-o será que se acabará por descobrir que – qual catões ou sepulcros caiados – também eles foram indignos e não probos, ao menos alguma vez na vida?”

9. Mas – mesmo que tudo isto não fosse apenas matéria de opinião (discutível, por certo) que punida constituirá apenas a punição de delitos de opinião, e o desrespeito da jurisprudência liberal da Ordem dos Advogados – nunca a punição no caso concreto seria admissível, ainda que as 3 frases citadas existissem totalmente isoladas do seu contexto.

10. A norma invocada que proibe – por violar deveres perante a comunidade – a solicitação de Clientes (artigo 85, nº2 alimea h) do Estatuto) nunca permitiria a punição anunciada. Para além do que atrás fica dito, por ser óbvio que a comunidade, isto é a Sociedade Civil na área em que o arguido se move, não foi ofendida por tal artigo. Quando muito – o que não está nos autos – alguns Advogados ter-se-ão sentido ofendidos, mas não participaram do arguido.

11. Provavelmente consciente dessa fragilidade, o Sr. Relator afirmou que a expressão – total e duplamente retirada do contexto - “se não nos escolherem é preciso que justifiquem” – prejudicou “o prestígio da advocacia” por ter “conteúdo persuasivo, de auto-engrandecimento e de comparação”. Nada mais falso, como já abundantemente se explicou. Aliás, pedir para que uma autoridade justifique uma exclusão de um concurso ou o não provimento é um direito de qualquer Cidadão. Claro que quem se sente de ser excluído ou de não ser provido tem provavelmente a convicção de ter sido injustiçado, mas nada tem de persuasivo, de auto-engrandecimento ou de comparação.

12.Acresce que o artigo que é invocado a esse propósito (artigo 86, a): é dever do Advogado “não prejudicar...o prestígio da Advocacia”) em nada é afectado por esta frase, mesmo que não tivesse sido descontextualizada. Quando muito essa frase – se significasse o que o Sr. Relator quis que significasse – prejudicaria o prestígio do arguido e da sociedade de Advogados de que é Sócio, sabendo-se que elogio em causa própria é vitupério e que o ridículo mata. Mas não era esse tipo de prestígio afectado que poderia justificar a punição do arguido. Aliás, nenhum Advogado português se sentiu prejudicado ou afectado no seu prestígio por esta frase, visto que nenhum participou do arguido disciplinarmente ou sequer o afirmou em lado algum.

13.Seguro por certo da insuficiência de tais normas invocadas para punir o arguido, o Sr. Relator veio a finalmente invocar o art. 83, nº1 do Estatuto, e foi com isso que ofendeu muito gravemente o arguido, que reza “o Advogado deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce”. Este artigo permite punir a indignidade de um Advogado, provavelmente a mais grave falha possível. Isto é, por causa de uma frase numa entrevista que é sublinhada pelo Sr. Relator (“somos todos bons, mas nós somos os maiores”), que é total e duplamente isolada do seu contexto, como atrás se explicou, o Sr. Relator considerou o arguido como um Advogado indigno, agravado pelo facto de ser um antigo Bastonário, e sem estados de alma, acusa-o de indignidade, mas apesar disso propõe apenas uma sanção de advertência, a mais leve possível de acordo com o Estatuto!

14.Foi esta conclusão que indignou o arguido e que esteve na origem da forma como reagiu. Foi essa acusação que causou este segundo processo disciplinar. E só quem se esqueceu que é Advogado e se deixou toldar pelas emoções pessoais feridas é que se pode admirar com a reacção do Arguido. Não se deve acusar levianamente um Advogado de indignidade. Não se deve acusar levianamente de indignidade, por causa de uma entrevista, um Advogado com 30 anos de prática, sem uma única sanção disciplinar. Deve reservar-se tão grave acusação para as situações verdadeiramente chocantes.

15. Mas se, apesar disso, o Sr. Relator entendesse que o arguido teve uma actuação que tipifica uma clara situação de indignidade, tendo 30 anos de prática profissional e sendo antigo Bastonário, a sanção de advertência (que é menos grave do que a mais leve censura) é manifestamente desajustada.

16.O arguido sentiu-se, por isso, duplamente ofendido e injustiçado. E sentiu que todo este procedimento que se relatou ao longo de mais de 6 meses e a própria acusação demonstravam falta de respeito e falta de coragem. É essa uma das afirmações que justificou o segundo processo disciplinar e que o arguido reitera, mesmo que isso provoque um terceiro processo disciplinar.

D. Os factos até à abertura do 2º processo disciplinar

1. Após a notificação da acusação feita ao arguido, os jornais foram informados. Excepcionalmente desta vez, reconhece-se, o arguido foi notificado antes dos jornais. Como aliás refere o “Jornal de Negócios” de 7 de Dezembro (e esta data é muito importante como se perceberá de seguida), o arguido foi confrontado pelo jornalista com a informação obtida pelo jornal de que tinha sido acusado e de que era proposta uma pena de advertência.

2. Nessas declarações não comentei o conteúdo do processo, nem sequer desmenti o que sobre a acusação estava escrito e não era correcto, limitando-me a frisar que a acusação demorara tempo de mais, que tinha sido obrigado a escrever ao Presidente do CS para ser acusado (e realmente se a acusação estava pronta desde 15 de Outubro, eu escrevi em 17 de Novembro e a acusação foi enviada em 27 do mesmo mês, que outra conclusão será possível?), que estava indignado por me tentarem punir com uma pena tão leve depois de me acusarem de factos tão graves (embora isso não tenha sido referido ao jornalista), e que tal proposta de pena revelava falta de coragem.

3. No mesmo dia, o que é de facto pelo menos uma coincidência curiosa, num processo em que as coincidências começaram a ser habituais, o Presidente do CS dá uma entrevista ao “Diário Económico” (e convém recordar que nesta data, uma quarta-feira, os dois diários têm uma secção dedicada à advocacia, sendo por isso muito lidos na Profissão). Contra toda a tradição da Ordem, contra os seus deveres legais, contra o bom senso, esta entrevista aborda de forma clara o meu processo disciplinar.

4. Sabendo e não podendo desconhecer que o segredo tinha sido violado quando da deliberação que decidiu abrir-me processo disciplinar, o Presidente do CS afirma que “só quando eventuais penas aplicadas a Advogados têm publicidade é que aparece nos jornais” (fazendo por esquecer que comigo isso não era verdade), afirma a seguir que outros “antigos bastonários tiveram processos disciplinares instaurados” (não dizendo que sempre por participação de Advogados e não por deliberação do CS e que sempre foram sumariamente arquivados), que “O Congresso dos Advogados seria o local e o momento ideal onde o Dr. José Miguel Júdice poderia ter reagido em relação às coisas que lhe têm acontecido” (o que, pelo menos, denota uma interpretação muito peculiar do direito disciplinar e, seguramente, teria motivado outro processo disciplinar se eu tivesse seguido tal conselho) e – confrontado com a pergunta sobre se tudo isto não era expressão de “picardias” entre o arguido e antigo Bastonário e o Bastonário em exercício – respondeu, confirmando implicitamente a pergunta (sabe-se lá por quem inspirada...), afirmando que pedia que “haja idoneidade nos debates em que se discutem essas mesmas divergências”.

5. Esta última afirmação manifesta uma tentativa de “sacudir água do capote” e uma violação grave dos deveres funcionais que lhe competem. De facto, não era possível ter sinal de uma única afirmação crítica ou sequer comentário discordante por parte do arguido em relação ao Bastonário em exercício, nem deste último em relação ao arguido, e nenhum órgão de comunicação o mencionara sequer no mero campo das hipóteses antes desta “curiosa” pergunta.

6. Esta resposta é grave e violadora de deveres acrescidos de conduta, gravíssima falha ao ser cometida pelo Presidente do Conselho Superior. Por um lado, esta frase incorpora uma crítica ao Bastonário em exercício pelo Presidente do órgão que o poderá julgar; e é gravíssima ainda porque – se o Presidente do Conselho achava que havia “picardias” entre Bastonários e que não estava a haver idoneidade na actuação de ambos – o seu dever legal e estatutário era – nos termos do artigo 40º c) do Estatuto – “diligenciar na resolução amigável” e não ampliar para a opinião pública tal situação. Ou então devia – ao abrigo do activismo disciplinar que foi inaugurado em Maio com o arguido - participar disciplinarmente dos dois Bastonários que se estariam a portar sem idoneidade.

7. Foi no contexto desta gravissima actuação do Presidente do Conselho Superior que o arguido escreveu a carta de 7/12/05, a que se referem os artigos 5 a 7 da acusação no segundo processo disciplinar; o Sr. Relator (não mais o arguido lhe chamará “Relatoriador”, por isso ter sido considerado por ele ofensivo), sabendo do contexto em que foi escrita tal carta, sobre isso nada refere, mais uma vez descontextualizando as afirmações do arguido de forma total.

8. Foi também nesse contexto e no contexto da divulgação pública – que não pelo arguido – da acusação e da sanção proposta, e também como exercício do direito de defesa perante esta entrevista do Presidente do CS a comentar atitudes (ou omissões) do arguido que, sujeito ao seu poder disciplinar, se podia até atemorizar, que foi dada em 10 de Dezembro a entrevista a que se referem os artigos 1º a 4º da acusação.

9. Entretanto depois desta data o Sr. Bastonário em exercício contactou o Sr. Dr. Alfredo Castanheira Neves, para lhe pedir que ajudasse a resolver a situação existente, criando condições para que ele e o arguido se pudessem encontrar. O arguido logo disse que achava errada tal diligência; mas confrontado com a boa intenção do Dr. Castanheira Neves (legitimamente muito preocupado com o que de negativo para a Advocacia portuguesa e para a Ordem dos Advogados estava a resultar da acção do CS) acedeu a estar presente num almoço em Coimbra, em casa do Dr. Castanheira Neves, no início de Janeiro. Não corresponde por isso à verdade, ou pelo menos à verdade total, o que a esse propósito consta de uma acta do CS de 22 de Dezembro de 2005, junta aos autos. E esta inverdade em acta do CS, como se verá adiante, não é única nem é a mais grave.

10. No entanto, no dia 23 de Dezembro, o “Expresso” (curiosamente com a estranha coincidência de nesse jornal e nesse mesmo dia o Sr. Bastonário em exercício ter concedido uma entrevista) anunciava que na reunião de 13 de Janeiro seriam apreciadas declarações do ora arguido “que poderão resultar em mais um processo disciplinar”. Mais uma vez, e não foi a última, o arguido era informado pelos jornais do que estava a acontecer em relação à actuação do CS no seu processo disciplinar. E essa notícia, “curiosamente” colocada no dia da entrevista do Sr. Bastonário em exercício, só pode ter sido originada nele próprio (hipótese que se afasta de imediato), em alguém que lhe queria mal (e pretendia sugerir essa hipótese) ou em mais uma coincidência, que já não era a primeira...

11. Por este motivo o arguido recusou de imediato o previsto almoço. Como referiu por escrito ao Sr. Bastonário em exercício, estando anunciado/ameaçado um segundo processo disciplinar, o almoço seria uma indignidade para si e um risco para o Sr. Bastonário.

12.Foi neste contexto – e mais uma vez para defender a sua honra, mais uma vez a responder a uma violação de segredo e mais uma vez a tentar corrigir uma notícia com informações falsas e incorrectas – que o arguido escreveu a carta que foi publicada no dia 30 de Dezembro no “Expresso” a que se refere o artigo 8º da acusação no segundo processo disciplinar. E mais uma vez o Sr Relator – sabendo do contexto em que foi produzida e publicada – descontextualiza totalmente o seu conteúdo.

13.Entretanto, o Dr. Luis Saragga Leal demitira-se de Presidente do Instituto das Sociedades de Advogados, por causa de o arguido – seu Colega, Sócio e Amigo há mais de 30 anos – ser acusado de comportamento indigno pela Ordem dos Advogados. O Sr. Bastonário em exercício – esquecendo a verdade - escreveu a um terceiro (distinto Advogado do Porto que destacados serviços prestou à Ordem dos Advogados) que nunca o Dr. Saragga Leal invocara como fundamento para se demitir o processo disciplinar ao arguido, esquecendo-se que tinha dito antes de escrever essa carta pelo menos a um membro do Conselho Geral, que essa tinha sido a razão, e que aliás era óbvia.

14.No início de Janeiro, o Sr. Bastonário em exercício convocou os Bastonários (com excepção do arguido) para uma reunião para a qual não indicou a ordem de trabalhos. Os Bastonários que puderam comparecer foram surpreendidos (ou pelo menos alguns deles foram surpreendidos) pela presença do Sr. Presidente do Conselho Superior. A reunião serviu para que os factos relacionados com o processo disciplinar fossem explicitados – em grau e conteúdo que o arguido desconhece – aos antigos Bastonários. Com todo o respeito que merecem ao arguido os seus Colegas Antigos Bastonários, que é muito, como eles bem sabem, e não desconhecendo o arguido que eles são capazes de guardar segredos, este comportamento do Presidente do CS aparenta constituir uma violação de deveres estatutários, nomeadamente o dever de manter secreto o processo disciplinar. E constitui um grave desrespeito do princípio sagrado da Advocacia que é a igualdade de armas. Como se verá adiante, o Presidente do CS relatou tal reunião em acta do CS, de forma que não corresponde totalmente aos factos, razão pela qual não posso deixar de a ela me referir.

15. Como o Bastonário Júlio Castro Caldas não pudera estar presente, o Sr. Bastonário em exercício e o Presidente do CS convidaram-no para uma refeição, onde – nas palavras do Bastonário Castro Caldas ditas ao arguido – lhe pediram que tentasse ajudar a encontrar uma solução para esta situação tão negativa para a Ordem dos Advogados, e – diz o arguido – para eles próprios convidantes, afinal. Não corresponde por isso à verdade o que sobre a matéria de contactos com Bastonários está escrito numa acta do CS, a de 24 de Fevereiro.

16.Seja como for, o Bastonário Castro Caldas referiu-lhes que não fazia qualquer sentido o processo disciplinar em curso, que se estava – e quando muito – a punir um delito de opinião, que os membros do CS se tinham colocado numa situação de impedimento para julgarem o arguido (algo que o arguido nunca desconheceu, mas que deliberadamente entendeu nunca invocar, e que agora – para vergonha de membros do CS – o Professor Doutor José Carlos Andrade estigmatiza) e que era urgente pôr um ponto final a tudo isto, arquivando o processo. O Bastonário Castro Caldas aceitou o pedido que lhe foi feito e contactou o arguido. Por mim foi dito que, em nome dos superiores interesses da Ordem dos Advogados, se o processo fosse arquivado podia garantir que não faria quaisquer declarações futuras sobre o processo e o respectivo arquivamento, admitindo mesmo que mais tarde pudesse voltar a colaborar com a Ordem dos Advogados e a permitir que o meu retrato fosse colocado no Salão Nobre, encerrando de forma definitiva a questão.

17. Passado algum tempo o Bastonário Castro Caldas voltou a contactar o arguido dizendo que o Presidente do CS estava de acordo, mas que alguns membros do CS exigiam que fosse retirada a defesa do arguido como condição para o arquivamento. De imediato (estávamos em 26 de Janeiro) o arguido concordou em fazê-lo, com algumas naturais condições que se transcrevem, por terem sido enviadas por escrito para maior clareza para o Bastonário Castro Caldas:

18. “...Por isso se o Conselho Superior vier a entender que não é passível de censura nem de qualquer punição o que motivou o processo e sumariamente o arquivar, sem necessidade de que por mim seja produzida prova, posso garantir-te que nada comentarei e que considerarei este assunto encerrado. Esta minha atitude - que te garanto, pessoalmente como amigo e como colega, que sempre irei respeitar - baseia-se naturalmente em três pressupostos: (1) que a decisão (e a proposta de decisão) não fará qualquer comentário ao meu comportamento, designadamente não o apreciará admitindo a sua censurabilidade ou criticabilidade (pois então teríamos a pior das punições, que é aquela contra a qual se não pode reagir processualmente), que (2) será divulgada pela Ordem, ou por alguém a que a Ordem decida entregar tal tarefa, uma nota que se limite a dizer que o processo disciplinar foi arquivado (ou, o que também aceitarei, que foi arquivado sem necessidade de produção de prova por o Conselho Superior ter concluído que nada do que motivara o processo merece censura disciplinar), e (3) que o Bastonário, os membros do Conselho Geral ou do Conselho Superior não farão qualquer intervenção pública a comentar ou a censurar o meu comportamento. A aceitação desta solução que, como sabes, não pedi, só se pode justificar pelo bem da Ordem dos Advogados e só foi possível pela tua lúcida e sensata intervenção. Lamento que quem agora - quiçá em desespero de causa - te veio pedir ajuda o não tivesse feito no início, o que teria seguramente permitido evitar muita coisa. Por esse motivo, e porque como antigo Bastonário tenho responsabilidades que não enjeito, vou dar instruções aos meus Advogados para que requeiram que a nota pessoal que juntei aos autos seja retirada. Por um lado, porque o que pretendia com ela foi conseguido, que os membros do Conselho Superior a lessem. Mas, por outro lado, porque se ali ficasse seria um dia sempre possível que os vindouros tivessem uma imagem negativa, ainda que merecida, de dirigentes nacionais da Ordem dos Advogados que, bem ou mal, pela Profissão foram eleitos”.

19.Dias depois, o Bastonário Castro Caldas voltou ao contacto com o arguido dizendo-lhe que o Presidente do CS tinha um único problema: três dos membros do CS recusavam abdicar do direito de fazer uma declaração de voto. A isto respondeu o arguido que aceitava que eles fizessem tais declarações de voto, sem alterar nada do que aceitara, com uma única excepção: depois de ter acesso a tais declarações se reservava o direito – se viessem a ser públicas – de a elas responder.

20. Dias depois o Bastonário Castro Caldas telefonou ao arguido, dizendo que o Presidente do CS lhe dissera que afinal não tinha maioria para arquivar nesses termos, com que concordara, o processo!

21.O relato destes factos torna-se necessário pelo facto de estar junto aos autos uma versão que não corresponde à verdade e que consta da acta do CS de 24 de Fevereiro já mencionada.

22. A actuação do Presidente do CS é altamente censurável e aparentemente constitui mais uma violação de deveres estatutários, em que foi useiro e vezeiro nestes autos, sem que o CS tenha determinado abrir-lhe qualquer processo disciplinar, visto que não compete a um membro de um órgão disciplinar “negociar” o seu poder disciplinar. É, também, censurável pela situação constrangedora em que colocou os Antigos Bastonários ao tomarem conhecimento que contactos com eles estavam relatados em acta do CS. Mas entende o arguido que é ainda mais censurável pela instrumentalização que fez da boa vontade e sentido de pertença à Ordem dos Advogados do Bastonário Castro Caldas, que conseguiu obter do arguido a concordância com todas as condições desejadas pelo Presidente do CS, para no final lhe “tirar o tapete”.

23. Quase que se poderia pensar que o objectivo desta diligência fora apenas poder declarar – como por exemplo o vem fazendo o Sr. Bastonário em exercício em conversas com vários Colegas e não exprimindo a verdade – que fora impossível uma solução honrosa para evitar esta audiência pública, por culpa do arguido. Esta diligência serviu, pelo menos, para registar em acta do CS, faltando à verdade ou não revelando a verdade toda, o que a seguir se transcreve: “O Senhor Presidente adiantou que o Senhor Dr. Júlio Castro Caldas lhe comunicara depois, já na semana em curso, que dava essas diligências por findas, sem êxito”.

24. Esgotadas estas tratações em matéria disciplinar, o Sr. Presidente do CS relatou pois no dia 24 de Fevereiro de 2006 ao CS uma versão não correspondente à verdade e o CS mais uma vez votou um processo disciplinar. E mais uma vez o fez sem que qualquer Advogado, qualquer membro do CS, tivesse participado do arguido. Não participaram, mas vários Srs Conselheiros já tinham feito considerações sobre o arguido em 22 de Dezembro que ficaram registadas em acta, que – elas sim – deveriam justificar que processos disciplinares fossem abertos (ou até procedimentos criminais) contra esses Advogados. O que obviamente não aconteceu: por um lado, porque o arguido – que encaixa melhor as críticas, mesmo que ilícitas – não o requereu; e por outro porque o CS em relação aos seus membros não usou da mesma medida que por duas vezes usou em relação ao arguido.

25. O citado CS terminou no dia 24 de Fevereiro ao princípio da tarde e, duas horas depois, mais uma vez o arguido é notificado pelos jornais de que lhe fora aberto um processo disciplinar! Desta vez, ao contrário do primeiro processo, nem um telefonema fora feito. E no dia seguinte, realmente, o “Expresso” lá trazia a notícia “Júdice alvo de processo”. Mais uma vez o CS deixara violar o segredo, mais uma vez se mostrara total falta de respeito por um Advogado, mais uma vez a Ordem dos Advogados deixava acontecer aquilo que os Advogados censuram – e com razão – à investigação criminal, as violações “cirúrgicas” do segredo de Justiça. E mais uma vez, que se saiba, nenhum inquérito foi determinado, apesar do Estatuto o impor.

26. Foi nesse contexto que o arguido fez a declaração escrita que é transcrita no artigo 13º da acusação do segundo processo. Desta vez, pelo menos, como a transcrição foi total, o contexto das afirmações do arguido que fundamentam a acusação é perceptível.

E. A segunda acusação

1. Em 5 de Maio de 2006 o arguido recebeu a segunda acusação disciplinar. De seguida transcrevem-se, para melhor percepção do que está em causa, as frases e palavras que são consideradas pelo Sr. Relator como configurando “desconsideração da Ordem dos Advogados e uma agressão persistente ao seu prestígio”, “faltas de consideração para com órgão da Ordem dos Advogados”, “faltas de consideração para com membros do Conselho Superior, investidos de funções jurisdicionais e de autoridade pública”, violação dos deveres de “correcção e urbanidade”, “de rectidão e lealdade”.

2. As frases e as acusações são as seguintes (e rapidamente sobre elas farei curtos comentários): eu afirmei que demoraram vários meses a acusar-me, imputei ao Presidente do CS e ao órgão o ter deixado violar o segredo, acusei de me terem sumariamente julgado e condenado sem me ouvirem, tratei como pusilânimes os conselheiros por causa de ter dito que me acusaram só depois de ter exercido pressões para isso, depreciei uma deliberação do CS ao afirmar que foi actuação de 11 dos seus membros, insinuei a divisão dos conselheiros ao dizer que alguns me perseguem por delito de opinião e me ofendem, afirmei factos inverídicos (que não são detalhados). Referi publicamente que não deveria ser aberto processo sem participação e sem audiência prévia, o que a lei não exige.

3. As palavras que escrevi e que a acusação refere são: ”indignidade”, “espantosa manipulação”, “argúcias e habilidades”, “coação irresistível”, “imaginação savonarolesca”, “escolha de factos maldosamente feita para permitir dar foros de verosimilhança à acusação”, “falta de vergonha descontextualizante”, “espírito persecutório”, “lamentável perseguição que envergonha quem a pratica”.

4. Também justifica que seja impedido de exercer a minha profissão o facto de me referir aos 11 conselheiros que votaram o processo disciplinar como “os 11” e sobre eles ter tecido os seguintes comentários que, pelo que tem até de pícaro, opto por transcrever na totalidade: “O arguido refere-se à maioria que, com os seus votos, aprovou o parecer ... sempre como “os 11” (deveria chamar-lhe os 7 ou os 9?), e com as seguintes expressões, além de outras: que “não tem ilusões quanto aos 11” (deveria ter para não ser punido?); “que lhe são indiferentes” (terá de gostar do que lhe fizeram para não ser punido?); acusa-os repetidamente de o punirem por delito de opinião (mas é o que afirmam muitas centenas de Colegas, e de que os poderia acusar para não ser punido?); que “os 11 estão para além da sensatez e do bom senso, sentindo-se ungidos” (será que se esperava que o arguido louvasse a sensatez e o bom senso, e que valor teria isso se vindo de um Advogado acusado de ser indigno?); os preclaros “os 11” – guardiões de um templo que só existe na imaginação “savanarolesca” que os caracteriza” (mas esta parecia até ao arguido um elogio, aos cavaleiros andantes de causas perdidas e aos defensores de purificações insuspeitadas), “o mais leve traço de bom senso (coisa que mesmo “os 11” provavelmente possuem, em maior ou menor dose” (e não seria punido se dissesse – o que nem parece disparate, à primeira vista – que não têm nenhum bom senso?).

5. Opta-se por não continuar este exercício, cansativo, que só serviria para demonstrar que o Sr. Relator irá pouco a Tribunal, anda esquecido ou pode ser assimilado a um Santo da Igreja Católica, S. Tomás, que é possuidor de excelsas virtudes.

6. No final – revelando agora sim coragem e respeito – o Sr. Relator propõe que seja aplicada ao arguido a pena de suspensão efectiva de actividade profissional. Coragem e respeito, sem dúvida, e por isso se fica grato. Mas a acusação e a proposta de sanção revelam também – o que é claramente mais importante – uma gravissima confusão ou mesmo fusão nas mesmas pessoas de papéis inconciliáveis: (pseudo) ofendidos, relatores, instrutores, acusadores e julgadores. Revela, ainda, um total desrespeito pelos direitos de um Advogado e de um Arguido, uma total tentativa de instrumentalização do CS aos fins próprios de alguns dos seus membros, uma tentativa de silenciar críticas normais em sociedades democráticas.

7. Mas a acusação revela também que o Sr. Presidente do CS estava a tentar uma solução para evitar este julgamento público – crê-se que a razão de tais diligências junto do Bastonário Castro Caldas – e concordou com o arquivamento do primeiro processo quando já tinham sido proferidas todas as afirmações que são fundamento do segundo e da pena de suspensão. O que aparenta, pelo menos algum desnorte: Realmente, como compreender que fosse possível durante o mês de Janeiro aceitar arquivar, durante o mês de Fevereiro deliberar abrir processo disciplinar e no mês de Maio acusar e pedir uma pena de suspensão?

F. Os impedimentos, o delito de opinião e o excesso de defesa. A defesa da Liberdade e da Advocacia

1. Não quer o arguido perder muito tempo a falar sobre a questão dos impedimentos de parte significativa dos membros do CS. Não seguindo o exemplo do Dr. Sérvulo Correia – que por muito menos entendeu pedir escusa – os 11 membros do CS que votaram o primeiro processo disciplinar e que são na acusação considerados ofendidos (e que nos autos bem demonstram que assim se consideram) deviam ter-se considerado impedidos para este segundo processo, por terem um interesse directo nos factos participados. Mais grave ainda: o Relator Dr. Alberto Jorge Silva foi autor do parecer que originou toda a actual situação, sentiu-se ofendido, foi nomeado relator, instruiu o processo, fez a acusação e prepara-se para julgar o arguido como se o Direito não o impedisse e como se a Ética o não desaconselhasse. Sobre isso nada mais quer afirmar o arguido que não seja louvar-se apenas nas luminosas palavras do Professor Doutor Vieira de Andrade.

2. O que o arguido não pode deixar de afirmar é que este comportamento de alguns dos membros do CS é gravissimo para o Estado de Direito, para as Liberdades, para os Direitos dos Advogados e para os Direitos dos Arguidos em processos. Agiram e continuam a agir com ilegalidade e sem respeito pela Constituição. Sei que esta é uma gravíssima acusação feita a Advogados e a titulares de um órgão como o Conselho Superior. Mas quem o afirma, em doutos pareceres que estão nos autos, são os Professores Doutores Gomes Canotilho e Vieira de Andrade, que felizmente para eles estão fora da alçada disciplinar de V. Exas. Dispenso-me por isso de algo mais dizer.

3. Mas além disso, não é admissível que a Ordem dos Advogados tenha uma jurisprudência habitual no sentido de arquivar processos quando são Juízes que se queixam de Advogados e mude radicalmente tal jurisprudência quando são Advogados que se comportam como queixosos em relação a outros Advogados, sobretudo quando quem decide alterar a jurisprudência são parte interessada em tais processos.

4. A mensagem que está a ser aqui dada – e que vem sendo dada há mais de um ano – é que o CS tem dois pesos e duas medidas e que não admite para os seus membros o que acha normal para Magistrados. É que o CS invoca ter funções jurisdicionais para sancionar um Advogado, mas não é capaz de ter a imparcialidade, a independência, a serenidade e a humildade democrática que sistematicamente exige aos Juízes e Procuradores. Para não me alongar limito-me a remeter para os Pareceres do Conselheiro Virgílio Ribeiro e do Relator do meu processo, que são de 2005, isto é menos de um ano antes desta acusação, os quais estão citados no requerimento junto aos autos pelos Sócios da minha Sociedade de Advogados.

5. A mensagem que está aqui a ser dada é que os Advogados devem ter medo quando se defendem, devem auto-limitar-se e auto-censurar-se com receio de serem punidos. E esta acusação ao arguido é feita no mesmo momento em que o Bastonário em exercício e o Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem estão a apelar para que Advogados denunciem quando vêm a sua capacidade de exercer o mandato objecto de tentativas de limitação. Como foi dito pelo Bastonário em exercício no dia 7 de Maio: “Um advogado tem de ser um homem livre naquilo que diz, no que requer e na forma como se insurge, como reclama e como protesta (...) Tem de ser “livre de falar sem medo (...) Hoje o que se nota é uma facilidade estonteante na forma como se processam advogados”. Com que moral pode a Ordem dos Advogados afirmar isso quando no seu seio faz exactamente aquilo de que se queixa?

6. Mas pior ainda, a mensagem que está aqui a ser dada é que os arguidos devem ter receio de falar, de se defender, de exprimir a sua revolta e indignação, por causa das consequências. A mensagem que está a ser dada é a de que um arguido que se sinta injustiçado, que veja os participantes, relatores, instrutores, acusadores e julgadores serem umas e as mesmas pessoas, deve ficar calado, deve aceitar, deve até negociar, porque se o não fizer, a seguir virá outro processo em que os mesmos voltarão de novo a ser participantes, relatores, instrutores, acusadores e julgadores, desta vez punindo com mais violência e assim sucessivamente.

7. Pois não vêm, Senhores Conselheiros que formam a maioria deste órgão e que se deviam considerar impedidos, que com a vossa actuação estão a destruir os cimentos mais básicos do Estado de Direito e das Liberdades? Não vêm que nem sequer no tempo da Ditadura ou do PREC se ousou ir tão longe e na bancada do Plenário não era a PIDE quem aparecia a julgar, mas Magistrados aparentemente ao menos independentes? Não vêm que estão a dar um curso de formação profissional acelerada aos que no mundo da investigação criminal e da instrução criminal, em nome da segurança, da consideração, do respeito, do prestígio, da honra, da correcção, da urbanidade, da rectidão e da lealdade, para usar as palavras do Sr. Relator, em nome de tudo o que der jeito e que os próprios decidirão se é aplicável, estarão sempre preparados para intimidar arguidos, para os convencer que é preferível negociarem com as polícias do que pedirem a Advogados para os defender, para transformarem qualquer palavra ou gesto que considerem ofensivo num fundamento para mais uma punição feita pelos próprios que se julgam atacados?

8. Ao fim de um ano não encontrei uma única pessoa, um único Advogado, que – concordando ou discordando do que afirmei na entrevista (ou com o que resumidamente começou a constar que declarei na entrevista) – não achasse que o processo disciplinar que me foi aberto era apenas uma tentativa de punir um delito de opinião. Onde está, Senhores membros do Conselho Superior que formam a maioria (e a que não chamarei mais “11” por ser falta disciplinar que gostosamente evitarei) e que se deviam considerar impedidos, a velha coragem dos Advogados, onde está a luta pela liberdade de expressão, onde está a luta contra as prisões por motivos políticos? Esta não é a minha Ordem dos Advogados, não é a que me habituei a admirar e a tentar seguir. Ser punido, tal como resulta do procedimento de muitos de V. Exas no último ano, não é desonroso. É vergonhoso. E não é vergonhoso para mim, a não ser na medida em que é uma vergonha que salpica todos os Advogados portugueses.

9. O segundo processo é, em minha opinião, ainda mais grave e vergonhoso do que o primeiro. Punir delitos de opinião é menos perigoso para o Estado de Direito do que condicionar direitos de defesa. O que V.Exas estão a fazer neste segundo processo é destruir toda a cultura, toda a tradição, todos os valores que fizeram da Ordem dos Advogados uma instituição sem medo, que enfrentou sempre os abusos, que – como declarei no Forte de Peniche há 4 anos, na homenagem que na Semana do Advogado foi prestada aos Advogados de Presos Políticos – nunca se enganou, esteve sempre do lado da Liberdade.

10. E por isso acuso V. Exas, sem outra arma que não seja a minha toga. V. Exas, Senhores Membros do CS que votaram um processo disciplinar por se considerarem ofendidos por mim, tinham e têm todo o direito de participar criminalmente de mim. O que não têm o direito – que invocando o meu estatuto de Advogado vos não admito – é de se esconderem atrás da instituição e de transformarem em falta de consideração pela Ordem dos Advogados o que seria – quando muito, mas nem é, que até na falta de consideração sou muito selectivo – falta de consideração por V.Exas.

11.Dei anos da minha vida à Ordem dos Advogados e à Justiça. Amo a Ordem dos Advogados e tenho sofrido todos os dias por causa destes processos. Como sofri todos os dias por estar preso sem culpa formada por causa de opiniões que na altura desagradavam a quem mandava. Nunca quis ofender, desprestigiar ou desconsiderar a Ordem dos Advogados. E não admito – ouçam bem, não admito – a ninguém que o afirme. É por amar a minha Ordem e a minha Profissão que vos acuso e que estou disposto a arrostar por isso com todas as consequências.

12. V. Exas têm todo o Poder, V. Exas podem abrir-me processos disciplinares, deixar violar o segredo, notificarem-me pelos jornais, impedir-me de ir ao Congresso da Ordem dos Advogados, acusar-me, punir-me, riscar-me da História da Ordem dos Advogados e da galeria que nos rodeia. Mas não podem calar a minha voz, não podem dominar a minha consciência, não podem impedir-me de vos dizer que este é – afinal - o julgamento de V. Exas e não o meu julgamento.

13. Façam, agora, V. Exas, os que se sentiram ofendidos pela minha defesa e antes disso votaram punir delitos de opinião, o que entenderem ser o vosso dever. O que decidam, como já disse e repito, é-me indiferente. Não reconheço a V. Exas – aqueles a que para simplificar chamei “os 11”, mas que não mais tratarei de forma simpliifcada - a independência, imparcialidade, a serenidade e a objectividade, que são e não podem deixar de ser os atributos do Julgador no Estado de Direito.

14. V. Exas., Srs. Drs. Luís Laureano Santos, Eurico Consciência, Augusto Aguiar Branco, Alberto Jorge Silva, Carlos Guimarães, Fernando Cabrita, José Rodrigues Braga, Luísa Novo Vaz, Maria Clara Lopes, António Ribeiro de Carvalho, Virgílio Vasconcelos Ribeiro farão o que quiserem. Pelo meu lado, só citarei um grande Poeta e um Homem sem medo, formado na escola de Liberdade e de Coragem que era a Coimbra do meu tempo: “Não há machado que corte/ a raiz ao pensamento/ porque é livre como o vento / porque é livre”.

Lisboa, 21 de Julho de 2006

***


Na introdução das suas alegações disse, entre outras coisas, JMJ:

(...) É isso que passarei a fazer de seguida. Não sem antes fazer uma citação que explica a razão da minha atitude no que se refere à defesa no primeiro dos processos e que causou o segundo:
”Numa alegação de direito, incluí um alargado “apontamento” introdutório, sem relevo do ponto de vista jurídico, mas muito duro em relação aos politico-administrativos e aos juízes do tribunal.

De anotar que se tratava de um tribunal muito “especial”. Constituia uma das “secções” do Conselho Ultramarino, não tendo os respectivos juízes quaisquer garantias de independência.

Preocupado comigo, o Doutor Guilherme Braga da Cruz mostrou receio relativamente às alusões dirigidas aos juízes, interrogando-se sobre se não haveria o risco de eu ser acusado de ofensas dirigidas àqueles.
....
Reconheci que o trabalho ficaria sem dúvida mais objectivo e frio – mais “científico” – se o “apontamento” introdutório fosse eliminado.

Essa eliminação traduziria, em princípio e em geral, o caminho acertado que, por isso mesmo, seguia em regra em trabalhos profissionais.

Só que, no caso concreto não estava em causa um “processo normal a correr os seus termos num tribunal normal”, de modo que a “terapêutica” não podia ser a normal.”

Quem escreveu isto não foi este indigno e inimputável antigo Bastonário que V. Exas têm à vossa frente. Foi o Bastonário Carlos Lima e tratava-se do chamado “Caso do Bispo da Beira”.

Também eu – se tivesse seguido os conselhos amigos de quem temia o risco de ser acusado de ofensas dirigidas a estes Juízes – estaria aqui e agora apenas a saber que ia absolvido.

Mas também aqui a “terapêutica” não podia ser a normal. E por isso aqui estou a correr o risco – por estes Juízes se sentirem ofendidos com o que disse em minha defesa – de ficar quatro meses e quinze dias impedido de exercer a minha profissão, na que será uma das mais graves sanções que em 80 anos será aplicada pela Ordem dos Advogados, rarissimas vezes decidida e em regra a quem cometeu actos de gravissima indole criminal contra Clientes.

Mesmo assim, se voltasse atrás, sabendo deste Relatório Final, meus Colegas e Exmos Conselheiros, faria exactamente o mesmo.

E aqui anuncio – para que fique claro – que não irei recorrer de tal sanção de suspensão efectiva da prática da profissão ou de qualquer outra que entendam aplicar-me.

Tem toda a razão, no afirmado no seu parecer junto aos autos, o Professor Vieira de Andrade: “não seria bom para o prestígio da advocacia a declaração judicial de nulidade de uma deliberação do órgão jurisdicional supremo da Ordem – sobretudo por estas razões [ilegalidade por violação dos impedimentos previsto no artigo 37º do RDOA, bem como no CPP, inconstitucionalidade por violação dos princípios fundamentais do Estado de Direito, em especial do princípio da imparcialidade, inconstitucionalidade por violação do princípio da estrutura acusatória do processo sancionador, inconstitucionalidade por ofensa aos direitos de defesa e ao princípio da imparcialidade na sua dimensão mais elementar], quando a primeira atribuição desta associação pública é justamente “defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos Cidadãos” (artigo 3º alinea a) do EOA)

Pela última vez, por isso, farei um sacrifício pela minha Profissão e pela minha Ordem. Não admito ir pedir a um Magistrado Judicial que me absolva porque a minha Ordem violou, de forma inconstitucional, direitos, liberdades e garantias fundamentais, em relação a um Advogado e a um arguido.

Por isso peço a V. Exas – e humilho-me a esse ponto – que não ousem ofender-me mais uma vez, agora com qualquer tipo de isenção de pena ou com qualquer argúcia jurídica que tivesse como efeito sancionarem-me impedindo-me de recorrer da sanção. Não será preciso. Não vou recorrer, em caso algum. Podem por isso V. Exas punir à vontade.»

Na introdução às suas alegações, disse JMJ:

(...) É isso que passarei a fazer de seguida. Não sem antes fazer uma citação que explica a razão da minha atitude no que se refere à defesa no primeiro dos processos e que causou o segundo:


”Numa alegação de direito, incluí um alargado “apontamento” introdutório, sem relevo do ponto de vista jurídico, mas muito duro em relação aos politico-administrativos e aos juízes do tribunal.

De anotar que se tratava de um tribunal muito “especial”. Constituia uma das “secções” do Conselho Ultramarino, não tendo os respectivos juízes quaisquer garantias de independência.

Preocupado comigo, o Doutor Guilherme Braga da Cruz mostrou receio relativamente às alusões dirigidas aos juízes, interrogando-se sobre se não haveria o risco de eu ser acusado de ofensas dirigidas àqueles.

....

Reconheci que o trabalho ficaria sem dúvida mais objectivo e frio – mais “científico” – se o “apontamento” introdutório fosse eliminado.

Essa eliminação traduziria, em princípio e em geral, o caminho acertado que, por isso mesmo, seguia em regra em trabalhos profissionais.

Só que, no caso concreto não estava em causa um “processo normal a correr os seus termos num tribunal normal”, de modo que a “terapêutica” não podia ser a normal.”

Quem escreveu isto não foi este indigno e inimputável antigo Bastonário que V. Exas têm à vossa frente. Foi o Bastonário Carlos Lima e tratava-se do chamado “Caso do Bispo da Beira”.

Também eu – se tivesse seguido os conselhos amigos de quem temia o risco de ser acusado de ofensas dirigidas a estes Juízes – estaria aqui e agora apenas a saber que ia absolvido.

Mas também aqui a “terapêutica” não podia ser a normal. E por isso aqui estou a correr o risco – por estes Juízes se sentirem ofendidos com o que disse em minha defesa – de ficar quatro meses e quinze dias impedido de exercer a minha profissão, na que será uma das mais graves sanções que em 80 anos será aplicada pela Ordem dos Advogados, rarissimas vezes decidida e em regra a quem cometeu actos de gravissima indole criminal contra Clientes.

Mesmo assim, se voltasse atrás, sabendo deste Relatório Final, meus Colegas e Exmos Conselheiros, faria exactamente o mesmo.

E aqui anuncio – para que fique claro – que não irei recorrer de tal sanção de suspensão efectiva da prática da profissão ou de qualquer outra que entendam aplicar-me.

Tem toda a razão, no afirmado no seu parecer junto aos autos, o Professor Vieira de Andrade: “não seria bom para o prestígio da advocacia a declaração judicial de nulidade de uma deliberação do órgão jurisdicional supremo da Ordem – sobretudo por estas razões [ilegalidade por violação dos impedimentos previsto no artigo 37º do RDOA, bem como no CPP, inconstitucionalidade por violação dos princípios fundamentais do Estado de Direito, em especial do princípio da imparcialidade, inconstitucionalidade por violação do princípio da estrutura acusatória do processo sancionador, inconstitucionalidade por ofensa aos direitos de defesa e ao princípio da imparcialidade na sua dimensão mais elementar], quando a primeira atribuição desta associação pública é justamente “defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos Cidadãos” (artigo 3º alinea a) do EOA)

Pela última vez, por isso, farei um sacrifício pela minha Profissão e pela minha Ordem. Não admito ir pedir a um Magistrado Judicial que me absolva porque a minha Ordem violou, de forma inconstitucional, direitos, liberdades e garantias fundamentais, em relação a um Advogado e a um arguido.

Por isso peço a V. Exas – e humilho-me a esse ponto – que não ousem ofender-me mais uma vez, agora com qualquer tipo de isenção de pena ou com qualquer argúcia jurídica que tivesse como efeito sancionarem-me impedindo-me de recorrer da sanção. Não será preciso. Não vou recorrer, em caso algum. Podem por isso V. Exas punir à vontade.

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