28 março 2014

Sobre a "defensoria pública"

O Dr. António Jaime Martins, presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, esceveu esta carta aaos advogados:

Exmos. Colegas,

É com grande preocupação que vos dirijo estas linhas depois de ter sido veiculado na comunicação social a possibilidade do Estado vir a adotar no sistema de acesso ao direito, o modelo do “defensor público”.

Os Advogados sempre desempenharam um papel central na representação dos interesses dos cidadãos, contribuindo para a justa composição dos conflitos e para a pacificação das relações sociais.

Os Advogados constituem com os Magistrados Judiciais, os Magistrados do Ministério Público e os Funcionários Judiciais as tradicionais profissões do judiciário e com estes integram os Tribunais.

A Ordem dos Advogados é a mais antiga das Ordens Profissionais em Portugal, tendo sido criada pelo decreto n.º 11.715 de 12 de junho de 1926 e regulamentada pelo decreto n.º 12.334 de 18 de setembro do mesmo ano.

Ao contrário de outros profissionais liberais, como os agentes de execução nas execuções ou os notários nos inventários, que apenas praticam os atos após terem recebido os respetivos honorários, os Advogados praticam os atos para os quais foram nomeados no sistema de acesso ao direito sem saberem quando receberão do Estado os respetivos honorários.

Nem os Advogados, nem os cidadãos ou a sociedade civil em geral podem de alguma forma compreender que a lealdade destes profissionais – os Advogados e as Advogadas portugueses – com os valores constitucionais do Estado de Direito, como sejam o de colaborar na administração da justiça, de participar no sistema de acesso ao direito e de garantir o direito de defesa dos cidadãos, tenha como contrapartida do Estado a sua sujeição a um modelo de participação no sistema de apoio judiciário que não seja condigno ou dignificante para o exercício da profissão e que fragilize a defesa dos cidadãos que a nós recorrem, como se verificaria num modelo de acesso ao direito funcionalizado como o do “defensor público”.

Mais do que isso, a adoção pelo Estado do modelo do “defensor público”, a verificar-se, sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violar frontalmente o acervo constitucional que consagra o modo de participação dos Advogados no sistema justiça em Portugal desde 2 de abril de 1976.

Somos, na verdade, nós Advogados, garantes de importantes funções do Estado com consagração constitucional, como é o “acesso ao direito e aos tribunais” e o “patrocínio judiciário” previstos no art.º 20.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Fundamental e que constituem “elemento essencial da administração da justiça” como resulta do art.º 208.º da mesma Lei, sendo-nos com esse propósito conferidas garantias e imunidades no exercício do mandato forense (art.º 150.º, n.º 2 do CPC). Atente-se, aliás, no disposto no art.º 13.º da recente Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/1013, de 26.8), com a epígrafe “Imunidade do mandato conferido a advogados”, que confere aos Advogados as imunidades indispensáveis ao exercício dos atos próprios de forma isenta, independente e responsável.

Acreditamos, pois, que o bom senso imperará e que os 40 anos de democracia que este ano estamos prestes a celebrar, não sirvam de palco a um retrocesso civilizacional apenas compreensível num Estado autocrático.

É por tudo isto que devemos rejeitar em absoluto e de forma liminar um modelo de participação dos Advogados no sistema de acesso ao direito equivalente ou próximo do do “defensor público”.

A partir do momento em que deixou de ser possivel aos utentes escolher o seu advogado - e que é uma associação pública que faz a escolha - parece-me  que já estamos perante um modelo de "defensor público", só que não é necessariamente o melhor.
O Estado gasta milhões, pagos tarde e a más horas aos advogados que aceitam inscrever-se no sistema de "defensoria pública", gerido pela  Ordem dos Advogados.
Parece-me muiti mais razoável que o Estado crie um corpo de defensores públicos, funcionários assalariados, constituido obrgatoriamente por advogados inscritos na Ordem mas impedidos de prestar serviços  remunerados a pessoas e a empresas.