24 dezembro 2010

Volumoso desvio de fundos nos depósitos judiciais

Notícia do Público:

«O Ministério da Justiça usou em 2008 e no ano passado 326,1 milhões de euros, que estavam afectos a processos judiciais e que, por isso, não lhe pertenciam, para tapar o buraco das contas desses dois anos, sem garantir as responsabilidades perante terceiros. A situação foi detectada numa auditoria do Tribunal de Contas (TC) ao Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça (IGFIJ), que gere os recursos do ministério, divulgada recentemente.

O uso dos 326 milhões levou o TC a recomendar que aquelas verbas sejam registadas de forma correcta
No documento, o TC critica o facto de o IGFIJ contabilizar 160 milhões de euros em 2008 e 166,1 milhões em 2009, dos chamados depósitos autónomos - rendas, cauções e outros quantias afectas a um determinado processo judicial - como receitas extraordinárias, sem reflectir as correspondentes responsabilidades perantes terceiros. O tribunal lembra que foram violadas vários princípios da contabilidade pública e acrescenta que os membros do Conselho Directivo do IGFIJ que, em 2008 e 2009, aprovaram as contas do organismo, sem discordância das mesmas, são responsáveis por estas irregularidades, que "eventualmente configuram infracções financeiras sancionatórias". Isso significa, que estes responsáveis podem ser multados pelo TC.
Também o fiscal único do IGFIJ alerta que "a contabilização da receita extraordinária de depósitos autónomos deve ser conjugada com a devida comprovação de que as responsabilidades estão adequadamente expressas e suportadas por património à guarda do IGFIJ". Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça garante que tem pago todos os reembolsos pedidos, "de acordo com as decisões dos tribunais". Isto porque é necessária uma decisão judicial para que as verbas sejam pagas aos respectivos donos.
Contudo, esta garantia e a indicação de que as verbas devolvidas serão incorporadas nas contas do IGFIJ deste ano desmentem uma afirmação do ex-presidente do instituto, João Pisco de Castro, que em esclarecimentos à Direcção-Geral do Orçamento afirmava que os 160 milhões de euros resultavam de uma estimativa das perdas e prescrições dos montantes afectos aos processos judiciais até 31 de Dezembro de 2008. "Trata-se, portanto, de receitas entradas no sistema judicial que por via da prescrição ou da destruição dos processos nunca serão reclamados por nenhuma entidade", justificava então Pisco de Castro.
Ao TC, nunca foram mostrados os estudos, pareceres e outros documentos auxiliares que terão servido de base a esta estimativa e ao despacho conjunto do ex-secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Conde Rodrigues (que entretanto transitou para o Ministério da Administração Interna) e do secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, Emanuel dos Santos (que se mantém nas mesmas funções) que permitiram gastar as verbas. Isso mesmo se lê na auditoria, precisando-se que os mesmos "foram solicitados por ofício ao secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária [José Magalhães], que reencaminhou para o ministro da Justiça [Alberto Martins], que actualmente tem a tutela do IGFIJ, com conhecimento ao secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, não tendo o TC obtido resposta".


Reembolsos garantidos
Confrontado com o porquê desta recusa, o gabinete de Alberto Martins garantiu que "todos os elementos disponíveis sobre esta matéria foram fornecidos pelo IGFIJ ao Tribunal de Contas", uma versão desmentida por uma porta-voz da instituição.
O MJ recusa-se a adiantar o valor dos reembolsos. "Estas responsabilidades, que não tinham ainda sido apuradas com rigor nos exercícios anteriores, foram identificadas no decorrer de 2010, recorrendo ao sistema informático SICJ, que processa os fluxos financeiros associados aos processos judiciais", alega o MJ. E completa: "Esclarece-se ainda que a liquidez necessária para o reembolsos dos depósitos autónomos devidos nestes anos nunca esteve comprometida. Apenas não estavam correctamente identificadas as responsabilidades futuras". O ministério não responde, contudo, à pergunta do PÚBLICO que pedia um valor dos montantes reembolsados.»

23 dezembro 2010

Carta aberta à minha cliente Manuela Hilarina Fernandes

Minha Estimada Manuela Hilarina Fernandes:

Quero pedir-lhe desculpa, porque falhou tudo.
Falhou a promessa que lhe fiz em Agosto e o seu sonho de Vascos da Gama, Albuquerques, também esse Camões que lhe corre nas veias, e
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando (...)
Falhou tudo, a começar pelo respeito, que deveriam ter por si, que não por mim; e sobretudo pela Pátria, cada vez mais engolida por políticos incompetentes e funcionários imbecis.
Eu sei - confesso-o humilde e envergonhadamente - que lhe garanti que esta coisa que sobra do Portugal, com que você sonhou,  ainda era um país decente.
Lembro-me com hoje do que lhe disse, suportado nas leis, a começar pela Constituição, que assegura aos portugueses o respeito pelos direitos fundamentais.
É verdade que lhe garanti que no dia em que lhe fosse reconhecida a qualidade de cidadã portuguesa, você Manuela Hilarina Fernandes, tinha o direito de pedir um cartão de cidadão e um passaporte português.
Tenho que reconhecer que falhei; e tenho que lhe dar uma explicação, pedindo-lhe que acredite que sou um homem sério e que, se a seriedade falta, é ao País, que não a mim.
Você, Manuela Hilarina, é portuguesa como eu, portuguesa de origem, desde o dia 24 de Agosto de 2010. E deveria ter um cartão de cidadão como eu.
Você é portuguesa como eu ou como um senhor que passa por Ministro dos Negócios Estrangeiros. E vive escondida em Londres, abandonada e agredida pelos que governam a nossa Pátria, conspurcando-lhe a honra, como é próprio de quem não reconhece os documentos emitido sob a sua égide.
Juro-lhe que nunca me passou pela cabeça a simples hipótese de passarmos um Natal tão triste, consigo, portuguesa como eu, escondida, à deriva, sem documentos, como se fosse uma pessoa inexistente. Se eu alguma vez imaginasse que esta canalha que nos governa poderia ir tão longe no desrespeito pelas suas próprias leis, seguramente que lhe teria sugerido que adiasse esse sonho de Gamas, de Albuquerques, Franciscos de Almeida e Camões...
Além disso, o que a tudo enfim me obriga,
É não poder mentir no que disser,
Porque de feitos tais, por mais que diga,
Mais me há-de ficar inda por dizer.
Mas, porque nisto a ordens leve e siga,
Segundo o que desejas de saber,
Primeiro tratarei da larga terra,
Depois direi da sanguinosa guerra.
Você não é uma oportunista.
Você optou por procurar a sua História e o seu Destino, por deixar uma pátria e escolher outra, a sua, a do seu nome, a dos seus pais e dos seus antepassados, no fim de contas a do seu coração.
Talvez eu devesse ter avisado que este já não é o Portugal dos Gamas e dos Albuquerques, que ninguém, neste recanto, onde restam as sobras dos que se semearam pelo Mundo,  entende o que é isso de ser português, à semelhança dos desenhos de um Camões, que eles nunca leram e, pior do que isso, não sabem ler.
Talvez eu devesse dizer-lhe que este Portugal são os restos de um país e de uma nação.
Cometi o pecado grave de não ter querido partir o seu sonho. Mas juro-lhe que o fiz, apenas, porque nunca imaginei que esta canalha, de que dependemos,  pudesse levar tão longe a sua arrogância e a sua incompentência.
Você, Manuela Hilarina é portuguesa como eu. Disso pode estar segura.
Mas você não existe embora tenha um registo de nascimento que a dá como viva, porque lhe negam a sua identidade, não aceitando entregar-lhe um cartão de cidadão com base no referido registo e no mesmo documento identificador que o permitiu.
O Consulado de Portugal em Londres sabe que você Manuela Hilarina é portuguesa e deixou de ser indiana. Mas o que tem feito não é mais do que criar condições para que você seja expulsa para a Ìndia, que deixou de ser a sua Pátria, por mais que continue a valer o cheiro do chão de Goa que a viu nascer.
Portugal tem tribunais e eu também lhe transmiti uma ideia errada do que são os tribunais portugueses.
E tem um processo especial, de natureza sumária, visando a intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias.
É verdade que eu lhe disse que, perante uma situação tão grave, o tribunal não deixaria de adotar uma decisão num prazo muito curto. E disse isso porque a lei fala em celeridade; e celeridade para quem não existe,  porque não tem documentos,  é ontem.
Eu não sou mentiroso, Manuela Hilarina Fernandes. Juro-lhe que não sou.
Mas a lei do nosso país é...
E por isso, Manuela Hilarina, você está escondida num canto de Londres, portuguesa como eu ou como o tipo que passa por Ministro e que é pessoalmente o responsável pela sua inexistência e pela crise do seu sonho. Foi ele quem mandou contestar em juizo o seu pedido de um simples cartão de cidadão.
Nem os fascistas tiveram alguma vez a ousadia de fazer isso.
Tenho a certeza que este é o pior Natal das nossas vidas.
Mas não vamos desfalecer.
Vou acompanhá-la e vou seguiu o seu exemplo de reler Camões, à espera que a borrasca passe e que toda esta canalha tenha o destino que os deuses traçaram para quem não merece governar a nobre gente.
 
Miguel Reis