30 setembro 2010

A placa do deputado

Lê-se no Diário de Viseu:

O deputado Paulo Barradas, eleito nas listas do PS no círculo de Viseu, decidiu retirar uma placa que indicava o local onde tem um escritório, depois de fotografias da mesma terem gerado polémica nas redes sociais da Internet.
Com o objectivo de permitir um melhor atendimento às pessoas que com ele pretendiam falar, Paulo Barradas arranjou instalações num edifício situado numa das principais artérias da cidade de Lamego, onde o deputado reside, e colocou uma placa onde se podia ler Paulo Barradas – Deputado – Partido Socialista.
De acordo com declarações do deputado ao nosso Jornal, apenas pretendia indicar a localização do gabinete onde atende os eleitores, criando assim um espaço de diálogo com os eleitores. “A placa era pouco maior que o painel das campainhas e não tinha como objectivo qualquer tipo de ostentação”, garante Paulo Barradas, que diz não entender todo o mediatismo que a placa teve. “À partida deveria merecer um acolhimento favorável por parte das pessoas, já que a abertura do espaço é uma atitude que tem paralelo em parlamentos de outros países”, sublinha.
No entanto, ficou surpreendido com a forma negativa como a questão foi tratada. “Recebi imensas mensagens electrónicas às quais respondi. Expliquei qual o objectivo pretendido, e recebi em troca ‘mails’ de incentivo”, conta, considerando que “a democracia portuguesa ainda tem muito para andar e tenho a obrigação de também contribuir para isso”. A placa foi trocada por outra, desta vez apenas com o nome do deputado, e o espaço é para se manter aberto. “Mudei a placa para preservar o meu partido e para fazer também um pouco de pedagogia. O gabinete manter-se-á incólume de modo a poder continuar a receber as pessoas para trocas de ideias”, garante.
Contactado pelo nosso Jornal, o colega de bancada, Acácio Pinto, lamenta as críticas sem fundamento ao deputado lamecense e considera que a abertura do espaço por Paulo Barradas “é um acto que só o enobrece, porque os deputados devem manter a ligação com o eleitorado”. “Os deputados têm um espaço para atendimento que é o governo civil, onde é disponibilizada uma sala, mas nem todos os concelhos têm governo civil”, sublinha Acácio Pinto, acrescentando que o gabinete, que Paulo Barradas arrendou em Lamego, é pago do seu bolso e está ao serviço dos cidadãos.

Não há mal nenhum em que o Sr. Deputado tenha colocado a placa na porta do seu gabinete.
Entendo até que todos os deputados  - ou mesmo todos os políticos – deveriam colocar placas idênticas nos seus gabinetes particulares.
Mais: parece-me até que deveria ser obrigatória a afixação das ditas nos lugares em que os deputados, autarcas, administradores de empresas públicas recebem as suas clientelas.
Grave seria se este senhor deputado fosse também advogado...

28 setembro 2010

Mais um programa simplista

Foi anunciado agora o Simplegis que promete ser um programa de simplificação dos processos legislativos.
Um documento que merece reflexão, até porque indicia uma série de perspetivas erradas que, a concretizar-se serão pior emenda do que o soneto.

07 setembro 2010

O questionamento do povo

Segundo a Constituição, os tribunais administram a justiça, em nome do povo.
Carlos Cruz resolveu perguntar ao povo se concorda que ela seja administrada assim...
Lê-ser hoje no I:
«São mais de 200 os nomes que Carlos Cruz vai tornar públicos no seu site, e que constam do processo Casa Pia. Estes nomes foram referidos como alegados abusadores de menores na fase de inquérito do caso de pedofilia e irão ser colocados online no final deste mês, bem como todo o restante processo - que inclui as fases de inquérito, de instrução e de julgamento, confirmou ao i o apresentador. Entre estes nomes constam um antigo Presidente da República, um antigo líder do PS, um antigo líder do PSD, um antigo líder do CDS, dois actuais líderes partidários, outros destacados políticos ligados ao CDS, actores de televisão e teatro, dois ex-futebolistas internacionais pela selecção nacional, entre muitas outras personalidades relevantes da sociedade portuguesa.
Todas estas pessoas foram referenciadas no processo por várias alegadas vítimas que foram interrogadas pelos investigadores da PJ. Carlos Cruz vai divulgar no seu site todos os autos de interrogatório onde se podem ler as descrições feitas pelos rapazes alegadamente abusados e a forma como eles acusam todas estas personalidades.
"Confirmo que essas pessoas constam do processo e que, naturalmente, irão aparecer no meu site. Nada me move contra essas pessoas, pois os seus nomes foram atirados para os autos da mesma forma que o meu", confirmou Carlos Cruz ao i. "O que estranho, é que estas pessoas, muitas delas referenciadas por alegadas vítimas e, inclusive, por indivíduos que também me acusam, nunca tenham sido sequer constituídas arguidas e interrogadas pelas autoridades. Então os testemunhos são válidos só para algumas pessoas?", questionou o apresentador, revelando que vai tornar o processo público o mais rapidamente possível. "Neste momento estamos a fazer todo um trabalho de digitalização e ocultação dos nomes das alegadas vítimas." Este trabalho deverá estar concluído no final deste mês.
Questionado sobre o facto de poder vir a ser acusado de crimes de desobediência, por estar a revelar peças processuais, como os vídeos das reconstituições nas casas onde já foi acusado e condenado pela prática de abusos de menores, Carlos Cruz é peremptório: "Sei que isso pode acontecer, mas não tenho medo. As pessoas têm o direito de saber a monstruosidade que me fizeram. Nesta fase não há segredo que justifique o claro interesse público que é a divulgação de tudo o que foi feito para me incriminar a mim e aos outros arguidos. Prova disso é que o meu site já foi visitado por mais de 10% da população portuguesa que tem acesso à Internet. Eu não tenho nada a esconder. Se o Ministério Público tem, esse é um problema que não é meu."
Um dos nomes que Carlos Cruz irá divulgar é o de um ex-líder do PSD, que é acusado nos autos de ter abusado de um menor e presenciado actos de pedofilia numa casa em Lisboa. O antigo presidente laranja foi acusado, a 8 de Abril de 2003, por uma professora, residente na Margem Sul do Tejo. Segundo a denúncia da docente, ela foi levada à referida casa pelo pai, e lá estaria o político que assistiu, nas palavras da mulher, a abusos de menores, tendo ele próprio abusado de um. A procuradora Paula Soares, uma das titulares do inquérito (juntamente com o procurador João Guerra e a procuradora Cristina Faleiro), foi quem recolheu este depoimento, que, mais tarde, mandou simplesmente apensar ao inquérito principal. A mesma mulher acusou ainda um ex-ministro do PSD de ter abusado de menores (de ambos os sexos) numa casa localizada no Estoril. Todas estas descrições estarão online no site de Carlos Cruz.
A procuradora Paula Soares considerou que os factos denunciados eram muito antigos e não estavam relacionados com nenhum dos arguidos, suspeitos ou ofendidos do inquérito da rede de pedofilia, pelo que não ordenou qualquer diligência investigatória, nomeadamente que se procedesse ao interrogatório do pai da suposta vítima a fim de se apurar que casa era aquela e quem era o seu proprietário.
Muitos dos testemunhos e denúncias recolhidos pela equipa de investigadores que trabalharam na fase de inquérito foram desvalorizados, apesar de alguns deles terem testemunhado em tribunal contra arguidos que foram a julgamento, como Ferreira Diniz, Jorge Ritto e Carlos Cruz.
Uma das testemunhas que acusaram estes três arguidos (que durante o processo ficou conhecido por "João A.", nome fictício) denunciou à PJ outros alegados abusadores, um ex-líder do PS e outras destacadas figuras socialistas, bem como os dois internacionais portugueses de futebol. "João A." indicou uma casa em Cascais, no Bairro do Rosário, onde terá sido abusado e filmado em práticas sexuais por estas pessoas, bem como pelo embaixador Jorge Ritto. Também os autos com estes episódios estarão disponíveis no site de Carlos Cruz.
Uma outra vítima, que acusa todos os arguidos de abusos na casa de Elvas, acusou, em inquérito, um homem que trabalharia para Carlos Cruz. As vítimas que terão sido abusadas em Elvas referiram também à PJ abusos praticados por outras pessoas: funcionários da Casa Pia, colegas mais velhos e um antigo provedor da instituição, que nunca foi interrogado pelas autoridades.
Outros jovens denunciaram como alegados abusadores de menores dois conhecidos actores de teatro e televisão e vários políticos ligados à direita. Nos relatos, que Cruz irá divulgar, é dito por estas vítimas que todas estas pessoas eram frequentadoras assíduas do Parque Eduardo VII, onde arranjariam os menores de quem abusavam.
Quem também contribui para engrossar a lista de nomes de suspeitos de pedofilia foi uma jornalista ligada à origem do processo. A repórter foi ouvida pelas autoridades a 16 de Janeiro de 2003, duas semanas antes da detenção de Carlos Cruz, Hugo Marçal e Ferreira Diniz, e revelou que tinha denúncias contra dois cozinheiros da Casa Pia, Jorge Ritto, Carlos Cruz e uma outra relevante figura da televisão. A jornalista entregou um papel que lhe terá sido dado por uma antiga secretária de Estado, em que aquela denunciava advogados, embaixadores, outras figuras públicas e Carlos Cruz.
Uma familiar de Carlos Silvino também escreveu uma carta à procuradora Paula Soares, que consta do processo que Carlos Cruz irá divulgar, em que denuncia alguns políticos já referidos por outras testemunhas, e acrescenta outros nomes. Nenhum deles investigado.»

A má imagem da justiça

O juiz presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, António Silva Gonçalves, mostrou-se, ontem, preocupado com a má imagem que os portugueses têm da magistratura. Discursando na cerimónia de posse dos 17 novos juizes desembargadores, o juiz presidente do Tribunal da Relação de Guimarães sentenciou que a culpa da má imagem que os portugueses têm da profissão reside na «exteriorização de mútuas acusações entre magistrados, tornada pública através dos principais responsáveis pela área da justiça, incondicional e garantidamente apoiada pela nossa menos profunda comunicação social», que «faz difundir negativamente a imagem de todos nós». Para além desta adversidade, concedeu, «reconhecemos, também, que muitas vezes somos nós próprios que nada fazemos para impedirmos que alguns desaires se sobreponham».

Igualdade de armas

Ficou hoje claro, no debate na RTP, que as vítimas da Casa Pia, para além de terem recebido 50.000 € cada uma, foram assistidos por alguns dos advogados mais caros deste país.
Ao que consta, os advogados dos arguidos terão sido pagos por eles próprios ou, pelo menos, nada receberam do Estado.
Isto prefigura uma inaceitável desigualdade de armas, especialmente se o dinheiro gasto foi do Estado ou de entidades públicas.
Parece-me elementar esclarecer estas questões:
- Quem pagou e quanto foi pago a quem?

Grande debate na RTP

O Prós e Contras de hoje foi simplesmente memorável.
Uma grande debate.
Muito interessante a posição do Dr. Rui Rangel, que considerou ofensiva a postura do advogado Sá Fernandes, que levantou a suspeita de o acórdão não estar escrito.

05 setembro 2010

A minha previsão da prisão de Carlos Cruz

No dia em que foi publicada a primeira notícia do Expresso sobre os «casos de pedofilia» fui ao Snob, na Rua do Século, e sentei-me na mesa do canto, onde habitualmente se sentam os jornalistas.

Frequento essa mesa, agora mais esporadicamente, há cerca de 35 anos. Estava lá nesse dia a própria autora do primeiro escrito e alguns amigos de que não posso precisar os nomes. Lembro-me que estava o José Mateus.

Eu tinha lido a notícia com atenção e aquilo «ligava» com uma coisa que eu tinha visto uns anos antes. Por isso mesmo avancei com a previsão de que, a breve prazo, haveria prisões de pessoas importantes. E citei alguns nomes, entre os quais o do Carlos Cruz.

E porque é que o fiz?

Anos antes, fui consultado por um jornalista, aliás também um grande amigo, que estava a preparar um livro sobre pedofilia, tomando por base um processo judicial, cuja cópia eu li com toda a atenção, o qual tinha sido abafado, alegadamente, porque tinha como cabeça de cartaz um alto dignitário de uma organização maçónica.

O processo tinha sido iniciado com diligências relacionadas com uma investigação ao desaparecimento de documentos do automóvel de um ministro de um governo do Prof. Cavaco Silva, que teriam sido furtados por prostitutos.

Nesse processo continham-se algumas dezenas de depoimentos de rapazes que se dedicavam à prostituição masculina nas ruas de Lisboa, todos eles muito pouco consistentes, que declaravam, prostituir-se com senhores que passavam pelas ruas por eles frequentadas (em Belém e no Parque Eduardo VII).

Entre os nomes dos clientes figuravam as principais figuras da televisão, o referido dignitário maçónico, o dono de um dos maiores laboratórios de análises clínicas de Lisboa, vários diplomatas e dois ministros do referido governo.

Da análise que fiz, na altura, penso que na fase final do Conselho de Imprensa, de que eu fora membro, conclui que aqueles depoimentos não tinham a mínima credibilidade para suportar um livro e, por isso mesmo, desaconselhei o meu amigo, que é o jornalista Pedro Varanda de Castro, a desistir do projeto.

Outro elemento importante para o conselho: tinha sido recentemente alterado o Código Penal, no sentido de não admitir, em nenhuma circunstância, a prova da verdade dos factos relativamente a factos relativos à intimidade da vida privada.

Perguntar-se-à porque razão aventei nessa noite a previsão da prisão de Carlos Cruz?

Precisamente porque Carlos Cruz era a pessoa mais importante (com mais notoriedade) referida pelos prostitutos, a par, aliás, de uma série de outros nomes famosos da televisão, como se o próprio investigador, que aliás conheci (e que penso que foi expulso da PJ, por outras razões), tivesse conduzido o processo para decapitar os nomes mais mediáticos deste país.

Era muito importante que esse processo aparecesse, porque do que li depois, o processo Casa Pia parece um clone dele.

O descrédito do sistema judiciário

Já se previa que seria assim: o processo Casa Pia transformou-se num caso que desacredita completamente o sistema judiciário, por razões que, em minha modesta opinião, decorre exclusivamente da deficiência da lei processual penal e da má condução do processo.

Entendo, há muito tempo, que a lei processual penal é deficiente em vários pontos.

Em primeiro lugar porque não é suficientemente rigorosa no sentido de exigir, em sede de inquérito e de instrução, a produção de prova relativamente aos elementos do tipo legal de crime de forma tão exaustiva que permita extrair uma quase certeza da condenação antes de ser proferida a acusação ou a pronúncia.

Os agentes do Ministério Público e os investigadores deveriam ser pessoalmente punidos, ao menos como o são os autores de denúncia caluniosa, quando profiram acusação que, conscientemente, eles sabem que não têm suporte probatório.

Em segundo lugar, proferida a acusação ou pronunciados os arguidos, deveria prever a lei a organização de uma base instrutória, à semelhança do que ocorre no processo civil, especificando-se, de forma objetiva, os factos sobre os quais deve recair a prova em julgamento.

Todos ganharíamos e ganharia a sociedade se a produção de prova se fizesse sobre quietos concretos e objetivos, indicando a acusação e a defesa a sua prova e obrigando-se o tribunal a garantir a ordem na audiência, não permitindo divagações em matéria de produção de prova.

A lei processual penal não permite – e bem – que os depoimentos de um arguido sejam usados como prova contra os demais arguidos. Em minha opinião não deveria, tampouco, permitir o absurdo de à parte acusadora ou assistente poder ser atribuída credibilidade probatória.

É por demais óbvio que o queixoso ou o assistente não são independentes nem parciais; e, por isso mesmo, os seus depoimentos não são credíveis.

Atribuir credibilidade aos depoimentos dos queixosos sem nenhuma prova redunda no mesmo efeito que condenar sem julgamento. Isso é uma coisa horrível, que nos faz regressar aos piores tempos dos autos de fé e que não podemos aceitar no Estado democrático de direito.

Este processo é, desde o princípio, um processo mediático. Mas é o primeiro em que, embora com atraso, os arguidos jogam o mesmo jogo.

O que geralmente acontece, com prejuízo para os arguidos, é que eles ficam calados, não exercendo sequer o direito de resposta de que são titulares relativamente às acusações que o marketing judiciário injeta no sistema de comunicação social.

Há anos que manifesto a minha discordância relativamente à norma do Estatuto da Ordem dos Advogados que proíbe os advogado de debater publicamente questões relacionadas com processos em juízo.

Essa norma ofende, gravemente, o próprio exercício da advocacia, quando é certo que todos sabemos que há uma aparelho montado para fazer a propaganda dos «sucessos» da investigação criminal e do funcionamento dos tribunais.

Conheço bem essa máquina, que já existia antes do 25 de Abril. Eu próprio, no início da minha carreira de jornalista, fiz, com frequência esse trabalho de recolha de informação policial e judiciária junto dos departamentos de relações públicas das polícias ou de operadores judiciários, de quem, naturalmente, porque essas eram as regras do jogo, sempre ocultávamos a identidade.

Ainda sou também do tempo em que as coisas passaram a ser diferentes, ou seja, em que passaram a ser os operadores judiciários a ter a sua agenda de contactos e a passar ao jornalista aquilo que interessava que fosse publicado.

Esse é um jogo que é conhecido tanto pelos operadores judiciários como pelos jornalistas.

Como a informação era, geralmente, filtrada os jornalistas passaram a axigir, como condição para o tratamento da informação, que lhe fossem fornecidas peças processuais, muitas vezes em segredo de justiça, ao que os operadores acediam, na base da confiança em que haviam assentado a escolha do jornalista a quem haviam decidido fornecer «informação quente».

Era esse, para além do mais, o meio mais adequado à defesa, na hipótese de serem acusados de abuso de liberdade de imprensa, na base do princípio de que é isento de pena quem fizer afirmação com a convicção de que ela é verdadeira.

Em muitos casos que conheço, o jornalista tinha a perceção de que o fornecimento de tal informação não era gratuito. Mas essa era, por regra, uma questão secundária, que não justificava o sacrifício do direitos dos cidadãos à informação de que o jornalista é o principal responsável e o principal ator.

Perante este quadro, sempre entendi que as pessoas visadas, mesmo que estivessem sujeitas ao segredo de justiça eram titulares do direito de resposta e poderiam exigir dos meios de comunicação social a publicação das suas razões, em contraposição às mensagens injetadas pelos operadores judiciários.

Mais do que isso, sempre defendi que, antes da publicação de informação ofensiva da honra e consideração de alguém, tinha o jornalista a obrigação de ouvir a pessoa visada, tendo esta todo o direito e o interesse em responder ao que de negativo fosse dito a seu respeito. Só assim é que, em minha opinião, os meios de comunicação se podem desonerar da obrigação de indemnizar pelos danos emergentes da publicação de tais informações, porque constitui dever deontológico fundamental do jornalista o de ouvir as pessoas visadas por informação negativa.

Estas questões sempre foram tratadas como um tabu, nomeadamente pelas entidades reguladoras da comunicação social, nomeadamente pelo Conselho de Imprensa e pela Alta Autoridade para a Comunicação Social, de que fui membro. Mas foram-no, sobretudo, pelos advogados que, na generalidade, nunca conseguiram resolver a antinomia (no tempo em que isso era possível) entre o segredo de justiça e as matérias publicadas na comunicação social.

Há matérias que estão sujeitas a segredo de justiça – todos os sabemos.

Quando essas matérias transvazam para a comunicação social, devem tratar-se os respetivos conteúdos de forma autónoma, ou seja, deixam de ser matéria sujeita a segredo, no que for necessário para a defesa da honra dos visados.

Carlos Cruz e os seus advogados arrancaram tarde. Tudo seria diferente se, de acordo com as teses que defendo há muitos anos, tivessem usado a estratégia de confronto com o marketing judiciário logo no início do processo.

Fizeram-nos agora – e bem – porque entenderam, seguramente, que um processo deste tipo, mediatizado ao limite, não tem defesa possível se não usarem as mesmas armas,

Foi muito interessante ver na televisão, no dia em que foi proferida uma sentença condenatória, o principal arguido condenado, um juiz e o advogado das chamadas vítimas.

E voltamos ao processo penal. Se se reconhece às chamadas vítimas o direito de afirmarem que os arguidos cometeram contra eles crimes diversos, de abuso sexual, porque se não há-de reconhecer aos arguidos o direito de afirmar que os não cometeram e, sobretudo, de afirmarem que não foram apresentadas quaisquer provas de tais crimes?

Os depoimentos dos arguidos não podem ser valorizados em termos probatórios naquilo que lhes seja desfavorável. Como pode admitir-se que os depoimentos dos queixosos, que têm interesses próprios, possam ter valor probatório.

Todos temos a noção de que os valores que se jogam no processo penal são mais preciosos do que os que se jogam nas jurisdições cíveis. Por isso, se aceitarmos tal regra, teremos que aceitar que, num destes dias, tomando em consideração tal desvalor das questões cíveis, possa o legislador admitir que o autor possa ser testemunha num ação cível em que ele seja interessado.

E aí?

Teremos meio mundo a dizer que o vizinho lhe devem milhões e o tribunal a condenar sem provas, porque a lei permite que o juiz valorize (por convicção) tal depoimento.

Essa é, talvez, a questão mais delicada do nosso sistema processual penal: a possibilidade de os juízes julgarem por convicção (para além do mais induzida pelos efeitos do marketing judiciário) sem que se tenham provado de forma inequívoca todos os elementos do tipo legal de crime e a culpa.

Um dos mais nobres princípios do Estado de Direito é o princípio in dubio pro reo. É preferível não condenar do que condenar um inocente.

Não pode admitir-se, em nenhuma circunstância, a condenação de uma pessoa pela prática de um crime sem que se faça prova inequívoca de todos os elementos do tipo legal de crime e da culpa.

Mais do que a sindicabilidade do acórdão agora proferido pelos tribunais superiores, é indispensável a sua sindicabilidade pela opinião pública.

A questão está lançada.

O que nos interessa saber – a todos – é quais são os factos e quais são as provas. Para apreciar se o tribunal agiu bem ou cometeu um grave erro judiciário não é necessário ter, nesta matéria, quaisquer conhecimentos de direito.

Indispensável é conhecer os factos que foram dados como provados e quais são as provas deles, que foram todas gravadas e apreciadas pelos juízes. Qualquer um poderá fazer o seu juízo.

Mau sinal – terrivel sinal – é que o tribunal não tenha dado a conhecer, sequer aos arguidos, quais são os concretos meios de prova que permitiram as duas conclusões.

Não entramos numa fase negra da justiça portuguesa.

Já lá estamos há muito tempo. Mas só agora é que o pais viu.

01 setembro 2010

Mais um ano de crise...

Vai iniciar-se amanhã, 1 de Setembro de 2010, um novo ano judiciário.
Tudo indica que vai ser mais um ano do processo de falência da própria justiça, que aqui vimos comentando, aliás de forma suave, porque não vale a pena bater mais no defunto.
Todos os dias ouvimos personalidades a declarar que acreditam na justiça. Uns mentem descaradamente, porque se sabe que não acreditam. Outros, pura e simplesmente, cumprem um lugar comum.
Ninguém que seja minimamente consciente e informado pode fazer uma afirmação tão bárbara, pela simples razão de que o sistema está falido e não merece nenhum crédito.
Ao longo dos últimos anos, os sucessivos governos têm feito asneira sobre asneira, contribuindo para a destruição de um edifício que, embora não funcionasse bem, garantia um mínimo de segurança jurídica.
Ando na advocacia há quase 30 anos e não consegui ver o fim de nenhum dos grandes processos de falência/insolvência em que tive intervenção. Milhões de contos do nosso tecido empresarial são delapidados por administrações ruinosas, com prejuizo dos credores e dos trabalhadores, sem que os tribunais tenham a mínima capacidade para fazer cumprir as leis. Podia dar exemplos chocantes, mas não o permite o estatuto profissional dos advogados, que continua marcado por normas que impedem a transparência indispensável à reforma ou à ressurreição.
No último ano, fomos todos confrontados com um novo fenómeno. Há empresas que ferram o calote aos seus credores e que desaparecem por via administrativa, sem que alguém saiba, graças a uma lei feita por medida para proteger os caloteiros. Apesar de todos os sistemas informáticos e da possbilidade de cruzamento de dados, é possivel a uma empresa que seja devedora extinguir-se, desaparecendo como pessoa jurídica, extinguindo-se todos os processos contra ela, por inexistência jurídica da pessoa.
Uma das reformas mais graves na antecâmara da comemoração do primeiro centenário da República foi, quiçá, a reforma do registo civil, que transformou o sistema, que era aberto e público, numa coisa opaca. É impossivel a cada um de nós verificar se tem mais um irmão ou dois, pela simples razão de que os livros do registo civil deixaram de existir, substituidos por arquivos informáticos inacessiveis e insonsultáveis, elaborados com documentos digitais, sem que se preservem os originais em papel, que são destruidos.
Só quem seja absolutamente ignorante não sabe que é muito mais fácil falsificar um documento em papel do que um documento digital.
Se saltarmos para o registo da propriedade, o risco é da mesma natureza. Hoje pode fazer-se um registo de transmissão de um imóvel por telefax, com um documento falso atribuido a um advogado. Claro que o negócio é nulo; mas se entretanto o bem for transmitido a um terceiro de boa fé, será o cabo dos trabalhos para destruir a confusão.
Uma das maiores bandeiras da propaganda dos últimos governos foi a da informatização dos tribunais.
Trata-se de uma enorme fraude, que veio contribuir, de forma muito grave para o agravamento do estado de falência em que a justiça já se encontrava.
Os sistemas adotados são de um primarismo chocante e de uma absoluta irresponsabilidade no que se refere à gestão dos meios humanos. Porque o processo digital é inconsultável (tem que se ler documento a documento) os processos foram duplicados: um processo digital e um processo de papel, ocupando-se os funcionários com tarefas adicionais de digitalização dos documentos ou de impressão dos documentos digitalizados.
Tudo isso acontece quando já há - ha muito - soluções tecnológicas que permitem folhear o processo digital como se fosse um livro, imprimi-lo na sua totalidade se necessário for e consultá-lo por critérios de busca sofisticados.
Boa parte dos vícios que enformam o sistema são de bem fácil solução. Mas o que vemos é que em cada reforma mais se degrada o sistema, caminhando-se para a sua irrecuperabilidade.
Em jeito de conclusão, aqui ficam alguns conselhos para o próximo ano judiciário:
1. Não acredite nos arquivos públicos. Guarde religiosamente os originais de todos os seus documentos;
2. Peça certidões permanentes de todos os seus imóveis e verifique, ao menos de seis em seis meses, se ainda são seus;
3. Siga atentamente a vida dos seus credores. Se forem empresas, verifique, pelo menos de seis em seis meses, se elas ainda existem.