28 janeiro 2010

Como podem desaparecer discretamente os devedores

Imagine que é credor de uma empresa e que tem uma ação contra ela para a cobrança de uma dívida de valor elevado, que se discute em tribunal. Ou que foi excluido de um sociedade imobiliária, que até tinha património assinalável e espera apenas o desfecho de uma ação judicial para ver reconhecidos os seus direitos.
Imagine que o seu devedor ou os seus sócios, tementes do resultado da ação, paralisaram a empresa.
Quando chegar ao julgamento poderá ter uma surpresa: a de constatar que a sociedade já não existe, porque foi dissolvida, tendo desaparecido por isso, como por mistério, a parte contra quem litigava.
Parece impossivel, mas é verdade.
Já me aconteceu três vezes, a última delas, a última,  com uma sociedade que eu defendia num conjunto de processos tributários de valor muito elevado.
Nem o Estado escapa... Ou talvez seja  mesmo o Estado a principal vítima, sem prejuizo de o «esquema» ser, de facto, excelente para os habilidosos.
Uma das condições para a promoção da dissolução e liquidação pode ser a do não exercício de qualquer atividade durante dois anos, que afinal se pode resumir não a um verdadeiro não exercício mas à simples não apresentação de contas.
Quando o diploma foi publicado. logo concluí que ele era um instrumento fantástico como alternativa à fraude fiscal e que seria usado precisamente para obter o mesmo efeito por meios legais.
Como os processos (todos eles andam muito lentamente), logo se via que podendo a dissolução desenrolar-se de forma expedita, se corria o risco de a empresa visada poder desaparecer, perdendo a sua personalidade jurídica e a personalidade judiciária, antes que os processos judiciais chegassem ao fim.
O quadro atinge o topo da perfeição quando é o conservador do registo predial ou o Ministério Público a promover a dissolução.
Tudo se resolve com duas ou três publicações num sítio da internet que ninguém lê e tudo se desenvolve perante o desconhecimento e a apatia dos interessados, que ninguém convoca diretamente.
Chocante é que esses agentes públicos não cuidem sequer de verificar se a empresa em causa deve dinheiro ao Estado ou à Segurança Social, como se houvesse, ao menos nalguns casos, uma atitude destinada a abafar tais dívidas.
Nunca conseguiu perceber qual era o interesse que justificava que se dissolvesse e liquidasse uma sociedade contra a vontade expressa dos seus sócios, sobretudo qual era o interesse do Estado nas dissoluções.Os arquivos, sobretudo quando eles são digitais, como é o caso, não ocupam espaço.
Só outros interesses - claramente obscuros - justificam esta lei.

17 janeiro 2010

Sigilo profissional dos jornalistas

Meia dúzia de notas em jeito de entrevista a um grupo de alunos da Universidade do Minho:

Encara o sigilo profissional do jornalista como um direito ou um dever dos jornalistas?



- O sigilo profissional do jornalista é essencialmente um direito. Em minha opinião é um direito profissional, com um profundo grau de pessoalidade. É ao jornalista que, em último grau, cabe tomar uma decisão sobre a postura que deve adotar relativamente à manutenção do sigilo.

Não significa isso que seja um direito pessoal, no sentido comum da expressão. E isso porque se trata de um direito instrumental do direitos dos cidadãos à informação.

O direito de sigilo foi instituído para assegurar a proteção das fontes de informação sem a qual aquele direito constitucional dos cidadãos é irrealizável. Secar-se-iam todas as fontes se ele não existisse.

Nesse sentido, o direito de sigilo importa também um dever, que consiste na obrigação de não denunciar as fontes se elas cumpriram a sua função, no quadro do momento da criação jornalística, que antecede, lógica e cronologicamente, o momento da própria expressão e o da divulgação.

O valor predominante em todo este processo é o do direito dos cidadãos à informação, a cuja realização está vinculado o processo da criação jornalística.

Ora se esse valor for ofendido, o jornalista tem o direito de denunciar a fonte; e nalgumas circunstâncias tem mesmo a obrigação de a denunciar, não podendo deixar de o fazer, nalguma situações, se quiser respeitar o referido direito constitucional.

Uma fonte que não cumpre o seu papel, uma fonte que engana é uma fonte inquinada e, por isso mesmo, deve ser descredibilizada.

Vou mesmo mais longe: deveria ser criminalizada a postura das fontes enganosas e deveriam os jornalistas poder constituir-se assistentes no processo, porque são prejudicado pelo engano.





Quando existe um conflito entre o que diz o código deontológico e o que diz a lei em vigor, o que deve prevalecer?



- Não vejo onde possa haver conflitos entre as regras deontológicas e as normas legais. São dois planos normativos completamente distintos. Um deriva do pensamento corporativo e dos princípios que o mesmo consensualiza, num dado momento, para estabelecer limiares e limites para o exercício da profissão. É meramente indicativo.

Outro é imperativo, porque deriva das leis.



Da sua experiência profissional, considera que o sigilo profissional do jornalista constitui uma segurança para as fontes, para o jornalista ou para ambos?



- O sigilo profissional é, essencialmente, uma garantia constitucional do direito dos cidadãos à informação. Ele garante às fontes que forem fidedignas que o jornalista, que o gere, as não denunciará. Mas confere ao jornalista, como gestor desse direito, a liberdade para as denunciar – até no quadro dos processos informativos – se as fontes forem oportunistas, desleais, falsas. Aí sim, nesse plano, cumpre aos jornalista fazer apelo a alguns princípios deontológicos relevantes.



Qual a sua opinião em relação ao desenrolar do caso do jornalista Manso Preto?


- Conheço mal o caso. Li muito apressadamente o livro da Helena de Sousa Freitas, que é uma visão jornalísticas do caso judicial, marcado por uma compreensiva militância. Esse livro não me esclareceu nada mas deixou-me muitas questões por responder.

De uma coisa não tenho dúvidas: os jornalistas não podem fazer com as fontes o mesmo que as polícias fazem com os criminosos e que até já aparece retratado nas telenovelas. Entendo que não é lícita a negociação com as fontes em termos que evitem a produção de informação rigorosa e completa. Aí, pondo-se em causa o bom cumprimento do direito dos cidadãos à informação, o edifício pode ruir… E pode haver razões que justifiquem que um tribunal decida a quebra do sigilo profissional.



Pensa que a Polícia Judiciária e os tribunais usam os trabalhos dos jornalistas para mais rapidamente atingirem os seus objectivos?



- Nós vivemos numa sociedade de informação. É absolutamente natural que tanto as polícias como os tribunais usem e se questionem sobre o que é publicado nos meios de comunicação social.

Não vamos enterrar a cabeça na areia e ocultar uma realidade que é de todos nós conhecida: a recolha da informação policial resulta, em muitas situações, de uma negociação em que o jornalista procura dados adicionais por relação aos que tem e em que a polícia procura o mesmo. Quem não entrar neste jogo não tem informação, correndo o risco de ter que copiar a noticia do concorrente no dia seguinte.

Talvez seja esse um dos campos em que o jornalista tem que fazer maior apelo às regras deontológicas, para não deixar de o ser transformando-se num bufo.