07 dezembro 2009

O direito de resposta não será prevalente sobre o segredo de justiça?

É interessante esta notícia, segundo a qual os advogados de Armando Vara vão pedir ao juiz o levantamento do segredo de justiça, com a alegação de que, com ele não se conseguem esclarecer factos não verídicos que têm vindo a ser difundidos pela comunicação social.
É uma velha questão que ganhou, naturalmente, maior acuidade com o que tem sido difundidos pelos meios de comunicação a propósito do caso «Face Oculta».
Apesar de defender, há muito, o fim do segredo de justiça, que a meu ver só prejudica a investigação e em nada a favorece, entendo que a questão agora suscitada deve ser vista por um outro prisma.
O que é publicado nos jornais ou difundido nas televisões não é, por natureza, protegido pelo segredo de justiça, como não é protegido pelo segredo de justiça o que é informação de que qualquer arguido dispõe e que não adquiriu por acesso ao processo.
Se alguém é atacado na sua honra por uma informação inverídica, suscetivel de afetar o seu bom nome, tem o direito de se defender, recorrendo ao direito de resposta, garantido pela Constituição.
Nenhum tribunal pode suspender a garantia constitucional do direito de resposta nem impôr-lhe nenhuma limitação.
Por isso me parece que o problema do levantamento do segredo de justiça, nos termos em que está equacionado é um falso problema.

05 dezembro 2009

Do Brasil

CARTA PUBLICADA NO ESTADÃO


Carta-resposta de um Juiz ao Presidente Lula publicada no Estadão.

Veja a carta que um juiz colocou no jornal de hoje:

Carta do Juiz Ruy Coppola (2º TAC) .



Mensagem ao presidente!



Estimado presidente, assisti na televisão, anteontem, o trecho de seu discurso criticando o Poder Judiciário e dizendo que V. Exa. e seu amigo Tarso, ministro da Justiça, há muito tempo são favoráveis ao controle externo do Poder Judiciário, não para 'meter a mão na decisão do juiz', mas para abrir a 'caixa-preta' do Poder... Vi também V. Exa. falar sobre 'duas Justiças' e sobre a influência do dinheiro nas decisões da Justiça.

Fiquei abismado, caro presidente, não com a falta de conhecimento de V.Exa., já que coisa diversa não poderia esperar (só pelo fato de que o nobre presidente é leigo), mas com o fato de que o nobre presidente ainda não se tenha dado conta de que não é mais candidato.

Não precisa mais falar como se em palanque estivesse; não precisa mais fazer cara de inconformado, alterando o tom da voz para influir no ânimo da platéia. Afinal, não é sempre que se faz discurso na porta da Volks.

Não precisa mais chorar. O eminente presidente precisa apenas mandar, o que não fez até agora.

Não existem duas Justiças, como V. Exa. falou. Existe uma só. Que é cega, mas não é surda e costuma escutar as besteiras que muitos falam sobre ela.

Basta ao presidente mandar seu amigo Tarso tomar medidas concretas e efetivas contra o crime organizado. Mandar seus demais ministros exercer os cargos para os quais foram nomeados. Mandar seus líderes partidários fazer menos conchavos e começar a legislar em favor da sociedade. Afinal, V. Exa. foi eleito para isso.

Sr. presidente, no mesmo canal de televisão, assisti a uma reportagem dando conta de que, em Pernambuco (sua terra natal), crianças que haviam abandonado o lixão, por receberem R$ 25,00 do Bolsa-Escola , tinham voltado para aquela vida (??) insólita simplesmente porque desde janeiro seu governo não repassou o dinheiro destinado ao Bolsa-Escola ..

Como se pode ver, Sr. presidente, vou tentar lembrá-lo de algumas coisas simples. Nós, do Poder Judiciário, não temos caixa-preta. Temos leis inconsistentes e brandas (que seu amigo Tarso sempre utilizou para inocentar pessoas acusadas de crimes do colarinho-branco) .

Temos de conviver com a Fazenda Pública (e o Sr. presidente é responsável por ela, caso não saiba), sendo nossa maior cliente e litigante, na maioria dos casos, de má-fé.

Temos os precatórios que não são pagos. Temos acidentados que não recebem benefícios em dia (o INSS é de sua responsabilidade, Sr. presidente). Não temos medo algum de qualquer controle externo, Sr. presidente.

Temos medo, sim, de que pessoas menos avisadas, como V. Exa. mostrou ser, confundam controle externo com atividade jurisdicional (pergunte ao seu amigo Tarso, ele explica o que é). De qualquer forma, não é bom falar de corda em casa de enforcado.

Evidente que V. Exa. usou da expressão 'caixa-preta' não no sentido pejorativo do termo.

Juízes não tomam vinho de R$ 4 mil a garrafa. Juízes não são agradados com vinhos portugueses raros quando vão a restaurantes. Juízes, quando fazem churrasco, não mandam vir churrasqueiro de outro Estado. Mulheres de juízes não possuem condições financeiras para importar cabeleireiros de outras unidades da Federação, apenas para fazer uma 'escova'. Cachorros de juízes não andam de carro oficial. Caixa-preta por caixa-preta (no sentido meramente figurativo), Sr. presidente, a do Poder Executivo é bem maior do que a nossa.

Meus respeitos a V. Exa. e recomendações ao seu amigo Márcio.

P.S.: Dê lembranças a 'Michelle'.

(Michelle é cachorrinha do presidente que passeia em carro oficial)



Ruy Coppola, juiz do 2.º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, São Paulo

28 novembro 2009

Da barbaridade do segredo de justiça

Há muitos anos que defendo a eliminação pura e simples do segredo de justiça.

Defendi-a nos tempos em que era jornalista e me cabia, pelo menos uma vez por semana, a missão de «fazer a Judiciária», que consistia em comparecer no briefing diário da Polícia, receber um relatório de eventos policiais, cientificamente filtrados e procurar saber mais, se possível para gerar uma «cacha».

Essa minha experiência ocorreu depois de ter feito um curso de formação no Centre de Formation des Journalistes, em Paris, poucos meses depois do 25 de Abril, onde um prestigiado jornalista, Dominique Pons, nos fez, um dia uma excelente preleção sobre informação policial e nos ensinou algumas técnicas para, a partir da manipulação informativa dos serviços policiais, cumprirmos o essencial do código deontológico dos jornalistas, que consiste na produção de informação rigorosa e completa, a benefício do direito dos cidadãos à informação e no respeito pelos direitos individuais.

Lembro-me, como se fosse hoje, da essência do discurso do Dominique, passados que são trinta e cinco anos. Resumo-a nos seguintes pontos:

1. As corporações, nomeadamente as polícias, têm interesses próprios e um desses interesses consiste em procurar transmitir à opinião pública uma imagem de eficácia corporativa.

2. Essa imagem de eficácia que as polícias procuram transmitir é, por regra, atentória dos direitos individuais das pessoas visadas. As polícias procuram fechar os dossiers com glória antes mesmo dos julgamentos; e, por isso, estão sempre interessadas em condicionar os tribunais por via da opinião pública, porque a condenação é, ela mesma, a prova da sua eficácia e a absolvição a prova do seu fracasso ou do seu abuso.

3. Numa sociedade mediatizada, o réu já chega condenado ao tribunal, porque foi colocado na posição de cabeça de cartaz mas, com alguma crueldade, ele não pode participar na ação mediática que o envolve.

4. O ideal seria que os jornalistas pudessem aceder a todas as fontes. Produzindo informação rigorosa, eles ajudariam os tribunais a reduzir o estresse causado pelo marketing judiciário, melhorando a qualidade da justiça. Não sendo isso possível, porque existe nas nossas jurisdições essa barbaridade do segredo de justiça, o mínimo que se exige dos jornalistas é que questionem os polícias e que questionem a própria opinião pública, suscitando todas as dúvidas que cada casão justificar.

Fiz alguns amigos nessas minhas visitas à Judiciária na qualidade de jornalista, mas não esqueço nem o incómodo com que era vista a minha presença nem o alívio que esses amigos sentiram quando deixei de fazer esse serviço.

Tenho a ideia de que, durante longos anos, os relatórios que as polícias forneciam aos jornalistas eram tratados como uma coisa mais ou menos sagrada, ao ponto de muitos jornais de referência nem sequer mandarem jornalistas aos briefings, pagando uma avença ao homem da Arcada , que, diariamente recolhia os relatórios das policias e dos hospitais e os entregava nas redações.

E lembro-me de que as perguntas que eu fazia nos briefings eram tomadas, sobretudo no princípio, como autênticas heresias, a que algumas vezes era dada uma resposta provocatória do tipo: «Mas o senhor jornalista quer pôr em causa a seriedade da polícia?»

Eu tinha acabado o meu curso de direito uns tempos atrás e isto chocava-me profundamente, porque abalava uma série de princípios em que eu acreditava, mas sobretudo porque naquele curso de Paris nos acordaram para a problemática das lesões que podem ser causadas pela comunicação social na vida dos cidadãos.

O caso mais escandaloso de manipulação policial que conheci foi o que destruiu a imagem e liquidou a carreira política de Edmundo Pedro, quando ele recolhia as armas distribuídas no 25 de Novembro para as devolver ao Exército, tendo sido injetada na comunicação social a notícia de que fora preso num processo em que se misturavam armas com contrabando. Veio a verificar-se mais tarde que era tudo mentira.

Tudo isto porque nós, jornalistas, mesmo que tivéssemos fortes indícios, ou quase certezas de que aquelas informações eram falsas ou, pelo menos, pouco rigorosas, não as podíamos confirmar verificando os processos de que emanavam.

Tanto no que se refere à justiça como à política, fui eu próprio vitima de informação manipulada pelas fontes e acho que esse é um dos maiores dramas de qualquer jornalista. A fonte é credível, a informação é documentada, podendo embora não ser toda a informação. O que fazer, quando certo que uma das regras da imprensa de informação geral consiste em difundir tudo o que seja socialmente relevante?

Um belo dia um membro do Conselho da Revolução entregou-me cópia de uma ata em que se dizia que o general X não seria nomeado diretor da Academia Militar porque tinha sido informador da PIDE. O homem já tinha sido penalizado (porque foi decidido não o nomear) e era para mim duvidoso o interesse da notícia, que me parecia destinada, apenas, a denegrir a imagem do cavalheiro. Mas o meu chefe de redação, o saudoso Artur Alpedrinha exigiu que a notícia se fizesse, porque era uma cacha: «Então tu tens uma chacha dessas, dada por um conselheiro da revolução e não queres publicar? És tolinho ou quê?...»

Uns anos mais tarde, já tinha abandonado o jornalismo, defendi o jornalista Albino Ribeiro Cardoso num processo crime que lhe foi movido por Duarte Lima, por causa de uns escritos no «Tal & Qual» que liquidaram a carreira daquele político, porque estavam extremamente bem documentados. Rigorosamente o mesmo drama; o jornalista tinha recebido, de um alto responsável, pessoa da maior credibilidade que era companheiro de partido de Duarte Lima, um dossier absolutamente comprometedor, que não podia ficar escondido, ainda à partida pudessem avaliar-se as suas consequências. Quando, mais tarde, tivemos a oportunidade de analisar o processo que continha esses documentos, concluímos que era apenas uma parte dos documentos, razão porque aquilo que, na altura foi um escândalo, tivesse ficado em águas de bacalhau. Mas o político Duarte Lima foi destruído, porque o jornalista viu impedida a sua investigação pelo famigerado segredo de justiça.

Quando passei a exercer a advocacia apercebi-me do verdadeiro sentido e alcance do segredo de justiça. Na maior parte dos casos com impacto mediático em que participei como advogado, quando esperava encontrar peças bombásticas nos processos, verifiquei que as montanhas pariram ratos.

Muito cedo cheguei à conclusão que o segredo de justiça não tem nenhuma utilidade para a investigação e que, bem pelo contrário, serve apenas para facilitar a negligência investigatória e permitir exercícios de puzzling, geralmente de tão má qualidade que acabam, depois, por ser desmascarados nos julgamentos.

Tenho, para mim, a convicção de que a investigação jornalística é, por regra, muito mais séria do que a investigação policial e que isso não decorre da maior seriedade dos jornalistas por relação aos polícias mas do simples facto de os jornalistas, trabalhando embora sob pressão maior do que a dos polícias, serem mais facilmente desmascarados e, sobretudo, responsabilizados.

Um jornalista que acuse alguém da prática de um crime que esse alguém não cometeu está, à partida, condenado a indemnizar, se o lesado propuser contra ele a devida ação judicial. Mas se um polícia ou um agente do Ministério Público acusar alguém da prática de um crime que não cometeu, destruindo completamente a vida dessa pessoa, sem que tenha fundamento sério para deduzir a acusação, não acontece nada, porque é praticamente impossível obter a sua condenação.

É muito frequente constatar, em processos muito mediatizados, que no momento em que foram soltas determinadas notícias, elas não tinham o mínimo fundamento e que, nalguns casos, foram meras construções de comunicação, adequadas a condicionar depoimentos futuros.

A verdade é que nunca se encarou este problema a sério, pela simples razão de que há interesses antinómicos entre a justiça e a comunicação social. Enquanto esta última sempre viveu e continua a viver da notícia, que é o espelho do dia a dia, morrendo as notícias no próprio dia em que nascem, a justiça trabalha a prazo, produzindo as suas mensagens próprias num momento em que a notícia já morreu, mas condicionou, de forma geralmente irremediável e quase sempre parcial, a memória coletiva.

Penso que o fim – absoluto e total – do segredo de justiça beneficiaria a própria justiça e a comunicação social. E nem sequer há hoje razões técnicas que justifiquem a manutenção do segredo. Tudo pode ser facilmente editado na Internet, de forma a que seja visível por todos os da cidade, sem que com isso perca qualidade a investigação. Bem pelo contrário.

Beneficiaria a justiça, porque a factologia em investigação seria questionada de forma muito mais viva a rigorosa pela comunicação social, perspetivando-se quadros mais amplos de conhecimento, de que só beneficiaria a verdade. Beneficiaria a comunicação social, porque ganharia credibilidade, deixando de ser aquilo em que se transformou hoje: um lençol promíscuo onde o marketing judiciário lança, de forma absolutamente filtrada o que lhe convém.

O argumento de que a completa transparência prejudicaria a descoberta da verdade é um argumento completamente falacioso, porque, como é sabido nenhum depoimento vale para além da acusação e todos eles (desde os dos arguidos até aos das testemunhas) só têm eficácia para suportar o juízo final se forem produzidos em sede de julgamento público.

O que temos hoje é um sistema absolutamente selvagem, que degrada tanto a justiça como a comunicação social. A justiça porque perde toda a credibilidade quando se demonstra, em boa parte dos casos, que afinal era tudo mentira ou, pelo menos, o trabalho de base, que é o da investigação estava tão mal feito que os próprios tribunais concluíram não haver fundamento para incriminação. A comunicação social porque, não podendo esconder o que é noticia, é usada para destruir pessoas a quem, por causa do dito segredo, é recusado, inclusivamente o direito de resposta.

Esse é, talvez, o aspeto mais bárbaro do quadro. As televisões repisam de meia em meia hora a notícia de que A ou B cometeram um crime, os jornais publicam-lhe as fotografias e todos os detalhes que se «soltam» dos processos e os visados não podem responder pelas mesmas vias, porque tal é impedido pelas normas reguladoras do segredo.

Só quem não percebe os mecanismos mais elementares da comunicação de massas pode ficar indiferente a esta barbaridade que consiste em um cidadão ser acusado hora a hora na praça pública e não poder defender-se nela, desmentindo, esclarecendo, levando para a praça pública dados que contradigam as mensagens negativas com que o massacram.

O segredo de justiça funciona, nesse quadro, como um mecanismo de absoluta denegação do direito de defesa, neste outro canal que, por regra é muito mais importante do que o da justiça. É que na justiça ainda é possível a um sujeito defender-se, em conformidade com os seus próprios ritos. Mas as regras da comunicação são outras e ou é reconhecido ao sujeito o direito de se defender imediatamente e sem nenhumas limitações ou ele sofrerá danos irreparáveis, acabando por ser condenado pela opinião pública, de forma irreversível.

Isto é especialmente grave porque é impossível chegar alguma vez a descobrir onde está a face oculta da justiça e que interesses estão por detrás dela. Na verdade, o que todos sabemos, da experiência de anos, é que o segredo de justiça está na lei mas há como uma mão invisível, de alguém com face oculta, que aproveita esse segredo para manipular a comunicação social, em termos cada vez mais sofisticados.

14 novembro 2009

Começaram a comer-se uns aos outros...

Parece que os da justiça começaram a comer-se uns aos outros.
Até agora tudo o que foi disponibilizado para os jornais procurava criar na opinião pública a ideia de que há um polvo político a minar o país.
Pela primeira vez surge uma insinuação direta de que há juizes metidos nas mesmas maroscas.
Por cada um que sair ou for desclassificado, há outro à espera de subir.
Alguém ganha sempre alguma coisa com a destruição de que lhe está acima.

Cito o Público:

Uma das certidões extraídas pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Aveiro, no âmbito do processo Face Oculta, pretende esclarecer como é que o empresário Manuel José Godinho soube antecipadamente do resultado de um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que absolveu uma das suas empresas, a O2 - Tratamentos e Limpezas Ambientais, SA. A Procuradoria-Geral da República recebeu a certidão (cópias de certas partes de um inquérito que não estão relacionadas directamente com o objecto da investigação) no final de Outubro e deverá remetê-la para os serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, já que o caso envolve juízes desembargadores.
Os mandados do processo Face Oculta referem uma escuta telefónica de 5 de Junho deste ano, entre Manuel José Godinho, presidente da empresa O2 e o vice-presidente do BCP, Armando Vara, que suspendeu funções após ter sido constituído arguido neste processo.
Nesta intercepção, Godinho comunica a Vara que ganhou a acção contra a Refer no Tribunal da Relação, respondendo-lhe Vara que seria melhor esperar pelo conhecimento público da decisão para começarem a agir.
A conversa aconteceu quatro dias antes de o acórdão ter sido assinado por três juízes desembargadores, a 9 de Junho. Esta decisão revogou a sentença do Tribunal de Macedo de Cavaleiros, de 17 de Dezembro, que condenou a O2 a pagar 105 mil euros à Refer por ter levantado sem autorização milhares de metros de carris da Linha do Tua, um caso que ficou conhecido como Carril Dourado. A prescrição esteve na base da decisão da Relação do Porto, que considerou que quando a Refer - Rede Ferroviária Nacional recorreu a tribunal já tinha prescrito o direito de ser ressarcida.
A normalização das relações comerciais com a Refer, que terá sido o principal fornecedor da O2 entre 2004 e 2006, é uma preocupação constante de Godinho ao longo dos vários meses em que foi escutado.O semanário Sol adianta que o empresário das sucatas sabia que vencera na Relação do Porto 15 dias antes da decisão ser tornada pública. Isto porque Manuel José Godinho terá contactado um dos vários advogados que acompanharam o caso anunciando-lhe que prescindia dos seus serviços, uma vez que já sabia que a decisão da Relação lhe era favorável.
A conversa terá ocorrido 15 dias antes da assinatura do acórdão. Questionado pelo PÚBLICO sobre se alguma das certidões do processo Face Oculta envolvia suspeitas sobre magistrados judiciais, a Procuradoria-Geral da República nada respondeu. Segundo explicou ao PÚBLICO um magistrado do STJ, normalmente todos os anos são abertos entre duas e três dezenas de inquéritos que têm como alvo juízes desembargadores ou procuradores-gerais adjuntos. A grande maioria tem por base queixas-crime de cidadãos e só raramente estes resultam em acusações formais.
Ontem à tarde o procurador-geral da República, Pinto Monteiro, esteve reunido com o procurador-geral distrital de Coimbra, que tutela o DIAP de Aveiro, que foi a Lisboa entregar em mão a informação complementar relativa a três certidões com conversas entre Armando Vara, escutado no âmbito desta investigação, e o primeiro-ministro, José Sócrates, ouvido fortuitamente.
Os dados foram solicitados pela PGR na semana passada. Estas certidões eram complementares às duas primeiras que chegaram à PGR, em 26 de Junho e 3 de Julho, respectivamente. As duas primeiras já foram objecto de um despacho da parte de Pinto Monteiro e de outro do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, que terá declarado nulas as escutas. Uma certidão final sobre as conversas de Vara e Sócrates foi recebida por Pinto Monteiro a 30 de Outubro.
A matéria e os intervenientes das restantes três certidões que foram enviadas ao procurador-geral da República em finais de Outubro não são ainda conhecidos.

Onde está a outra Face Oculta

Parece que esta coisa não tem apenas uma face oculta, mas várias.
O processo judicial - em tudo estranhíssimo - começa a dar melhores sinais de si.
Estranho, desde o início, a qualidade da gestão do que é, cuidadosamente, colocado na palete em que se abastecem os jornalistas.
Sei como é. No meu tempo dos jornais fiz, durante anos, primeiro em Coimbra e depois em Lisboa, esse trabalho de recolha de informação junto das polícias e concluí, muito cedo, que só nos davam o que queriam e não tudo o que importava para informar o público.
A gestão da informação policial ou judicial é feita, naturalmente, segundo os critérios de quem a tem e de acordo com os seus interesses, para atingir os objetivos que pretende.
Veja-se o que vem hoje no Público:
«Ontem à noite em entrevista à SIC/Notícias, Augusto Santos Silva, falou sobre a "escuta sistemática ao longo de meses em flagrantíssima violação da lei" ao primeiro-ministro que terá sido capaz de produzir 52 cassetes. Subscrevendo as críticas do ministro Vieira da Silva, o ministro da Defesa considerou que "a expressão espionagem política pode aplicar-se" neste processo.
O processo Face Oculta está hoje na primeira página de todos os jornais. Em declarações ao Expresso, Pinto Monteiro mostra-se disponível para revelar as escutas feitas no âmbito do caso Face Oculta alegando que "neste processo está a misturar-se política com Justiça" e, por isso, é urgente "acalmar tudo".
No mesmo jornal, o procurador-geral da República defende que "os políticos devem regular o segredo de Justiça, acabando com ele ou mudando a lei".
Já a manchete do Correio da Manhã refere que, no âmbito do processo Face Oculta, José Sócrates é suspeito de crime grave. "A conclusão do Ministério Público de Aveiro aponta para crime que prevê até oito anos de prisão. Em causa, segundo magistrados, está a manipulação da Comunicação Social", refere o diário.
Por fim, o Jornal de Notícias avança que o presidente do Supremo Tribunal mandou destruir todas as escutas a José Sócrates. A decisão de Noronha do Nascimento, diz o jornal, terá sido acelerada pela reacção do primeiro-ministro a últimas fugas de informação.»
Parece que está toda a gente baralhada, mas não deixa de ser interessante que o procurador-geral assuma com toda a clareza que neste processo (ou seja dentro do processo) se mistura justiça com política.
Percebe-se isso desde o princípio.
Vamos ver como serão os negócios das contra-partidas. Como no material de guerra...

Caso Freeport à beira do encerramento

Escreve o Público na sua edição de hoje:

«As investigações no âmbito do processo Freeport que já foram encerradas pelas autoridades britânicas estão também a terminar em Portugal, disse ao PÚBLICO o procurador-geral da República. O relatório final sobre o processo já começou a ser elaborado pelos investigadores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e, no máximo, até ao princípio do próximo ano deverá existir uma decisão sobre o caso: arquivamento ou acusação.
Por falta de indícios suficientes para avançar com uma acusação, os ingleses decidiram dar por findo o processo autónomo que abriram, há dois anos, em Inglaterra. Precisamente por se tratar de uma investigação autónoma, esta decisão não condiciona o processo português que envolve o nome do primeiro-ministro, no âmbito do qual têm ainda de ser realizadas algumas diligências.
Segundo a principal responsável pela investigação, a procuradora-geral adjunta e directora do DCIAP, Cândida Almeida, um dos principais motivos que explicam a lentidão deste processo de suspeita de corrupção no licenciamento do Freeport, que se arrasta há cinco anos, é a complexidade relacionada com a identificação dos percursos dos fluxos financeiros pertencentes ao complexo comercial em Alcochete. As diligências que faltam em Portugal estão precisamente ligadas ao esclarecimento sobre esses movimentos financeiros, motivo que já levou, por diversas vezes, os inspectores da Polícia Judiciária de Setúbal e os procuradores do Ministério Público a Londres. Os procuradores titulares deste processo, Paes de Faria e Vítor Magalhães, aguardam ainda elementos sobre a circulação do dinheiro, que foram solicitados às autoridades britânicas.O encerramento do processo em Inglaterra foi decidido pelo Serious Fraud Office (SFO) e pela Overseas Anti-Corruption Unit que, num comunicado divulgado ontem, informa que a investigação, apoiada pela Polícia de Londres, "foi encerrada". No mesmo comunicado, a SFO compromete-se, no entanto, "a continuar a dar assistência que for requerida pelas autoridades portuguesas através de assistência legal mútua".
Foi a primeira vez que esta agência governamental britânica, que investiga os casos de fraudes financeiras complexas, se referiu publicamente ao caso Freeport. O principal arguido do processo, Charles Smith, que esteve envolvido no licenciamento do Freeport, terá já sido informado de que a sua inquirição marcada para Dezembro em Londres foi cancelada. Além de Smith, estavam a ser investigados pelo SFO, Sean Collidge, ex-presidente do grupo Freeport, os antigos administradores Gary Russell, Jonathan Rawnsley e Rick Dattani e o consultor William Mckinney Junior. Não foram reunidos elementos suficientes para os incriminar neste processo. Em Portugal, são arguidos, além de Charles Smith, Carlos Guerra (ex-presidente do Instituto da Conservação da Natureza), José Dias Inocêncio (antigo presidente da Câmara de Alcochete), José Manuel Marques (antigo assessor da autarquia), Manuel Pedro (sócio de Charles Smith na empresa Smith & Pedro) e Eduardo Capinha Lopes (responsável pelo projecto de arquitectura).
Paralelamente, terminaram também já as inquirições no âmbito do processo disciplinar ao presidente do Eurojust (organismo europeu de cooperação judiciária), Lopes da Mota, acusado de pressionar os procuradores do processo para o arquivar.
É o desfecho natural de um processo que tem uma marca essencialmente política e que, portanto, cumpriu a sua função, que mais não foi do que introduzir elementos novos (perturbadores), que são vantajosos para uns e prejudiciais para outros, no debate político, ou melhor, na luta pelo poder.
É por demais óbvio que as autoridades policiais sabem hoje tudo sobre o percurso dos dinheiros, ou não tenham as policias um elevadíssimo nível de perfeição quando se trata de apurar coisas importantes. Só que o que move estes processos não é, por regra, o interesse na descoberta da verdade, visando uma incriminação, mas o ajuste das pedras no jogo do poder.
Aquilo que é crime, quando o arguido é um cidadão vulgar, deixa de o ser - às vezes até é virtude - quando se lida com um agente político ou económico de peso, jogando-se noutro tabuleiro com outras contrapartidas.
Tudo isto teve o seu auge, afinal, quando os homens da CIA compraram o outlet e apareceram, como ingénuos, a dizer que faltava dinheiro. Por acaso, o governo até mudou de opinião relativamente à localização do aeroporto, depois de se ter dado como certo que ele seria na Ota e não em Alcochete.
Faltam muitas peças para compor o puzzle.
Mas este jogo é outro, claramente.

11 novembro 2009

Marinho no «meio-termo»

António Marinho defendeu, agora, na televisão, a isenção de pena do corruptor ativo.
Boa malha... É meio caminho andado para a transparência, desde que se preveja a punição do corruptor ativo por denúncia caluniosa se mentir.

05 novembro 2009

O caso Vara

Já não escrevo aqui há muito tempo, não porque a Justiça tenha mudado, mas porque repisar na sua falência não passaria e repisar.

Volto com o «caso Vara» porque me cheira que há qualquer coisa de muito estranho neste caso.

Antes de tudo, há, claramente, uma campanha de imprensa, que, com intenção ou não, já liquidou quem foi um dos homens de maior sucesso do Portugal o Século XXI.

Conheci Armando Vara, há uns anos, quando pertenci ao Partido Socialista.

Nunca privei com ele, guardando da pessoa a imagem de um homem pouco culto mas muito pragmático, determinado e ambicioso.

Segui-lhe, depois, a carreira. E ele é um dos exemplos reais de uma tese que venho maturando e que um da há-de dar um livro. Em política e nesta sociedade não é preciso ser competente nem sério para ter sucesso; é preciso, apenas, ser ousado e não ter grandes preconceitos.

Quem o tem perde os amigos, acaba isolado e fica a falar sozinho, como eu, que, sendo uma pessoa bem disposta, sou havido como pessoa de mau feitio.

Não gosto da palavra «corrupção» porque, nomeadamente no plano jurídico, ela importa um conteúdo tão difuso que choca a minha sensibilidade.

A corrupção é assim equadrada no Código Penal:


Artigo 372º. Corrupção passiva para acto ilícito..
1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

2 - Se o agente, antes da prática do facto, voluntariamente repudiar o oferecimento ou a promessa que aceitara, ou restituir a vantagem, ou, tratando-se de coisa fungível, o seu valor, é dispensado de pena.

3 - A pena é especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis.


Artigo 373º. Corrupção passiva para acto lícito.
1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão não contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

2 - Na mesma pena incorre o funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial de pessoa que perante ele tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções públicas.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto na alínea b) do artigo 364.º e nos n.os 2 e 3 do artigo anterior.


Artigo 374º. Corrupção activa.
1 - Quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida, com o fim indicado no artigo 372.º, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.

2 - Se o fim for o indicado no artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto na alínea b) do artigo 364.º


Depois tem o artº 377º que diz assim:


Artigo 377º. Participação económica em negócio..
1 - O funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, é punido com pena de prisão até 5 anos.

2 - O funcionário que, por qualquer forma, receber, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial por efeito de acto jurídico-civil relativo a interesses de que tinha, por força das suas funções, no momento do acto, total ou parcialmente, a disposição, administração ou fiscalização, ainda que sem os lesar, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.

3 - A pena prevista no número anterior é também aplicável ao funcionário que receber, para si ou para terceiro, por qualquer forma, vantagem patrimonial por efeito de cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento que, por força das suas funções, total ou parcialmente, esteja encarregado de ordenar ou fazer, posto que não se verifique prejuízo para a Fazenda Pública ou para os interesses que lhe estão confiados.


O artº 386º estabele quem é equipado a funcionário, nos termos seguintes:


1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.

2 - Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.
3 - São ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 372.º a 374.º:
a) Os magistrados, funcionários, agentes e equiparados da União Europeia, independentemente da nacionalidade e residência;
b) Os funcionários nacionais de outros Estados-membros da União Europeia, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português;
c) Todos os que exerçam funções idênticas às descritas no n.º 1 no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português.

d) Todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos.
4 - A equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial.


Lidas as linhas e as entrelinhas, mesmo sem análise de minúcia, é forçosa a conclusão de que não há corrupção desde qe não haja funcionário ou equiparado no circuito.

A meu ver, a li foi meticulosamente preparada, de forma a evitar que os políticos possam alguma vez ser punidos, façam o que façam e obtenham os benefícios que obtiverem.

O conceitos são simultaneamente densos e difusos e qualquer refexão séria sobre eles conduz a uma multplicidade de saídas que torna praticamente impossivel a punição de qualquer desses quadro a que, genericamente, se apôs o rótulo.


Mal feito fora se os fazedores das leis, que tão cautelosos foram na defesa das suas reformas, criando para si regimes excecionais, não se precavessem da hipótese de parar na cadeia em razão de um qualquer desses desvios institucionalizados.


Uma coisa é a ideia que o comum dos cidadãos tem da «corrupção» e do «tráfico de influências».

Outra, completamente diferente, é a realidade.


Por isso mesmo defendo, há muito tempo, que tanto a corrupção como o tráfico de influências sejam descriminalizados e subsituidos por um regime legal que force a transparência de todos os comportamentos que sejam considerados eticamente censuráveis.



25 maio 2009

O show Marinho - Manuela Moura Guedes

Imperdível espectáculo em que se transformou uma entrevista de Marinho Pinto a Manuela Moura Guedes.
Pode consultar-se em http://www.youtube.com/watch?v=5K_F53MXVrc .
A reaccção corporativa veio logo a seguir, de Mário Crespo, no Jornal de Noticias.
Ver em http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=M%E1rio%20Crespo .

01 abril 2009

A sorte de Sócrates

O DVD apresentado ao país pela TVI é importantíssimo para José Sócrates.
Tem-se dito muito asneira sobre a matéria, mas ainda ninguém disse que o DVD é falso.
O documento foi difundido, como não podia deixar de ser, segundo as boas regras do jornalismo, depois de a estação ter verificado a sua autenticidade.
O primeiro-ministro é acusado por duas pessoas de ser corrupto, num quadro em que essas pessoas justificam o destino de dinheiros que lhes confiaram.
De duas uma: esses indíviduos ou se apropriaram do dinheiro ou o entregaram a alguém. Se não provarem que o entregaram a alguém, terá que se concluir que se apropriaram dele, porque é esse o ensinamento da experiência da vida, desde os tempos bíblicos.
A história das «entregas» é tão descabelada que indicia, de forma razoável, que não passa de uma desculpa. Ninguém, que obteve um favor de um ministro que deixou de o ser, vai continuar a dar-lhe dezenas de milhar de euros, durante meses, aos bochechos, em abono de uma moral que contradiz o negócio imoral subjacente.
Mas isto não chega para a defesa de José Sócrates.
Os actores do DVD acusam-no de ser corrupto e de a seu mando terem entregue uma elevada quantia a um familiar seu.
As afirmações, nos termos em que foram feitas, constituiem, integram, indiscutivelmente, a prática de um crime de difamação, previsto e punível pelo artº 180º do Código Penal, que dispõe o seguinte:
Artigo 180º. Difamação..
1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
O primeiro-ministro deveria ter apresentado imediatamente queixa contra os indivíduos que o acusam de corrupção, forçando-os, por tal via, a retratar-se ou a requerer a prova da verdade do que afirmam.
Tratando-se de um crime particular, não pode ninguém fazê-lo por si e a omissão ou o adiamento pode ter um efeito politicamente perverso.
Nestas coisas não basta ameaçar que se vai apresentar queixa. Ou a mesma é apresentada imediatamente, ficando o queixoso da posição de exigir uma investigação urgente ou o anúncio vira-se contra o próprio anunciante.
Um processo deste tipo pode ter um desfecho muito rápido e tem a grande vantagem de poder ser controlado pelo próprio queixoso-assistente, em vez de o ser, exclusivamente, pelo Ministério Público.
Se não tem fundamento o que consta do DVD, é uma queixa que se prepara em duas ou três horas e que, pela sua natureza, obrigaria o Ministério Público a ouvir imediatamente as pessoas em causa que, em bom rigor, só podem defender-se por uma de duas vias: ou se retratam e assumem que desviaram o dinheiro, ou apresentam provas de que o entregaram a alguém, a mando do primeiro-ministro.
É, por isso mesmo, muito estranho que José Sócrates, depois de ter anunciado imediatamente que iria apresentar queixa, não avance com a iniciativa e deixe passar o tempo, em termos que só o desfavorecem.

28 março 2009

As gravações do caso Freeport

A TVI difundiu ontem a famosa gravação de uma conversa em que Charles Smith, sócio da Smith & Pedro afirma que José Sócrates “é corrupto” e que lhe foi entregue elevado montante de dinheiro, através de um primo, para que ele aprovasse o projeto Freeport.
Ouvindo atentamente a gravação, fica-se com a ideia de que Smith invoca a «corrupção» como forma de prestar contas relativas a elevados montantes de dinheiro que lhe foram entregues.
Esta gravação inverte o sentido das suspeitas virando-as para Smith e os seus companheiro que, tendo recebido o dinheiro, ou provam que o deram a alguém ou terá de concluir-se que ficaram com ele.
Não merece nenhuma credibilidade a história de que, resolvido o problema, continuaram a pagar durante dois anos, em tranches de 2 ou 3 mil.


Som do DVD ...

27 março 2009

Homenagem a António Marinho Pinto

A primeira das atribuições da Ordem dos Advogados é a de «defender o Estado de direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da justiça».
O bastonário António Marinho Pinto escreveu um artigo notável na revista da Ordem. As eminências pardas da comunidade jurídica passaram o dia num vergonhos exercício de branqueamento da grande questão que nesse artigo se suscita e que é a de saber se é admissível que as polícias organizem a feitura de cartas anónimas para iniciar investigações.
Uma vergonha...

Artigo de Marinho Pinto na Ordem dos Advogados

24 março 2009

A selva do futebol

Sei muito pouco de futebol.
Gosto de ver um bom jogo e tenho uma noção minimamente rigorosa dos princípios que marcam a atividade desportiva.
Não consigo - por isso mesmo - perceber como é possível um árbrito assumir, de forma inequívoca - um erro que conduziu a um resultado tão importante como a vitória na final num campeonato e que fique tudo na mesma.
Chocou-me ver o treinador do Sporting chamar ladrão ao árbrito, por linguagem gestual. Mas quando vi a repetição das imagens, não pude deixar de considerar esse gesto como uma reacção natural ao que ali aconteceu.
As imagens mostram, entre outras coisas, que no lugar em que estava, o árbitro não poderia ter visto a infração que assinalou.
Se não tivesse havido aquele penalti - ilegal, porque não houve infracção - e se não tivesse havido uma expulsão, chegaríamos ao fim dos noventa minutos com uma vitória do Sporting, pelo que não seria necessário desempatar por remates de grande penalidade.
Um raciocínio jurídico simples conduz-nos à conclusão de que, sendo nula a marcação da falta, teria que considerar-se nulo o seu resultado e, desde logo, nulas as marcações complementares.
O que significa que tudo isto se deveria ter reparado, de forma civilizada, declarando-se o resultado natural do jogo sem essas anormalidades, ou seja a vitória do Sporting sobre o Benfica por um a zero.
O que eu não consigo compreender é que o resultado da marcação ilegal de uma falta possa ser validado depois de o próprio árbrito ter afirmado que errou.
Isto é uma barbaridade total, com efeitos muito nefastos na sociedade. E é a total negação da dignidade do espectáculo desportivo, onde parece que vale tudo...
Se a justiça comum está falida, a desportiva não existe.

02 março 2009

Guerras de alecrim e manjerona

Sob o título de «PORTUGAL, A JUSTIÇA, A ORDEM E A ADVOCACIA – AINDA HÁ ESPERANÇA DE FUTURO?» publicou o presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, no sítio do dito, este extenso relambório:


Discursou-se muito no dia da abertura do ano judicial. Disse-se, porém, muito pouco de concreto. Entretanto, o circo mediático da justiça louca, desnudada e maltrapilha assolou o país.
É necessária a reforma do Estado. E premente a ultrapassagem da crise da Justiça. É urgente a intervenção, a refundação e a unidade da Ordem para o restabelecimento do prestígio perdido.
É emergente parar com as atoardas. Com as especulações. Com as generalizações. E com as suspeitas. É emergente alterar o estado lastimoso a que chegou a nossa investigação criminal. Um passador. Uma peneira furada. E é imprescindível repensar as garantias do exercício da Advocacia. Porque nem sempre vale tudo.
Estamos mergulhados numa crise sem precedentes. Actuamos num mundo global. Vivemos numa época de convulsão, de modernidade e de inovação. Em que uns acham que vale tudo. Em que não há limites nem fronteiras. Em que nem a lei se cumpre…
A reforma do Estado passa por um novo paradigma de actuação dos seus agentes. Em que a lei seja, de facto, para cumprir.
A Justiça só se prestigia pela sobriedade dos seus procedimentos e pela qualidade das suas decisões, pelo justo reconhecimento da sua autoridade e pela resposta calma, mas corajosa, serena, mas firme, e legítima, mas efectiva, aos problemas concretos.
Se a máquina judiciária e os profissionais do foro são parte do problema não serão nunca parte da solução.
Não são suficientes o desassombro, a determinação, a decisão, a ambição, a competência e o empenho, reclama-se, também, contenção, racionalidade, diálogo, humildade, isenção e seriedade.
Não basta, pois, a palavra, exige-se o exemplo.
Há mundo, muito mundo, para além das headlines dos jornais e dos holofotes das televisões. Para além dos responsáveis da justiça, dos dirigentes da administração, dos notáveis dos partidos e dos arrufos mediáticos.
Há pessoas válidas na sociedade e nas instituições, desde logo também nas instituições não partidárias. Há que redefinir os actores principais da democracia. E esses são, também, os cidadãos e as instituições da sociedade civil. Não, apenas, algumas pseudo elites, os segmentos dominadores dos partidos ou as cabeças escondidas de alguns dos grupos económicos dominantes.
Temos, pois, que dotar os Cidadãos, as Ordens e as associações profissionais de reais poderes de intervenção na profissão, na justiça, na economia e na sociedade. E, em especial, há que fazer retornar o prestígio e a autonomia às instituições e, em concreto, retomar o lugar da Ordem dos Advogados no processo legislativo e decisório e na resolução dos principais problemas em matérias relacionadas com a administração e a justiça.
O exercício da advocacia não se limita à mera prática dos actos próprios da advocacia. Com maior ou menor qualidade. Mas sem maniqueísmos. Ou quaisquer pré-juízos.
Não tem o mínimo sentido exigir o fim da auto-regulação quando são os Tribunais a ter, sempre, a última palavra. Como não colhe o argumento seráfico da bondade da advocacia pública. Mais funcionários? Mais Estado? Mais dependência? Mais nepotismo? Claro que não basta reagir a mal às pretensões. Ou gritar mais alto, sem consequências, ou calar, sem coragem, enquanto outros sofrem e gemem.
É imprescindível ser proactivo nas acções em prol da justiça, da legislação, da igualdade e da plena cidadania. Lutar contra os hábitos arreigados, as leis injustas e defender as alterações necessárias. Actuando certeira e cirurgicamente. Sem berros e sem generalizações. Mas com soluções concretas e respostas para o dia seguinte.
E aí a Ordem dos Advogados deve ter, tem que ter, um papel fundamental. Mas sério. E institucional. Assim queira e possa!
Em concreto, o signatário não pode nem quer calar a sua revolta perante o clima de generalizada suspeição sem que uma palavra de rigor – e um basta! - se ouça de quem tem responsabilidades… e as não assume. Não basta dizer que não há suspeitos quando se lançam suspeições. A mancha já está disseminada. E é de difícil, senão de impossível, limpeza ou remoção.
É irrazoável, absurdo mesmo, falar em “terrorismo de Estado” ou em “mandados em branco”. Mas já não seria se se dissesse que são insuficientemente fundamentadas e desproporcionadas algumas decisões judiciais de intromissão em alguns escritórios de advogados. E quais e porquê. Obviamente em sede própria.
Todos concordamos que “nada justifica que alguém goze de especiais privilégios na aplicação da justiça”, mas já todos duvidamos de que “clara e inequivocamente… todos são iguais perante a lei”. E sobretudo temos sérias dúvidas de que a lei se cumpre sempre e, claro, sempre de forma isenta e sem olhar a quem…Não basta dizer que se investiga “sob a câmara escura de um segredo de justiça” quando a todos é escancarada de forma abjecta um conjunto de investigações e intromissões que deviam estar devidamente resguardadas até haver um mínimo de certeza sobre a existência ou a ausência de suspeitas fundadas, de crimes ou de indícios de factualidade típica.
Não é realista dizer que os magistrados “não se deixam influenciar, sugestionar, impressionar” por campanhas de desinformação. As pessoas são humanas e errar é também próprio da humanidade.
Se para uma justiça melhor, é necessário legislar melhor, também menos certo não é que para uma justiça razoável é necessário recato e bom senso. E estas raras qualidades não abundam, bem pelo contrário!
Será uma crise conjuntural? Ou uma loucura temporária? Ou, pior, será já o resultado de uma incapacidade estrutural? Uma crise sem precedentes? Ou um estado de demência social? Há esperança? Haverá futuro? Ou tão-só um presente (muito) envenenado?

Carlos Pinto de AbreuPresidente do CDL

O meu comentário é só este: isto bateu mesmo no fundo... Sem comentários.

31 janeiro 2009

O massacre de Sócrates (IV)

Havia um advogado em Lisboa que, há alguns anos, afirmava, de forma séria aos seus clientes que tinha grandes hipóteses de pôr termo à prisão preventiva dos mesmos por via do suborno dos juizes.
Explicava ele que os conhecia a todos muito bem e que todos gostavam de dinheiro, divergindo apenas na flexibilidade com que encaravam os processos. Para o efeito, pedia 10.000 contos aos presos, dizendo que 5.000 eram para o juiz e os outros 5.000 para ele próprio, que corria o risco inerente à abordagem do assunto com o magistrado. E devolvia os 5.000 destinados ao juiz, quando a prisão preventiva não era suspensa e o preso era levado, nessa condição, a julgamento.
Nunca ninguém saberá ser era verdade o que afirmava o advogado, se nalgum caso ele corrompeu efectivamente algum juiz, ou se, pura e simplesmente tudo não passava de um golpe que permitia ao causídico ganhar 10.000 contos naqueles casos em que, mercê da sua acção processual, conseguia pôr termo à prisão.
A verdade, porém, é que os clientes libertados acreditavam que o sucesso se devia à corrupção dos juizes, que pode não ter acontecido.
O mesmo tipo de prática é conhecido relativamente a um sem número de pessoas que invoca influências para resolver processos administrativos, a troco de dinheiro que diz ser para o presidente, o vereador ou o funcionário administrativo. Isso é muito comum e nunca se sabe qual o destino do dinheiro.
Tenho para mim que, na maior parte das situações, os intermediadores ficam com a massa para eles próprios, não a distribuindo por ninguém.
Pode ter ocorrido uma situação dessas no caso Free Port, não se podendo excluir a hipótese de os intermediários que negociaram o licenciamento terem pedido elevados montantes ao investidor, alegando a necessidade de corromper os membros da administração e do governo, com a intenção de enriquecerem eles próprios.
Só é possivel descobrir a verdade, seguindo o circuito do dinheiro e questionando quem o movimentou.
Se os fundos foram entregues a A e A os colocou na conta B terá ele que justificar porque o fez. E se os fundos sairam da conta B, indispensável se torna saber para quem sairam, devendo ser perseguidos até ao seu destino.
Isto não é assim tão dificil e eu estou convicto de que neste momento alguém já sabe de tudo. Os eficazes serviços secretos ingleses - o MI5 - de certeza que o sabem.
José Sócrates pode estar inocente, mas será muito difícil resistir politicamente ao autêntico massacre a que vem sendo sujeito se não tomar iniciativas que permitam à opinião pública concluir que ele é uma vítima.
É importante perceber que estão em curso dois processos, de natureza diferente, que se complementam mas cujos objectivos não são coincidentes.
Temos, de um lado, um processo jurídico (que afinal são dois: um em Portugal e outro em Inglaterra), sujeito a um ritual próprio e a formalidades específicas. Esse processo é lento e é secreto relativamente às pessoas que nele não são arguidos.
Temos, de outro lado, um processo político que não tem regras e que tem o ritmo próprio que lhe é imposto por quem controla a comunicação.
No quadro do primeiro vigora a regra da presunção de inocência, não podendo considerar-se ninguém culpado até ao trânsito em julgado de uma sentença condenatória.
No quadro do segundo, por mais que se afirme o contrário, não há presunções de inocência. A mulher de César não tem apenas que ser honesta; tem também que parecê-lo. E o simples facto de sobre ela se lançar uma suspeita acaba-lhe com a mácula se ela não sair à praça em defesa da honra.
Dir-se-à que, como diziam hoje as televisões, José Sócrates já o fez cinco vezes e isso é verdade. Só que não o fez em termos eficazes, nem usando os meios próprios dos processos políticos; bem pelo contrário, usou a lógica e os argumentos dos processos jurídicos, que, no plano do político funcionam de modo inverso.
Na pequena política do nosso dia a dia, todos já nos apercebemos que não negociamos com A ou com B, nunca condenados pela prática de qualquer crime, apenas porque a vox populi diz que eles são uns vigaristas.
Na vida comercial funcionam, aliás, sistemas de informação, absolutamente desregulados, que vendem relatórios - sempre qualificados como confidenciais - que tanto podem afirmar o crédito de uma pessoa de um nível superior ao que ela merece, como podem fazer dela um juizo absolutamente demolidor, que a liquida comercialmente, com base em meras «informações da praça».
É verdade que quem é arguido num processo judicial beneficia do princípio da presunção de inocência. Mas também é verdade que o princípio redunda, na prática, numa treta. A simples constituição de arguido, por via da afirmação de indícios da prática de um qualquer crime, liquida qualquer um em termos sociais. E a verdade é que, mesmo que seja absolvido, nunca mais conseguirá conseguirá limpar a mácula.
Isto é ainda mais sensível e mais perverso no plano político, por variadas razões.
Os políticos não gozam de boa fama porque a vida política é pouco transparente e alimenta processos de intriga sistémicos, que são da sua própria natureza. Ao facto não é alheia a constatação de que uma boa parte dos agentes políticos mostram sinais exteriores de riqueza que não são compatíveis com os seus rendimentos.
A tradicional «cunha» foi substituida por sofisticados mecanismos de lobbying, consolidando-se na sociedade a ideia de que ninguém consegue fazer avançar qualquer procedimento administrativo com sucesso sem recorrer a meios ilegais.
O Estado apregoa a distribuição de milhões de euros de subsídios, mas criou-se a ideia generalizada de que só consegue aceder a eles quem caminhar pelos «circuitos próprios».
De tempos a tempos, os jornais fazem-se eco, em termos mais ou menos heroicos, da abertura de processos judiciais, por suspeita de corrupção. Mas quando os mesmos chegam ao fim, fica a ideia de que a montanha pariu um rato e a suspeita de que algumas denúncias de corrupção não foram mais do que manobras políticas, destinadas a afastar os protagonistas do terreiro que ocupavam.
Há uma realidade insofismável que pode sintetizar-se nos seguintes termos: a mera suspeita da prática de um crime, ainda que não imputada pela justiça a pessoas concretas, gera mecanismos de desconfiança relativamente às pessoas para quem a suspeita aponta, em termos que podem ser absolutamente demolidores.
Esses mecanismos são ampliados na comunicação social, em termos que merecem alguns comentários específicos, porque também ela tem regras e canais próprios, que não podem desconsiderar-se.
A comunicação social goza, em países de imprensa livre como o nosso, de um conjunto e prerrogativas que, transformando-a em garante do direito dos cidadãos à informação, lhe conferem, num certo sentido, um papel de controlo do poder político.
Sem prejuizo da orientação própria de cada um dos media, há uma matriz que a todos se impõe e que se afirma na obrigação de não sonegar informação. Violar tal obrigação colocaria o próprio meio numa posição de suspeito, com os inerentes riscos de perda de audiência e de liquidação pelo mercado.
Esta realidade confere um poder especialíssimo a quem controlar as fontes de informação e estiver em condições de administrar os fluxos informativos. É nesse sentido que se afirma que quem tem informação tem poder; e poder sobre os próprios media.
Neste caso, a que chamamos «O Massacre de Sócrates», não há nenhuma dúvida de que estamos perante um plano de comunicação cuidadosamente gizado, visando a destruição do primeiro ministro.
Alguém - que não se sabe quem é - está a sortar informação quente no sistema de comunicação e a lançar pistas para investigações dirigidas, suscitando dúvidas sistemáticas sobre a postura política de José Sócrates.
Tudo começou com um facto, concreto e objectivo, que redunda numa suspeita de corrupção no licenciamento do empreendimento da Free Port em Alcochete.
O dossier que foi «solto» na comunicação social foi meticulosamente preparado, de forma a mostrar que estamos perante um conjunto de procedimentos pouco ortodoxo, com um diagrama de alterações chocante, numa zona sensível.
A calendarização da gestão de informação foi feita de forma a catalizar a geração de contradições, de forma a que o processo de comunicação seja autosustentável e duradouro.
A primeira fase do processo culminou com a entrega por alguém aos jornalistas da carta rogatória enviada pelas autoridades inglesas ao Ministério Público de Portugal, documento que tem um efeito absolutamente demolidor, por relação a um comunicado do Procurador Geral da República, que afirma que não há qualquer suspeita relativamente a José Sócrates.
A diferença dos conteúdo do conceito de suspeito na linguagem jurídica e na linguagem política induz na opinião pública (em que domina o político) a ideia de que o Procurador está a proteger o primeiro ministro, ideia essa que sai reforçada com a própria defesa de Sócrates, no passo em que considera o Procurador como a única autoridade com competência para se pronunciar sobre o caso.
Os processos mediáticos evoluem a uma velocidade vertiginosa. Passados quatro dias, as questões que se colocam já nada têm a ver com a regularidade ou a irregularidade dos procedimentos mas com a questão de saber onde foi parar o dinheiro saido da Free Port.
Será que foi recebido por José Sócrates ou por alguém da sua confiança?
Independentemente das jogadas que possam estar por detrás deste processo comunicacional, essa é que é a questão essencial. E ou José Sócrates consegue encontrar meio de demonstrar, muito rapidamente e de forma inequívoca, que nada recebeu ou será liquidado por este processo comunicacional.
A defesa que tem vindo a fazer é absolutamente desastrosa e, em vez de lhe melhorar a imagem, ainda a corroi mais. Sócrates parece não ter percebido que a questão essencial é política e não jurídica; e que os tempos da justiça e da política são diferentes e até contraditórios.
O poder está nas mãos de quem tem a informação e - neste como em todos os casos semelhantes - é muito difícil a alguém defender-se de uma manipulação perversa da mesma.
O paradoxo está no facto de Sócrates poder ser atacado com base em factos constantes de processos judiciais mas não poder aceder á totalidade desses factos, contraditando tudo o que lhe seja desfavorável.
Nesse sentido, tudo o que disser é como que dar um salto no vazio.
Essa é a grande perversidade de um modelo de processo assente numa lógica inquisitória, em que é inexistente a igualdade de armas entre os titulares da acção penal e os arguidos ou suspeitos.
Essa é a grande perversidade de um sistema de segredo desleal, em que os visados pelas investigações ficam atados de pés e mãos e em que a imprensa pode ser manipulada, por via da gestão da informação a disponibilizar aos media.
Parece-me que, em situações como esta, a sociedade teria toda a vantagem em que os visados e a própria imprensa pudessem ter completo acesso aos processos, podendo uns defender-se de forma clara relativamente às suspeitas sobre eles lançadas e os jornalistas questionar tudo o que houver que questionar para que possa ser sindicada a fiabilidade política dos envolvidos.

30 janeiro 2009

O massacre de Sócrates (III)

O caso Free Port voltou a dominar os noticiários de todo o dia 30 de Janeiro.
Logo de manhã, o Diário de Notícias publicou largos excertos da carta rogatória enviada pelas autoridades inglesas ao Ministério Público português, a qual, lida por um cidadão comum, aponta claramente o primeiro ministro como suspeito de estar envolvido num caso de corrupção.
Ao longo do dia, passaram pelas televisões políticos de todos os quadrantes e advogados que, mais menos em unissono, se revelaram todos contra a violação do segredo de justiça, que permitiu o aparecimento da suspeita na comunicação social e o lançamento de uma autêntica campanha de degradação da imagem de José Sócrates.
Os partidos da oposição mantiveram, todos eles, uma mensagem idêntica: a de que se trata de um assunto da justiça, que a justiça deve resolver.
É por demais óbvio que convém à oposição que o primeiro ministro seja queimado em fumo branco, durante o máximo de tempo possível. Convém-lhe, igualmente, que, tendo sido violado o segredo de justiça se defenda o segredo de justiça; e que, falando do caso, se defenda que sobre ele não se deve falar.
Há realidades que são insofismáveis e que todos parecem ignorar ou iludir.
Uma delas é a de que os jornalistas não podem deixar de noticiar o que é notícia e não devem deixar de investigar todos os factos que são socialmente relevantes.
Nessa matéria é forçosa a conclusão de que a comunicação social portuguesa se tem portado de uma forma madura, tendo sido publicados excelentes trabalhos de investigação (de que relevam os publicados na «Visão» e na «Sábado», que primam pelo esforço de rigor e de objectividade, relativamente aos factos que são o centro da notícia: a pendência de dois processos criminais, em Portugal e na Inglaterra, em que se suscitam suspeitas acerca da postura de José Sócrates.
Forçosa é a consideração de que em jornalismo e em política os conceitos de suspeito têm diferentes conteúdos. Daí resulta a evidência de que um comunicado do Procurador Geral da República ou declarações de responsáveis do Ministério Público afirmando que o primeiro ministro não é suspeito naqueles processos, vistos, necessariamente sob o prisma da linguagem jurídica, não só não têm a mesma leitura na linguagem jornalística e na linguagem política, como podem ter uma leitura contrário ou uma leitura pelo menos diversa.
Fazendo exercícios de bom jornalismo, algumas publicações tiveram o cuidado de explicar aos seus leitores qual o conteúdo do conceito jurídico de suspeita; e, por essa via, acabaram por esvaziar completamente o sentido útil que o comunicado da Procuradoria Geral da República poderia ter para a defesa de José Sócrates.

A carta rogatória inglesa

O Diário de Notícias e o Correio da Manhã publicaram no seu site o texto da carta rogatória enviada às autoridades portuguesas pelo Serious Fraud Office.
É o seguinte o texto, segundo o Correio da Manhã, que o publica integralmente:


CARTA ROGATÓRIA

Exmo. Senhor/Exma. Senhora,

ASSUNTO: Freeport PLC, RJ McKinney e outros

O Director-Geral da Serious Fraud Office [Departamento de Investigação de Fraudes Graves] apresenta os seus cumprimentos às Autoridades Judiciárias Competentes de Portugal e tem a honra de informá-las sobre os factos que se seguem e de lhes apresentar este pedido de assistência judiciária relativamente a uma investigação criminal que está a ser realizada pela Serious Fraud Office e pela Polícia da Cidade de Londres.
Nos termos da Secção 1(3) da Criminal Justice Act 1987 [Lei sobre a Justiça Penal de 1987 ('a Lei de 1987')], o Director-Geral da Serious Fraud Office ('o Director-Geral') pode investigar crimes suspeitos em Inglaterra, no País de Gales e na Irlanda do Norte que lhe pareçam, por motivos razoáveis, envolver fraude grave ou complexa. O Director-Geral pode instaurar acções judiciais relacionadas com tais actos de fraude (Secção 1(5) da Lei de 1987).
Os advogados designados da Serious Fraud Office têm todos os poderes do Director-Geral no tocante à investigação e à acusação de actos de fraude grave ou complexa, (secção 1(7) da Lei de 1987). O abaixo-assinado é um dos advogados designados desta forma e tem poderes para emitir este pedido de assistência.
Ao abrigo do Direito Inglês, o Reino Unido pode oferecer reciprocidade a Portugal por virtude da Crime (International Co-operation Act) 2003 [Lei sobre a Cooperação Internacional de 2003] ('Lei de 2003''), pela qual o Secretário de Estado do Ministério do Interior pode exigir a um tribunal que este recolha provas para qualquer investigação criminal que seja conduzida na República de Portugal.
Nos casos de fraude grave ou complexa, a assistência que pode ser oferecida ao abrigo da Lei de 2003 é alargada à utilização pelo Director-Geral dos seus poderes ao abrigo da secção 2 da Lei de 1987.
O Director-Geral tem agora o direito, em certas circunstâncias, de exercer os seus poderes internos, por indicação do Secretário de Estado efectuada através da Autoridade Central do Reino Unido para Assistência Judiciária Mútua, para obter informações a pedido de autoridades estrangeiras. Encontram-se expostas na secção 2(2) e (3) da Lei sobre a Justiça Penal de 1987 as respectivas disposições, da seguinte forma:
2(2) - O Director-Geral pode, mediante aviso escrito, exigir que a pessoa cujos negócios devem ser investigados ('a pessoa sob investigação') ou qualquer outra pessoa que ele tenha motivo para crer que tenha informações relevantes, responda a perguntas ou, em alternativa, forneça informações em relação a qualquer assunto relacionado com a investigação num momento indicado, ou de imediato.
2(3) - O Director-Geral pode, mediante aviso escrito, exigir que a pessoa sob investigação, ou qualquer outra pessoa, apresente num local que seja assim indicado quaisquer documentos especificados, que o Director-Geral considere que se relacionam com qualquer assunto que diga respeito à investigação, ou quaisquer documentos de uma descrição especificado, que lhe pareçam assim se relacionar.
Pessoas sob investigação
A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres estão a realizar uma investigação por suspeita de crimes. A investigação relaciona-se com uMa que está a ser levada a cabo pelas Autoridades Portuguesas por alegações de suborno e corrupção associadas com o desenvolvimento do local da Freeport, em Alcochete.
Os cidadãos do Reino Unido, que se sabe estarem ligados ao caso e que estão por conseguinte a ser presentemente investigados, vêm indicados a seguir:
1. Sean Collidge
2. Gary Russell
3. Jonathan Rawnsley
4. Rick Dattani
5. Charles Smith
6. William (Billy) McKinney Jnr
Existem motivos razoáveis para crer que as pessoas acima referidas tenham cometido crimes de Suborno e de Corrupção em contravenção das leis de Inglaterra e do País de Gales. Os crimes específicos que estão a ser considerados vêm expostos no Anexo '1' à presente.
Além disso, os cidadãos abaixo indicados, que não são do Reino Unido, são considerados como estando sob investigação no sentido de terem solicitado,. recebido ou facilitado pagamentos que sejam relevantes aos crimes indicados no Anexo '1':
7. José Sócrates
8. José Marques
9. João Cabral
10. Manuel Pedro
Resumo dos Factos e das Alegações
O destinatário da presente já se encontrará familiarizado com os factos subjacentes às respectivas investigações em Portugal e no Reino Unido.
No entanto, resumidamente, a investigação relaciona-se com as seguintes circunstâncias:
A investigação centra-se no desenvolvimento comercial de um local onde se encontrava a antiga fábrica designada por 'Firestone' perto de Alcochete, junto à zona de protecção ambiental limítrofe à Ponte Vasco da Gama.
Em 1999, uma empresa do Reino Unido denominada RJ McKinney obteve a pré-aprovação do projecto; o respectivo funcionário é William (Billy) McKinney Jr. Uma empresa sedeada em Portugal, a Smith & Pedro, foi utilizada como a agente local para facilitar a concessão da aprovação. Os mandantes da Smith & Pedro eram os senhores Charles Smith e Manuel Pedro, mais o seu empregado João Cabral. As circunstâncias que levaram à concessão da aprovação fazem parte integrante das investigações.
Esta aprovação foi em última análise concedida por José Marques, o então Vice-Presidente do Instituto da Conservação [da Natureza]. A Polícia Judiciária portuguesa declarou à Serious Fraud Office e à Polícia da Cidade de Londres que o facto de a aprovação ter sido alguma vez concedida, dada a existência da zona de protecção ambiental, levanta uma forte suspeita de corrupção no procedimento de aprovação.
Em 2000, a participação da RJ McKinney foi cedida a outra empresa do Reino Unido, a Freeport PLC. A Freeport procurou obter a Avaliação do Impacte Ambiental favorável necessária para o desenvolvimento do local num espaço comercial e a retalho multifunções a ser denominado 'Freeport'.
Os mandantes da Freeport relacionados com o desenvolvimento do local da Firestone eram Sean Collidge (Presidente do Conselho de Administração), Gary Russell (Director Comercial), Jonathan Rawnsley (Director de Empreendimentos), Rik Dattani (assistente, sedeado em Portugal, de Jonathan Rawnsley) .
A Freeport contratou os serviços da Smith & Pedro para auxiliar na obtenção das licenças e aprovações locais, incluindo a Avaliação de Impacto Ambiental.
O primeiro e o segundo requerimento para apreciação em matéria de Avaliação de Impacte Ambiental foram reprovados pelo Ministério do Ambiente de Portugal no decurso do ano 2000. Charles Smith alega durante uma inquirição pela Polícia da Cidade de Londres que a Smith & Pedro foi abordada entre estas duas apresentações de requerimento relativamente ao pagamento de um suborno considerável para assegurar a aprovação.
No dia 17 de Janeiro de 2002, os representantes da Smith & Pedro e da Freeport reuniram com entidades portuguesas, incluindo o então Ministro do Ambiente, José Sócrates, para discutir uma terceira apresentação para apreciação em matéria de Avaliação de Impacto Ambiental. Os participantes nesta reunião foram Sean Collidge, Gary Russell, Charles Smith, Manuel Pedro, José Sócrates e outros funcionários municipais e públicos portugueses.
Foram discutidas nesta reunião as dificuldades relacionadas com a Avaliação de Impacte Ambiental apresentada.
Foi alegado que neste mesmo dia, o Ministro do Ambiente, José Sócrates, reuniu posteriormente com Sean Collidge, Gary Russell, Charles Smith e Manuel Pedro. Nesta reunião distinta, José Sócrates efectuou alegadamente um pedido que seria equivalente a um suborno para assegurar que a Avaliação de Impacte Ambiental apresentada fosse favorável. Alega-se que foi chegado a um acordo no sentido de que a Freeport efectuaria, por intermédio da Smith & Pedro, pagamentos a terceiros, relacionados com José Sócrates.
Estas alegações resultam colectivamente da Carta Rogatória da Procuradoria Geral da República do Montijo, de 12 de Agosto de 2005, apoiada por uma lista de emails extraídos de computadores apreendidos aos escritórios da Smith & Pedro pela Polícia Judiciária portuguesa. Esta lista foi posteriormente fornecida pela Polícia Judiciária à Polícia da Cidade de Londres.
Em acréscimo, as alegações são declaradas por Charles Smith numa reunião realizada com Alan Perkins (um ex-funcionário da Freeport) e com João Cabral no escritório da Freeport em Portugal, no dia 3 de Março de 2006. Alan Perkins gravou um vídeo da reunião sem o conhecimento de Charles Smith. Esse vídeo encontra-se em anexo a um depoimento colhido pela Polícia da Cidade de Londres, que foi divulgado às autoridades portuguesas por meio da Assistência Judiciária Mútua.
Há que referir que Charles Smith negou posteriormente as alegações específicas de corrupção numa inquirição sob aviso efectuada no dia 17 de Julho de 2007 pela Polícia da Cidade de Londres.
Nas semanas que se seguiram ao dia 17 de Janeiro de 2002, o Ministério do Ambiente aprovou uma lei a alterar os limites da reserva natural que impactava sobre o local da Freeport, e o Ministro do Ambiente apresentou um relatório favorável em relação à Avaliação de Impacte Ambiental.
A Terceira Avaliação de Impacte Ambiental foi aprovada em 17 de Março de 2002, dia das Eleições Nacionais que resultaram em que esse mesmo Ministro perdesse o seu lugar.
Posteriormente, a Freeport efectuou 3 ou 4 pagamentos em parcelas de GBP 50.000 à Smith & Pedro. Charles Smith, no vídeo de 3 de Março de 2006, alega que se trata de pagamentos de subornos, com o intuito de satisfazer o acordo de 17 de Janeiro de 2002, a partir dos quais efectuou uma série de pagamentos em numerário a um primo de José Sócrates.
A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres foram informadas pela Polícia Judiciária numa reunião realizada no dia 9 de Julho de 2008 de que tinham sido obtidas provas de uma série de saques em numerário que se julga estarem relacionados com esta alegação.
Além disso, foram efectuadas alegações menos específicas de que foram pagos montantes mais importantes (até GBP 5 milhões) a uma empresa de advogados em Portugal ligada a José Sócrates, como pagamentos de subornos a partir de fontes do Reino Unido. A Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres foram informadas destas alegações na nossa reunião de 9 de Julho de 2008.
A Polícia da Cidade de Londres e a Serious Fraud Office já prestaram informação e material às Autoridades Portuguesas por meio de Assistência Judiciária Mútua no seguimento de uma Carta Rogatória, datada de 12 de Agosto de 2005, da Procuradoria Geral da República do Montijo.
Em resumo, o material fornecido é o seguinte:
i) Material bancário relacionado com as contas da Freeport junto do Barclays.
ii) Material bancário relacionado com a conta de Francesca Smith junto do HSBC.
iii) Depoimento de Alan Perkins e documentos de apoio associados.
iv) Transcrições de inquirições sob aviso de Jonathan Rawnsley e Charles Smith.
O autor da presente pode fornecer pormenores adicionais relativos à investigação do Reino Unido, ao material fornecido e às alegações associadas.
Assistência Solicitada
1. Índice dos Inquiridos
Queira por favor fornecer um índice ou uma lista de todos os indivíduos que foram inquiridos relativamente à investigação da Freeport PLC e RJ McKinney e outros.
Queira por favor confirmar junto de cada um dos indivíduos se uma transcrição ou outro registo de inquirição se encontra disponível.
2. Buscas
Queira por favor confirmar as moradas nas quais foram efectuadas buscas ou a quem (com excepção dos bancos) foram formalmente entregues mandados judiciais obrigando a apresentação de material relacionado com a investigação da Freeport PLC e RJ McKinney e outros.
Queira por favor confirmar as datas das buscas ou da entrega formal dos mandados de apresentação.
3. Índice do Material
Queira por favor fornecer um índice ou uma lista de material, de computadores e de outro material digital (material que não seja dos bancos) acumulado como resultado das buscas, dos mandados de apresentação ou de outro modo relacionados com a investigação da Freeport PLC e RJ McKinney e outros.
4. Índice de Material Bancário
Queira por favor fornecer um índice ou uma lista de material bancário acumulado relativamente à investigação da Freeport PLC e RJ McKinney e outros.
5. Material de Vigilância
Queira por favor fornecer uma lista das intercepções telefónicas ou outra vigilância intrusiva realizada relativamente à investigação da Freeport PLC e RJ McKinney e outros.
6. Provas principais
Queira por favor fornecer uma colecção dos documentos de prova centrais identificados a esta data que seriam utilizados para, ou em preparação das inquirições a serem realizadas pela Polícia da Cidade de Londres e pela Serious Fraud Office no Reino Unido no tocante à investigação da Freeport PLC e RJ McKinney e outros.
Solicita-se que esta colecção inclua especialmente comunicações físicas, electrónicas ou interceptadas que possam fornecer provas de pagamentos de subornos ou acordos para efectuar os pagamentos de subornos que são objecto da investigação.
7. Acesso a Material e às Testemunhas
No seguimento do Pedido (6), de modo a facilitar a investigação em curso no futuro, queira por favor dar autorização para que os representantes da Polícia da Cidade de Londres e da Serious Fraud Office tenham futuramente acesso à colecção completa dos depoimentos de testemunha e do material objecto dos pedidos supra, devendo ser acordado numa data futura.
O âmbito do acesso que será solicitado pode ser esclarecido após a Serious Fraud Office e a Polícia da Cidade de Londres terem analisado os índices e o material solicitados nos Pedidos de (1) a (6) supra.
8. Assistência do Reino Unido pendente
Queira por favor fornecer dados dos Bancos, das contas bancárias e dos códigos de agência das contas bancárias de RJ McKinney no Reino Unido que seriam solicitados por Portugal por meio da Assistência Judiciária Mútua.
9. Material Bancário e de Planeamento pendente
Queira por favor prestar esclarecimentos actualizados sobre qual o material bancário, para além daquele proveniente do Reino Unido, que é identificado como necessário para completar qualquer cadeia de provas relativamente a quaisquer transacções que possam indiciar corrupção.
Queira prestar esclarecimentos actualizados sobre qual o material de planeamento que é identificado como necessário para completar qualquer cadeia de provas relativamente a quaisquer procedimentos que possam ser corruptos.
10. Material Detido pela Decherts
Encontra-se junto no Anexo '2' um índice de material detido pela Decherts Solicitors [Empresa de Advogados] no Reino Unido. Além disso, a Decherts Solicitors detém imagens digitais do servidor da Freeport PLC.
A Serious Fraud Office procurará obter a entrega deste material de forma voluntária ou por mandado judicial de apresentação.
Queira identificar os artigos constando do índice de materiais dos quais Portugal procuraria obter a entrega ou o acesso por meio de Assistência Judiciária Mútua.
Queira indicar uma lista de termos de busca que Portugal mandaria aplicar ao material digital através de Assistência Judiciária Mútua, ou se é solicitada uma cópia completa da imagem.
11. Meios de comunicação social
Encontra-se junto no Anexo '3' um email datado de 21 de Novembro de 2008, do senhor Rui Araújo.
A política da Polícia da Cidade de Londres e da Serious Fraud Office relativamente aos meios de comunicação social é actualmente a de não efectuar comentários, ou de declarar que 'não nos é possível comentar' no tocante a quaisquer pedidos de informação recebidos.
Agradecia que esclarecesse quais as medidas, se as houver, que estão a ser tomadas relativamente à divulgação não autorizada de informação.
Agradecia que esclarecesse qual a política actual dos departamentos do Ministério Público e da Polícia em Portugal em matéria dos meios de comunicação social relativamente a este caso.
Contactos junto da Serious Fraud Office
Caso as autoridades judiciárias de Portugal necessitem de dados ou informações adicionais relativamente aos pedidos acima efectuados, o autor da presente terá todo o prazer em fornecê-los (+44 (0) 20 72397236). Na sua ausência, peça para falar com Sarah Goom, Subdirectora (+44 (0) 20 7084 5403)
Restrição de utilização das provas obtidas ao abrigo de uma Carta Rogatória
A Secção 3(7) da Lei de 1990 dispõe que as provas obtidas por virtude de uma Carta Rogatória não serão utilizadas para quaisquer fins que não sejam especificados na Carta, sem o consentimento da autoridade do país ao qual foi efectuado o pedido.
Ao abrigo do Direito inglês, as provas obtidas de outra jurisdição mediante a utilização de uma Carta Rogatória não podem ser utilizadas para quaisquer outros fins senão aqueles especificados na Carta Rogatória sem o consentimento da autoridade à qual se destina. Isto foi interpretado como impedindo a utilização de tais provas em qualquer requerimento de restrição de bens de um réu ou para confiscar tais bens em caso de condenação, a menos que o requerimento para a obtenção de tais provas especifique que se destina a utilizar as provas para tais fins.
O Director solicita, por conseguinte, o fornecimento de documentos e de provas para fins das suas investigações e para utilização como provas em acções penais e naqueles processos acessórios ou afins julgados pelos tribunais penais.
O Director da Serious Fraud Office envia às Autoridades Judiciárias Competentes de Portugal os seus antecipados agradecimentos e aproveita a oportunidade para renovar os protestos da sua mais elevada consideração.
Com os melhores cumprimentos,
Sr. Wayil Eisa
Gestor do Processo
Serious Fraud Office
Anexo '1'

Suborno em Direito Consuetudinário
Quando uma pessoa, que detenha o cargo de fideicomissário para efeitos de desempenhar funções públicas, aceitar um suborno para agir de forma corrupta ao desempenhar essas funções, isso constitui em Direito Consuetudinário um crime cometido por ambas as partes.
R v Whitaker 1914 3KB 1283
A oferta de um suborno constitui uma tentativa de suborno, assim como também um crime em Direito Consuetudinário.
R v Vaughan 1789 4 Burr 2494
Public Bodies Corrupt Practices Act 1889 [Lei sobre as Práticas Corruptas das Entidades Públicas de 1889]
1 Corrupção na detenção de cargo - delito
(1) Qualquer pessoa que, individualmente ou em conjunto com outrem, solicite ou receba, ou acorde em receber, de forma corrupta, para si própria ou para outrem, qualquer doação, empréstimo, remuneração, recompensa, ou vantagem, seja ela qual for, como incentivo para, ou recompensa por, ou por outro lado por conta de qualquer membro, director ou funcionário de uma entidade pública, tal como definido na presente Lei, realizar ou deixar de realizar algo a respeito de qualquer questão ou transacção, seja ela qual for, real ou proposta, na qual a referida entidade pública tenha um interesse, será culpada de delito.
(2) Qualquer pessoa que, individualmente ou em conjunto com outrem, dê, prometa, ou ofereça qualquer doação, empréstimo, remuneração, recompensa, ou vantagem, seja ela qual for, a qualquer pessoa, quer seja a favor dessa pessoa ou de outrem, como incentivo para, ou recompensa por, ou por outro lado por conta de qualquer membro, director ou funcionário de uma entidade pública, tal como definido na presente Lei, realizar ou deixar de realizar algo a respeito de qualquer questão ou transacção, seja ela qual for, real ou proposta, na qual a referida entidade pública tenha um interesse, será culpada de delito.
2 Pena por crimes
Qualquer pessoa, sendo condenada por cometer um delito conforme supra-referido, ficará, ao critério do tribunal perante o qual é condenada,-
[(a) sujeita-
(i) no caso de uma condenação sumária, a pena de prisão pelo prazo máximo de 6 meses ou a uma multa não superior ao máximo legal, ou a ambas; e
(ii) no caso de uma condenação após pronúncia, a uma pena de prisão com um prazo máximo de 7 anos ou a uma multa, ou a ambas; e]
(b) além disso ficará sujeita a que seja mandada pagar a tal entidade, e da forma que o tribunal ordenar, o montante ou o valor de qualquer doação, empréstimo, remuneração, ou recompensa recebida por ela, ou parte da mesma; e
(c) ficará sujeita a ser considerada incapaz de ser eleita ou nomeada para qualquer cargo público pelo prazo de [cinco anos] a contar da data da respectiva condenação, e a perder o cargo por ela detido no momento da condenação; e
(d) em caso de uma segunda condenação por um crime semelhante, ficará sujeita, para além das penas supra-referidas, a ser considerada para sempre incapaz de deter qualquer cargo público e incapaz pelo prazo de [cinco anos] de ser registada como eleitora ou devotar numa eleição de membros para desempenhar funções no Parlamento ou de membros de qualquer entidade pública, e as promulgações para impedir a votação e o registo de pessoas declaradas, por motivo de práticas corruptas, incapazes de votar, aplicar-se-ão a uma pessoa considerada, de acordo com esta secção, incapaz de votar; e
(e) se tal pessoa for um director ou um funcionário contratado por qualquer entidade pública, após uma tal condenação, ficará sujeita, ao critério do tribunal, a perder o seu direito de reivindicar qualquer compensação ou pensão a que teria, caso contrário, direito.
Prevention of Corruption Áct 1906 [Lei sobre a Prevenção da Corrupção de 19061
1 Punição de transacções corruptas com agentes ..
(1) No caso de qualquer agente aceitar ou obter, ou acordar em aceitar ou tentar obter, de forma corrupta, de qualquer pessoa, para si próprio ou para outrem, qualquer doação ou importância como incentivo ou recompensa por realizar ou deixar de realizar, ou após a aprovação da presente Lei, por ter realizado ou deixado de realizar, qualquer acto relativamente aos negócios ou à actividade comercial da sua mandante, ou por favorecer ou desfavorecer qualquer pessoa relativamente aos negócios ou à actividade comercial da sua mandante; ou
No caso de qualquer pessoa dar ou acordar em dar ou oferecer, de forma corrupta, qualquer doação ou importância a qualquer agente como incentivo ou recompensa por realizar, ou deixar de realizar, ou após a aprovação da presente Lei, por ter realizado ou deixado de realizar, qualquer acto relativamente aos negócios ou à actividade comercial da sua mandante, ou por favorecer ou desfavorecer qualquer pessoa relativamente aos negócios ou à actividade comercial da sua mandante; ou
No caso de qualquer pessoa dar intencionalmente a qualquer agente, ou se qualquer agente utilizar intencionalmente com o intuito de enganar o seu mandante, qualquer recibo, conta ou outro documento, em relação ao qual o mandante tenha um interesse, e que contenha qualquer declaração que seja falsa ou errónea ou defeituosa em qualquer pormenor material, e que, tanto quanto sabe, se destine a enganar o mandante;
será culpada de delito, e [ficará sujeita-
(a) no caso de uma condenação sumária, a pena de prisão pelo prazo máximo de 6 meses ou a uma multa não superior ao máximo legal, ou a ambas; e
(b) no caso de uma condenação após pronúncia, a uma pena de prisão com um prazo máximo de 7 anos ou a uma multa, ou a ambas; e]
2. Actas da Assembleia do Conselho de Administração da Freeport Leisure plc de 18 de Junho de 2002.
3. Actas da Assembleia do Conselho de Administração da Freeport Leisure plc de 16 de Junho de 2002.
Anexo '3'

De: rui araújo mailto:%5bmailto:ruiaraujo@hotmail.com%5d
Enviado: 21 de Novembro de 2008 01:52
Para: Press Office SFO
Assunto: Pedido de um jornalista português
Exmo. Senhor,
Sou um jornalista investigador português.
Cubro o crime organizado, a corrupção, a extorsão e a fraude para a TVI (Televisão Independente - Lisboa) e para o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigadores (Washington DC; EUA).
Serve o presente email para lhe colocar umas perguntas sobre a investigação da Freeport pelo Reino Unido.
Estou a compilar dados sobre a reunião das autoridades do Reino Unido e de Portugal que teve lugar esta semana em Eurojust na Haia.
Segundo os meios de comunicação social portugueses, o Reino Unido não respondeu de forma positiva a uma carta rogatória apresentada pelas autoridades portuguesas em 2005. Os jornais relatam que houve uma transferência de 4 milhões de euros do Reino Unido para contas em Portugal por intermédio de um escritório de um advogado.
Os jornais portugueses dizem que V. Exas. interceptaram comunicações mas que estas não podem ser utilizadas nos tribunais portugueses.
A fonte e o objectivo de tais artigos são bastante óbvios...
Eis as minhas perguntas:
1 - V. Exas. solicitaram uma reunião com as autoridades portuguesas (DCIAP)?
2 - Podem especificar o motivo de tal pedido?
3 - Como explicam o facto de a delegação portuguesa não ter ninguém no departamento a investigar o assunto? (A Polícia Judiciária estava representada pelo seu n.º 2 e pelo chefe da DCCCFIEF - crime económico, que se deslocaram à Haia a pedido especificamente da DCIAP; as pessoas que estavam a levar a cabo a investigação não marcaram presença). A vossa delegação incluía Investigadores?
4 - É verdade que V. Exas. não responderam de forma positiva até agora ao pedido formal que lhes foi efectuado pelas autoridades portuguesas em 2005?
5 - Confirmam que têm em vossa posse material electrónico (Intercepções telefónicas e um filme de curta metragem) relacionado com as actividades criminais dos cidadãos portugueses envolvidos neste caso?
6 - Confirmam que a Freeport Portugal foi vítima de extorsão?
7 - Confirmam que houve uma estranha transferência bancária de 4 milhões de euros? (Uma fonte disse-me que o valor era superior).
8 - Confirmam que o advogado é José Francisco GANDAREZ?
9 - Confirmam que a SOCA estava, ou está, ligada a este caso? Agradecia muito uma resposta.
Estou a tentar fazer o meu trabalho e não confio nas fontes locais (com excepção, em certa medida, dos investigadores policiais).
Agradecia que me Informasse se prefere uma reunião formal ou informal em Lisboa ou em Londres. Sei que a SOCA tem uma representante na vossa Embaixada em Lisboa (Sra. J...). Agradeço muito o tempo e consideração dispensados.
Os meus melhores cumprimentos,
Rui Araújo
PS - Caso seja necessário, queira verificar a minha biografia em:
http://www.publicintegrity.org/investigations/icij/
BIOGRAFIA: http://www. publicintegrity.org/investigations/icij/journalists/profile/769/ CONTACTOS:
Telemóvel: (00)-351-961-17-17-86
Alternativa de endereço de e-mail: rmda14@hotmail.com
Ligue-se à próxima geração do MSN Messenger Receba-o agora! Este email foi recebido da INTERNET e digitalizado pelo serviço antivírus de Intranet Segura do Governo fornecido pela Cable&Wireless em parceria com MessageLabs. (Certificado de CCTM Número 2007/11/0032.) Em caso de dificuldade, queira ligar para o Balcão de Apoio de TI da vossa empresa. As comunicações por GSI podem ser automaticamente assentes, monitorizadas e/ou registadas para fins jurídicos.

- FIM-