26 junho 2008

Reflexões sobre o apoio judiciário II

Longe vão esses tempos, em que todos encarávamos o apoio judiciário como uma dever cívico de contribuição para o acesso ao direito e em que os próprios advogados adoptavam uma postura critica relativamente aos magistrados que quisessem fazer uma justiça «a despachar», discriminando os assistidos por defensores oficiosos e os patrocinados por advogados pagos.
A justiça era relativamente barata, havia trabalho para toda a gente e ninguém se preocupava em andar atrás das oficiosas.
De vez em quando lá havia um veneno ou uma tentativa de geração de um mini-escândalo: o juiz X nomeava sempre a advogada Y; o funcionário A organizava o necessário para a nomeação do advogado B. Tudo argumentos fracos mas que (água mole em pedra dura) foram suficientes para lançar a suspeita sobre os juizes, magistrados e funcionários, em matéria de favorecimento pessoal de alguns advogados relativamente aos demais.
Serviu isto apenas para transformar o apoio judiciário num negócio que representa uns milhões de euros anuais num conjunto de cabides de emprego, na Segurança Social e na Ordem dos Advogados.
Sempre considerei um disparate completo a integração do acesso ao direito na Segurança Social. Os custos da justiça, nomeadamente os que decorrem do apoio judiciário, devem ser assumidos como custos do Estado e não como custos do sistema de segurança social, ainda que isso só ocorra (o que não é claro) no plano da gestão.
Criou-se uma máquina burocrática pesada na Segurança Social, para gerir os pedidos; e criou-se, em paralelo, uma outra máquina, não menos pesada, na Ordem dos Advogados, para gerir as nomeações.
Geraram-se com estes procedimentos imensos postos de trabalho. Mas não se acrescentou qualquer valor, pois que a criação de postos de trabalho assentou numa lógica de protecção do subemprego. Não era necessário.
O mais chocante é, porém, que sejam os próprios advogados, por via da sua Ordem, a repartir entre si os processos que permitem a divisão desta choruda fatia orçamental.
Estamos, claramente, numa lógica de «entregar o ouro ao bandido», que é o mesmo que dizer que estamos perante uma lógica de divisão de despojos que, para além do mais, não assenta em nenhum dos critérios que, no plano das regras profissionais da advocacia, devem enformar a fixação de honorários.
Com todas as criticas que pudesse merecer, considera, francamente, mais independente o anterior sistema, em que o advogado era ou nomeado pelo juiz ou escolhido de entre uma lista de advogados disponíveis para a prestação de apoio judiciário.
Certo é que, de vez em quando, alguns juizes «abusavam» do poder discricionário de nomeação dos defensores oficiosos. E faziam nomeações para processos mais «chatos» em termos que indiciavam uma vontade de, efectivamente, «chatear».
Cheguei a reagir a algumas dessas situações recusando as nomeações com o fundamento de que elas atentavam contra o artº 4º,2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que proibe o trabalho forçado. O entendimento da Ordem era no sentido de que o apoio judiciário não constituia trabalho forçado por constituir uma «obrigação cívica normal» para os efeitos do nº 4.
Nesses tempos, todos estávamos obrigados a prestar apoio judiciário.
De um momento para o outro, o apoio judiciário passou a ser administrado, com critérios que não são muito claros, distribuindo-se os processos apenas pelos advogados que tivesse manifestado disponibilidade para prestar esses serviços.
A partir de 1 de Setembro tudo vai mudar.

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