05 março 2008

Comentário de um Colega

Caro Colega,

Cá estou eu a fazer o papel de advogado do diabo (não, não me refiro ao Dr. Marinho Pinto).

Diz o Colega, e perdoe-me o atrevimento, mal que são os advogados a perseguir, cidadãos instruindo processos que visam a sua condenação

O que me diz, por exemplo, dos muitos Colegas que trabalham nas Câmaras Municipais, nos departamentos de contencioso, como instrutores em diversos processos de contra-ordenação que visam a condenação do munícipe no pagamento de taxas, consumos de água, …? Também são funções contrárias à sua profissão?

A iniciativa do Bastonário não poderá ser encarada como uma forma de publicamente permitir a todos os Colegas, em condições de igualdade (e não por ser amigo, sobrinho, afilhado do amigo do director do assessor …), patrocinar a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, patrocínio esse que em condições normais estaria vedado ao “advogado comum”?

E qual é o problema do cliente ser a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária? Existirá alguma incompatibilidade / imoralidade em defender os legítimos interesses desse organismo / cliente em detrimento dos muitos cidadãos que cometeram, certamente por distracção (ou melhor dizendo, são todos inocentes), as mais diversas barbaridades ao volante de um veículo?

Será que estarei errado ao afirmar que se tal protocolo não fosse alcançado veríamos uma qualquer distinta sociedade de advogados a ganhar uma avença, por não sei quantos euros, sujeita aos habituais critérios de escolha? Seria esta a situação aceitável?

Não sei se os 1.000,00 a 1.500,00 euros de avença mensais constituem uma forma de prostituição encapotada. Parece-me que tal quantia será minimamente adequada quanto ao trabalho a prestar pelos Colegas que venham a ser escolhidos, não pondo em causa a dignidade dos que vierem a prestar tais serviços.

Também não me repugna que a Ordem dos Advogados estabeleça protocolos com institutos públicos e outros organismos permitindo que todos os Colegas, sem excepções, exerçam a advocacia.

Por último, e certamente o menos importante, parece-me que alguns advogados da capital e de algumas distintas sociedades de advogados não estarão muito contentes com a tentativa da Ordem em tentar fazer com que o Governo aplique novos princípios orientadores na contratação de profissionais forenses para prestarem serviços ao Estado. Será que estarei errado?

Os meus respeitosos cumprimentos,
Juvenal Viana
Respondi de imediato, de forma sumária:
Estimado Dr. Juvenal Viana:

O que digo dos colegas que trabalham nas Câmaras Municipais como instrutores de processos?
Digo que devem suspender as suas inscrições na Ordem, porque entendo que tais funções, de natureza administrativa, lhes retiram a independência que é própria da advocacia. São muito menos independentes do que os contínuos, os simples escriturários e os demais funcionários administrativos, que se formam com sacrifício à noite e que ficam impedidos até de fazer o estágio.
Mas se não se entende assim, tudo bem… Ao menos que haja transparência e que se saiba quem é quem…
Não sugiro que se coloque um rótulo na testa de cada advogado que trabalha para o Estado, na mesma lógica dos rótulos dos bens de consumo…
Mas acho que se justifica que haja um registo público de interesses e que se saiba quem são os advogados que trabalham para o Estado, autarquias e outras entidades públicas, bem como para as empresas cotadas e os bancos.
Esse registo deveria estar disponível na Internet, para que quem procura um advogado possa avaliar previamente dos eventuais conflitos de interesses que o relacionamento profissional com entidades poderosas implica.
Parece que o Colega sugere que a Ordem funcione como uma espécie de agência de empregos e avenças. Respeito a sua opinião.
Digo-lhe apenas que falo com a autoridade de quem não aceita trabalhar para o Estado, para autarquias ou para entidades públicas, pela simples razão de que a falta de transparência na contratação tornou suspeitos esses relacionamentos.
Não me consta que a Ordem defenda o concurso público como formato ideal para a contratação de serviços jurídicos… Mais me parece que se prepara para substituir os tradicionais cambões por um novo cambão: o cambão da Ordem.
Por isso entendo que só temos a ganhar afastando-nos disso tudo: não trabalhamos nem para o Estado nem par a Ordem.

Abraço

Miguel Reis
Sobre o mesmo assunto escreveu o Dr. Hugo Daniel de Oliveira:


«Discordo absolutamente.
É uma generalização abusiva que os advogados de empresa ou os
juristas/advogados/consultores de Entidades Públicas não sejam independentes e
que se limtem a fundamentar orientações superiores.
Acontece, mas não é regra.
E os Advogados, relativamente aos seus clientes. É-se independente apenas porque
que se é profissional liberal?
Não é preciso procurar muito para se ver peças processuais em que a Lei é
contorcida de formas inimagináveis para se adequar a exigências do cliente.»

Minha resposta:
«Estimado Colega:

Então porque é que não acabam com as incompatibilidades de vez, em vez de as usarem para bloquear o mercado e permitir a sociedade de cambões em que vivemos?
Se o Colega acha que os advogados que trabalham para as entidades públicas (porque por elas foram contratados, segundo lógicas obscuras, sempre assentes na amizade e no compadrio) são independentes, então não verá terá nenhuma objecção a que a sua relação com as entidades públicas seja pública, nomeadamente nos seguintes aspectos:
a) Funções
b) Que serviços presta
c) Como foi contratado
d) Quanto ganha anualmente.
Eu, pessoalmente, não tenho nada contra o facto de haver colegas que sejam instrutores de processos administrativos ou quejando, ou que prestem serviços a entidades públicas, ficando dependentes de pagamentos certos ou incertos.
Acho é que tenho o direito de afirmar a diferença. E só o posso fazer, neste mercado cada vez mais selvático em que vivemos, se houver esse registo de interesses.
O argumento «contra» foi sempre o de que o facto de se saber que fulano trabalhava para a câmara X ou para o ministério Y prejudicava a concorrência, pois que quem quisesse favores de tais entidades haveria de procurar esse advogado.
Pois que procure, que isso não me afecta em nada, porque não é o meu estilo de intervenção. E seria bom para mim que o mercado soubesse isso.
Não trabalhar para o Estado ou para entidades públicas é um valor acrescentado. Mas só o é se for obrigatório que os que estão vinculados ao Estado e a entidades públicas o declarem.

Cumprimentos

Miguel Reis»


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