05 novembro 2006

5 de Novembro de 2006

A falência não é apenas local. É internacional.
No termo de uma palhaçada a que vêm chamando julgamento, um tribunal do Iraque condenou à morte o ditador Saddam Hussein.
No decurso do julgamento foram assassinados três dos advogados que aceitaram a defesa.
As notícias da decisão deixam-nos apenas o conforto de a presidência finlandesa da União Europeia se ter declarado frontalmente contra a pena de morte.
Em Portugal nem uma palavra...
Os Estados Unidos congratularam-se com a sentença, como não podia deixar de ser, apesar de terem sido quem, com maior intensidade, apoiava Saddam no tempo em que ocorreu o massacre.
Para além de Saddam Hussein, também o meio-irmão do ex-ditador e antigo chefe máximo do Iraque, Barzan Ibrahim al-Tikriti, foi condenado à pena de morte por enforcamento pela execução de 148 chiitas em Doujaïl na década de 80.
O tribunal especial que julgou Saddam Hussein e sete dos seus colaboradores condenou ainda à pena de morte por Awad Hamad al Bandar, chefe do tribunal revolucionário que no ano de 1982 sentenciou a morte dos 148 camponeses por terem participado num atentado contra Saddam Hussein.
O ex-vice-presidente iraquiano, Taha Yassine Ramadan, foi condenado à prisão perpétua também pelo caso Doujaïl.
Bush considerouque, para os Estados Unidos esta sentença representa uma «importante vitória» para a liberdade no Iraque, acrescentando que a sentença representa um «marco» nos esforços do povo iraquiano para trocar o mandato de um tirano pelo da lei.
Só isto seria suficiente para desacreditar a decisão, que nos surge como um frete aos Estados Unidos.
Corajosamente a presidência filandesa da União Europeia apelou ao Iraque para que não aplique a pena de morte.
«A presidência recorda a posição da União Europeia contra a pena de morte. A UE opõe-se à pena capital em todos os casos e em todas as circunstâncias e apela para que não seja aplicada no caso presente» acrescentando que «durante os últimos anos, a União Europeia condenou de maneira sistemática as violações extremamente graves dos direitos do homem e do direito humanitário internacional cometidas pelo regime de Saddam Hussein».
A Amnistia Internacional deplorou, de imediato, a decisão, considerando que este processo violou, de forma sistemática, as normas geralmente aceites no direito criminal internacional.
Os advogados de Saddam consideraram o julgamento como uma "gozação da justiça", na excelente tradução da Reuter's.
Diversos grupos defensores dos direitos humanos consideraram que o julgamento que durou um ano, período em que três advogados de defesa foram assassinados e o primeiro juiz renunciou, denunciando interferências políticas, não foi realizado «dentro dos parâmetros que lhe permitiriam resolver a questão».
"O tribunal não foi imparcial. Não foram tomadas medidas adequadas para proteger a segurança dos advogados de defesa e das testemunhas", disse Malcolm Smart, chefe do Programa da Amnistia Internacional para o Oriente Médio e Norte da África.
"Toda pessoa tem direito a um julgamento justo, até mesmo pessoas acusadas de crimes da magnitude dos que Saddam Hussein foi acusado, e este julgamento não foi justo."
As autoridades dos EUA - que financiaram o julgamento - consideram que o mesmo cumpriu os padrões legais iraquianos e que os advogados de defesa assassinados receberam oferta de mais segurança, mas recusaram.
O caso de Dujail, pelo qual Saddam foi condenado, foi o primeiro mas está longe de ser o mais importante, segundo a generalidade dos observadores crediveis. O julgamento, com a conclusão que teve, é, antes de tudo, uma forma de «abafar» e impedir o julgamento de outros casos, nos quais estiveram envolvidos os Estados Unidos, que na época apoiavam Saddam Hussein.
É hoje pacífico que os Estados Unidos e a CIA estiveram envolvidos com Saddam no genocídio de 180.000 curdos nos anos 1980.
O próprio Centro Internacional de Justiça de Transição, de Nova York, que monitorou de perto o caso de Dujail através de equipes em Bagdad, considera que on julgamento deve ser repetido, de forma a anular as falhas verificadas neste processo.
"De maneira alguma foi um julgamento simulado. Mas houve muitos erros e equívocos no caminho", disse Hanny Megally, especialista do grupo em justiça no Oriente Médio
"E com toda a justiça, a não ser que sejam revistos, será impossível estar dentro dos padrões de justiça."
Miranda Sissons, chefe do programa do grupo no Iraque, disse que as falhas no primeiro julgamento incluíram "repetidas interferências políticas, falhas nas provas e importantes violações de um julgamento justo".
Uma comédia. Será trágico se executarem Saddam Hussein, porque isso terá como único sentido o de calar uma voz e evitar o esclarecimento de uma série de questões importantes para a História.
Se dias antes da invasão o convidaram a exilar-se, porque não lhe permitem agora o exílio?
5 de Novembro de 2006

Com uma bela noite neste verão de S. Martinho fui às docas tomar um copo. Sentei-me à beira da marina saboreando uma cerveja e ouvindo a música que vinha do lado, de um bar que se chama «Hawaii» e que tocava, na hora, música caribenha.
Quando tentamos entrar fomos barrados por um porteiro muito encorpado que nos disse que não podíamos entrar sem pagar a módica quantia de 85 €.
Não era caso para isso, pelo que continuamos a ouvir a música, bebericando cerveja a uma janela do estabelecimento.
Entretanto, iam entrando pessoas e mais pessoas sem que o porteiro encorpado lhes pedisse qualquer pagamento.
O dito só foi pedido, no tempo em que ali estivemos, a dois casais ingleses, que também não entraram, porque não se dispuseram a pagar.
Porque me pareceu que aquele comportamento era absolutamente discriminatório, pedi o livro de reclamações, que, sucessivamente, me foi recusado pelos diversos empregados, a começar pela bar girl que me atendeu.
Chamei a polícia, que compareceu prontamente. Fiquei na expectativa de que os agentes da autoridade me assegurassem o direito de reclamar.
Pura e simplesmente, o «gerente» do estabelecimento recusou-se a entregar o livro, alegando que eu não tinha consumido nada, pois teria, seguramente encontrado no chão as facturas que exibi.
Prudentemente retirámo-nos dali, evitando que as coisas «aquecessem», pois que ninguém (nem mesmo os simpáticos agentes da autoridade) tinham cabedal para o que se poderia prever.
O estabelecimento Hawaii é explorado pela HPC - Importação de Roupas e Artigos Desportivos, Lda, com um capital de 5.000 €.
Das facturas consta o nº 503405166. Se consultarmos o site das publicações do Ministério da Justiça, obtemos a informação de que o número de contribuinte não válido.
A mesma informação é confirmada pelo site da validação do IVA da União Europeia.
A fazer fé nestes sites públicos as facturas terão um número de contribuinte falso, o que permite despistar completamente os dados do seu negócio.
Depois destas pesquisas compreendi bem melhor o à-vontade e o ar provocatório com que tanto o porteiro como o gerente encararam a intervenção da polícia.
A noite de Lisboa está a ficar perigosa, mesmo nos locais havidos como mais civilizados.
Isso é dramático, num país como o nosso tão dependente das receitas do turismo.
Estamos a criar medos que matam a galinha dos ovos de oiro.
É espantosa a impunidade com que estas coisas acontecem...
Depois daquilo tudo, os jovens agentes policiais disseram-me que tinham mais umas diligências a fazer e que, por isso, não podiam aceitar qualquer participação de imediato.
Pensando bem, achei que não fazia sentido fazê-la, depois do que se passou. Deverão eles tomar as providências que julgarem adequadas: ou promover o respectivo processo ou, pura e simplesmente, abafá-lo...

04 novembro 2006

4 de Novembro de 2006

Numa entrevista ao Diário de Notícias, afirma o director-geral da Polícia Judiciária que «na corrupção não há ungidos (porque) ela toca toda a gente, todos os serviços».
Sublime afirmação, que mais não serve do que para confirmar o que todos sentimos no dia a dia.
Carlos Coelho, deputado europeu do PSD, considera que o lugar geométrico preferencial da corrupção são as autarquias, mas que na administração central «há negócios também mais que suspeitos».
Há muitas formas de corrupção, mas as mais comuns passam pela sobre-facturação de bens ou serviços, pelo que não se afigura minimamente dificil atacá-la de frente, se para isso houver vontade política.
Se há reservas relativamente às generalização do fim do segredo bancário, parece-nos elementar que ele deve ser excluido relativamente às empresas e aos particulares que negoceiam com o Estado. Sabendo-se para onde vão os dinheiros públicos que pagam os bens ou serviços sobrefacturados é só seguir-lhes o rasto...
A corrupção pura nos negócios de entidades públicas com privados funciona por via da devolução de uma parte do valor pago ao funcionário ou ao político corrupto.
Ela tem um campo privilegiado na área da consultoria e das prestações de serviços e funciona segundo este esquema:
a) A entidade pública paga ao consultor um determinado montante, convencionando-se quanto é que ele devolve;
b) O consultor guarda o montante necessário para o pagamento dos impostos e entrega o remanescente no destino indicado.
Há uns anos, numa assembleia geral da PT, um administrador informou que tinham sido pagos 10 milhões de contos a advogados, a propósito da aquisição do portal ZipNet. Um pagamento deste valor é por, demais, suspeito, pelo que deveria ter sido investigado.
O sistema é, porém, amigo da corrupção. Os contratos celebrados pelo Estado e pelas entidades públicas são, normalmente, inacessíveis ou desenvolvem-se de forma tão discreta que não possível questiná-los.
O compadrio está absolutamente institucionalizado, tanto pela via da excepção da contratação directa, sem concurso público, como por aquela outra da escolha dos amigos e conhecidos.
Ainda agora vimos isso na contratação da empresa F9.
A única maneira que há de acabar com o compadrio é a de acabar com as contratações sem concurso.
Mas isso não chega.
É indispensável publicitar os contratos celebrados pelos Estado e publicar as listas dos fornecedores e dos prestadores de serviços, para que os cidadãos possam eles próprios fiscalizar o bom uso dos dinheiros públicos.
O que se passa com a contratação de serviços jurídicos ultrapassa tudo o que é razoável. E a regra de que não devem ser conhecidos os nomes dos clientes dos advogados já não serve para proteger os mais pequenos, que teoricamente seriam prejudicados pelos conhecimento de quem assiste os grandes.
Serve sim para prejudicar a concorrência e para evitar que cada um de nós se questionar porque é que é contratado este ou aquele escritório e, sobretudo, para questionar os valores pagos, que nalguns casos são escandalosos por relação aos serviços prestados.
Para além da área da consultoria, uma outra área é campo de primeira qualidade para a corrupção: a da informática e das novas tecnologias.
O facto de uma boa parte dos investimentos nestas áreas ser em consultoria e de se poderem construir dossiers enormes com a técnica do copy+paste facilita extremamente o trabalho de que se dedique à corrupção, inflacionando os valores dos projectos para verbas absolutamente intoleráveis.
Depois, tudo se justifica com erros técnicos e com incompetência. E o país continua à espera, exausto de recursos que desperdiça e de que carece para se desenvolver.
Parece evidente que tudo isto se evitaria se houvesse transparência e se pudesse funcionar a excelente massa crítica que há em Portugal e que tem permitido o sucesso a alguns jovens empresários bafejados pela sorte.
O problema está em que a massa crítica prejudica os negócios de alguns. E por isso tudo funciona em circuito fechado, cada vez mais fechado.
Haja transparência...