28 outubro 2006

28 de Outubro de 2006

Os tribunais não são como as maternidades. Pode-se parir aqui ou a 50 km de distância, sendo até preferível fazê-lo ali, se houver melhores condições.
Quem pare, leva o filho para casa e… assunto arrumado.
Não se passa o mesmo com os processos que se acumulam nos tribunais ao ponto de o presidente do Supremo, agoniado com fartura, os apelidar de «lixo».
Os processos devem nascer e morrer no mesmo sítio onde nascem, porque essa regra é apanágio do princípio do juiz natural mas também do que obriga o Estado a organizar o sistema de justiça em termos que permitam uma tutela jurisdicional efectiva em tempo útil.
É mais fácil – e mais razoável – mudar uma maternidade do que um tribunal. E se há justificação para uma mudança, não há justificação para outra.
Não há em Portugal tribunais a mais. Há é juízes a menos, como se vê pela fartura de processos que aguardam o seu fim há longo tempo e pelo martírio com que nos arrostamos todos os que trabalhamos na área judicial.
A panaceia do «novo mapa judiciário» não é mais do que isso mesmo. Uma panaceia para nos enganar a todos e para justificar a desgraça em que caiu no sistema com uma nova desgraça, que sendo nova, justifica que se peça alguma paciência.
Todos sabemos quanto custa cada mudança, quantos meses os processos ficam parados até que os encontrem de novo.
É altura de dizer: acabem com isso, deixem de brincar com coisas sérias, antes que este país se transforme numa país de cobradores com fraque ou sem fraque e a justiça pública num meio marginal de solução de conflitos.

26 outubro 2006

26 de Outubro de 2006
Diz o artº 32º do Estatuto da Ordem dos Advogados:
«1 - A assembleia geral da Ordem dos Advogados é constituída por todos os advogados com inscrição em vigor. 2 - À assembleia geral cabe deliberar sobre todos os assuntos que não estejam compreendidos nas competências específicas dos restantes órgãos da Ordem dos Advogados.»
A reunião a assembleia geral dos advogados marcada para o dia 18 de Novembro será realizada «com o patrocínio do Banco de Investimento Global», segundo consta da convocatória.
Não se trata de simples publicidade, ou seja da apensação à convocatória de uma mensagem destinada a influenciar o receptor no sentido da aquisição de serviços do referido banco.
Trata-se de um patrocínio, que, por definição corresponde ao co-financiamento da reunião.
Muito claramente, o que nos é anunciado é que a reunião magna dos advogados portugueses vai ser financiada por um banco, o que nos transformará a todos nuns ingratos se formos à assembleia geral e, num dia destes, aceitarmos o patrocínio de alguém contra o referido banco.
Parece-me mal, muito mal, que tenha havido a leviandade de celebrar um tal contrato.
Como nos pareceria mal que os mesmos (ir-)responsáveis ousassem contratar com um patrocínio com o Benfica quando sabem que muitos advogados são do Sporting.
Não pode comparar-se, obviamente, um patrocínio de uma assembleia geral dos advogados portugueses com a inserção de publicidade, feita segundo as regras do mercado, numa qualquer publicação da Ordem. São coisas, obviamente, distintas.
A não ser que se pretenda equiparar o órgão máximo da Corporação a uma vulgar gazeta e todos nós, que deveríamos formar a sua vontade, a simples leitores da mesma.
Ao menos podiam escolher o patrocínio de uma marca de detergentes…

25 outubro 2006

24 de Outubro de 2006

Tomou posse o novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento.
Entrou com o pé esquerdo e não lhe auguro grande futuro.
Tenho o maior respeito pelos trabalhadores do lixo e não me sinto, por isso, atingido pelo seu patético discurso.
Sou um dos trabalhadores do lixo, um dos responsáveis pela inundação dos tribunais com petições e requerimentos que incomodam homens como Noronha.
Até já fui julgado e condenado por, numa execução que pendia há vários anos, ter escrito e demonstrado que o tribunal violara sistematicamente a lei.
O discurso do novo presidente do Supremo é discurso subversivo no pior sentido. Procura subverter o Estado de Direito. E isso é gravíssimo, vindo de quem está no topo de um corpo de funcionários a quem não cabe discutir a lei mas aplicá-la.
O artº 1º do Código de Processo Civil estabelece - à semelhança do que acontece nos países civilizados - que a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito.
Logo de seguida, o artº 2º dispõe que «a protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.»
Para tanto, determina ainda o mesmo código que «a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.»
Ao qualificar como «lixo» os processos judiciais pendentes - que foram aceites em juizo por juizes que podiam indeferir liminarmente as petições se elas não fossem legalmente admissíveis, o presidente do STJ está a afrontar a lei que deveria respeitar.
Noronha do Nascimento colocou-se, no seu primeiro dia, fora do quadro constitucional que nos garante um Estado de Direito Democrático.
Há coisas - por mais patéticas que sejam - que são admissíveis se vierem da boca dos políticos. Mas as mesmas coisas não podem sair da boca de magistrados que estão na cúpula do sistema a quem compete realizar a justiça, em nome do Povo e no respeito pela legalidade.
O novo presidente do STJ ultrapassou todos os limites ao sugerir, como sugeriu, que se limpem os tribunais dos processos que têm em excesso.
Segundo o Público, afirmou que «os tribunais só funcionarão se houver a coragem política de os limpar do 'lixo processual' que tudo entope».
Este apelo aos políticos é, antes de tudo, uma apelo à ilegalidade, à violação da Constituição e à violação de convenções internacionais que obrigam o Estado português.
Há milhares de pessoas - credores e devedores ou talvez nem uma coisa nem outra - que aguardam há anos, com sublime paciência - que os tribunais se pronunciem sobre as questões que lhes apresentaram.
Pagaram pesadas taxas, contrataram advogados, perderam tempo.
E ouvem agora o presidente do mais alto tribunal a sugerir que haja a coragem política de destruir todo esse trabalho e toda essas esperanças, mandando literalmente para o lixo processos que consideravam coisas sérias.
Isto é absolutamente intolerável.
O Estado tem obrigações para com estas pessoas. E só tem uma maneira de as cumprir: contratando mais juizes e respeitando as leis que ele próprio fabricou.
Não é uma coisa assim tão simples, até porque, na sua essência, o serviço de justiça não se distingue de qualquer outro serviço público.
Se há excesso de serviço, se a procura é grande, só há uma forma de a satisfazer: contratar mais juizes e distribuir por eles os processos excedentes.
Sendo a justiça cara como é isso até é um negócio, não havendo nenhuma razão para se matar o mercado com a destruição do que ele tem de essencial.
Nem sequer é necessário que os juizes indispensáveis à arrumação da casa sejam contratados com vinculação definitiva ao Estado. Porque não hão-de ser contratados a prazo, quando o Estado admite esse tipo de contratação para as demais áreas da actividade humana?
O que têm é que ser juizes, com formação jurídica e vinculados às mesmas leis que hoje vinculam os demais magistrados.
Deixe-se de se pensar nessa lógica perversa de que os juizes são membros de um órgão de soberania. Que sejam... pelos poderes que têm. Mas nada impede que o sejam a prazo (como o são os elementos dos demais órgãos) pelo tempo por que forem necessários.
O que não podemos é, a pretexto da manutenção uma casta, procurar resolver os problemas do serviços de justiça com curiosos ou amadores arregimentados em estruturas adequadas a uma justiça de segunda, que serve apenas para se marginalizar a si própria e para valorizar de uma forma artificial a justiça de primeira.

23 outubro 2006

23 de Outubro de 2006

Cito um post de Eduardo Ferreira que me caiu na caixa do correio:

«É sabido que a voz do povo não se deixa enganar e que é sábia. Também é sabido que entre as muitas verdades, algumas inverdades diz. Mas!...
Será que tem alguma razão quando diz: "cu de menino e boca de juiz ninguém sabe o que diz"?Esta foi a expressão que me ocorreu, logo que ouvi a noticia da sentença, relativa ao julgamento do caso das vítimas da ponte de Entre-os-Rios.
Para mim, cumpriu-se mais um dito popular, a culpa morre sempre solteira. Afinal, até a "sapiência" dos juízes, cai por terra, face ao poder de tantas línguas. Pelo menos em relação às más, as do povo.
Por outro lado, também é sabido, que ao povo lhe são dadas razões de sobra, para ser como é. Agindo desta maneira incompreensível, é-lhe dada matéria infindável, para afiar a sua língua maledicente. E eu, também sou do povo.
Já que o povo de tudo se ocupa, de tudo sabe e tudo critica, façamos-lhe justiça.
Ao menos, quando nos previne para o andamento da história.
Quando a tragédia da queda da ponte de Entre-os-Rios aconteceu, ouvi uns dias depois um advogado dizer: - a partir de hoje muita coisa vai mudar em Portugal.
Recordo que pensei: é perfeitamente possível que assim seja. Também eu desejava que assim fosse. Infelizmente assim não foi, e a voz do povo continua tão activa que nos devia fazer parar para pensar.
É claro que essa voz pode ser injusta, mas se não queremos andar na voz do povo, não lhe podemos dar razão. E a realidade da nossa justiça não deixa de dar razão à critica.A própria estrutura em que se suporta, com "tribunais", uns acima de outros, como que a prevenir que quando uma instancia não cumpre os seus objectivos, haja uma outra acima, a que se recorra e que possa colmatar o "erro", ou seja a injustiça, só aumenta o grau de complexidade e a incompreensão, por parte daqueles que precisam de entender o que se passa.
Se a esta realidade tão complexa, como é a realidade dos tribunais, juntarmos a complexidade dos interesses com que tem de lidar, depressa se verá porque é que o resultado é tão desonroso, porque é que nem vale a pena dizer mais nada para além da citação: "cu de menino e boca de juiz ninguém sabe o que diz"...
Mais nada se ajusta a esta ao momento. Só me apetece chorar.
Eduardo Ferreira
Porto, Outubro 2006»
Bem se compreende a vontade de chorar de Eduardo.
Era por demais evidente que aquele processo criminal não daria em nada.
Mas é também evidente que há culpas e das grossas... Ou a ponte não cairia.
Desde o primeiro momento, vista até a atitude do então ministro das obras públicas, Jorge Coelho, que se demitiu, que o acidente tem como causa determinante a falta de vigilência e de assistência que ao Estado incumbia.
O ressarcimento das vítimas haveria de ser feito pelo Estado, como era claro desde a primeira hora.
Mas nós continuamos a julgar o Estado como entidade inimputável ou de condenação impossível.
Depois leva a Jutiça a descrédito, por tabela.
21 de Outubro de 2006

Continua na ser chocante o primarismo da nossa informática judiciária.
Justifica-se que haja a coragem de proceder a uma auditoria séria e que se tomem medidas urgentes para evitar a continuação da perda de tempo e de recursos.
Entre, por exemplo, na página da publicidade das vendas judiciais.
Seria suposto que pudesse fazer algumas operações que são, na realidade impossíveis.
Quer comprar móveis ou imóveis? Ou uma aeronove?
Vamos escolher uma aeronave...
Clica e o programa manda-lhe escolher um tribunal... Se não souber em que tribunal há uma aeronave para venda, não consegue chegar lá. O mesmo se passa com todo o outro tipo de bens.
Imagine que quer comprar um bem imóvel numa determinada cidade... Também não o consegue descobrir sem muito trabalho, porque o programa o não permite. Tem que o catar nos diversos tribunais.
Se fizer pesquisa por imóveis e varas civeis de Lisboa encontra bens em todo o país. Mais: os bens não são apresentados de forma isolada. Por exemplo se clicar no Processo nº 90/2002, da 10ª Vara, 1ª Secção encontra 16 prédios rústicos e urbanos, tudo ao molho, situados quase todos em Albergaria, quando na primeira página lhe aparece o anúncio de um prédio.
Há muito que defendo que a venda de bens imóveis em acção executiva deveria ser contratualizada com empresas de mediação, respeitando-se a boas regras dessa profissão, que são adequadas à satisfação dos credores e dos executados.
As empresas de mediação ganham em função do valor que obtém e isso seria, desde logo, um excelente mecanismo de combate dos cambões que continuam nos tribunais.
Do que não há dúvidas é que um programa organizado com está este, pela falta de transparência que transporta, é um excelente mecanismo de apoio a tais cambões.
É preciso mudar rapidamente. E nem se diga que isso é difícil... Está tudo já inventado pelas empresas de mediação, que têm excelentes sites de venda de bens.
Mais grave nos parece ainda o que se passa com o anúncio dos processos de insolvência.
Seria interessante e útil poder saber, mediante um simples clic, que empresas ou pessoas foram declaradas insolventes, na semana passada, em Portugal.
Isso não é possivel... Tem que procurar tribunal a tribunal, juizo a juizo. E não consegue ver sequer, de uma forma imediata, o nome do insolvente.
De outro lado, se formos ao sítio das publicações do Ministério da Justiça não encontramos a publicação das declarações de insolvência das sociedades comerciais que se encontram no site TribunaisNet.
A ideia que nos fica é a de que há uma enorme incompetência em matéria de projecto e de execução das aplicações. E isso é gravíssimo quando estamos numa área tão sensível como a da Justiça.
A insegurança dos responsáveis vai ao ponto de não acreditar nas próprias listagens das distribuições, como se vê de um aviso que afirma que «a informação aqui disponibilizada tem carácter meramente complementar às pautas afixadas nos respectivos tribunais, nos termos do disposto no art.º 219º nº 2 do CPC. Assim, apenas releva, para os devidos efeitos, a informação constante das referidas pautas...»
Se formos ao Habilus o que se passa é absolutamente inqualificável... Dedicar-lhe-emos melhor atenção em dias futuros.

16 outubro 2006

16 de Outubro de 2006

Leio e não acredito no que leio...

Luanda, 15/10 - O ministro da Justiça de Portugal, Alberto Costa, que chefia uma delegação do país, chegou hoje à Luanda, onde durante três dias vai debruçar-se sobre dois projectos de cooperação no domínio dos sistemas judiciais.
Ao falar à imprensa, no Aeroporto Internacional "4 de Fevereiro", o governante que foi recebido pelo seu homólogo, Manuel Aragão, informou que o primeiro projecto que se denomina "Empresa na hora", visa a constituição rápida de empresas que estejam interessadas em fazer negócio ou investimento.
"O mesmo vai permitir responder rapidamente aos desejos dos empresários que desejam constituir empresas em pouco tempo. Com este processo os interessados vão deixar de esperar durante meses, como acontecia também em Portugal e em outros países", frisou.
Outra experiência a ser partilhada com Angola, segundo Alberto Costa, tem haver com a modernização informática dos tribunais, no sentido destes prestarem melhor serviço à população.
Esta modernização, acrescentou, está a ser feita em todos os países do mundo, em colaboração com dos Estados Unidos.
Da agenda de trabalho do governante luso, constam dentre outras actividades, visitas ao Tribunal Supremo, a Procuradoria-Geral da República e ao Palácio da Justiça "Dona Ana Joaquina", onde estão a funcionar os juízos criminais de Luanda.
Vai igualmente inteirar-se do funcionamento do serviço de identificação civil, do Guiché Único da Empresa, do Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ) e da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. Durante a sua permanência no país, o governante luso será recebido, em audiência, pelo primeiro-ministro, Fernando da Piedade Dias dos Santos. A comitiva, que integra funcionários do Ministério da Justiça de Portugal, tem regresso previsto para quarta-feira. »
O sistema da «Empresa na Hora», que podia ser um bom sistema, é um mau sistema, pelas razões já expendidas.
O seu vício essencial reside no facto de forçar as partes a aceitar contratos pré-elaborados, que não correspondem à vontade das partes.
O sistema potencia todas as vigarices, se não for usado com cuidado. Imaginam o que é a «Empresa na hora» a funcionar em Angola?
Quando à modernização informática, a pergunta é outra: como é que um país tão atrasado como o nosso pode exportar modernização numa área em que ele próprio não conseguiu fazer nada de consistente?

15 outubro 2006

15 de Outubro de 2006


O que o governo tem afirmado nos últimos tempos em matéria de justiça assume a natureza daquela propaganda que, por ser enganosa, se voltará inevitavelmente contra ele.
Talvez porque o próprio governo não acredita nas suas soluções, adoptou a medida de aplicar as reformas com carácter experimental em comarcas muito restritas.
Do mal o menos. Mas nem por isso deixa de ser chocante aquilo a que assistimos e que se limitará a arrastar e a agravar os problemas.
Tenho para mim, como resultado da minha própria experiência, que o mal da justiça não está nos códigos nem no mapa judiciário e, por isso mesmo, o melhor seria não lhes mexer por uns tempos.
Cada alteração que se faz na legislação custa milhões de horas de trabalho aos operadores judiciários e, em vez de melhorar o funcionamento do sistema piora-o, como ainda recentemente ficou provado com a reforma da acção executiva. Já passaram por ela quatro governos e ainda não a conseguirm implementar em termos minimamente satisfatórios. Estamos hoje muito pior do que estávamos antes do governo de Guterres.
As medidas simplórias introduzidas pelo DL 108/2006, de 8 de Julho, não só não vão resolver nada como, pelo contrário, ameaçam arruinar o pouco que resta do prestígio da justiça na jurisdição civil, intimamente ligado à vinculação dos juízes às leis e aos ritos processuais, cujo abandalhamento agora se propõe por via da substituição daquelas por uma administração mais ou menos discricionária dos magistrados.
Não vou agora comentar exaustivamente o diploma, limitando-me a observar apenas uma das suas aberrações.
Imaginemos que uma companhia de telecomunicações distribui numa comarca cinquenta acções contra cinquenta pessoas diferentes, com duas testemunhas profissionais, como é costume.
O juiz pode, por sua iniciativa ou por requerimento das partes, ouvir essas testemunhas para todos os processos, obrigando os cinquenta advogados das partes a esperar a sua vez, inviabilizando ou dificultando a possibilidade de contradita e, pior do que isso, sacrificando a continuidade da audiência.
E para julgamentos que poderiam fazer-se com uma deslocação ao tribunal, vamos ter, pelo menos, duas deslocações, com as inerentes perdas de tempo e um substancial agravamento dos custos.
Para além das questões praticas evidentes, há aqui outros valores que têm que ser considerados. Um é o da continuidade da audiência. Outro tem a ver com a natureza civilística do processo, que agora é ameaçada com a figura da agregação, que mais não é que uma colectivização (e uma inevitável confusão) dos processos que tenham entre si alguma conexão, que pode ser apenas a de terem num pólo a mesma parte com as mesmas testemunhas.
Um julgamento importa para si mesmo um processo psicológico de ponderação da relação entre as partes, que é seriamente prejudicado com a massificação da intervenção processual de uma delas, susceptível de distorcer o juízo.
O chamado regime experimental, para além de não resolver nada, importa consigo algumas terríveis maldades.
Uma consiste em agravar na opinião pública a ideia de que todos os males da justiça são uma criação dos juízes, partindo-se como se parte agora da ideia feita de que lhes são retiradas todas as peias, passando eles a poder passar por cima de toda a folha, com o poder de regular o andamento dos processos por sua alta recreação e a obrigação de «decidir na hora». Depois da «empresa na hora», pretende-se agora a «justiça na hora» com as mesmas marcas da imperfeição e do improviso. É o movimento naif a chegar à justiça, sem que ninguém lhe ponha cobro.
A ideia da «empresa na hora» é uma excelente ideia, que se matou à nascença com a imposição de estatutos forçados, ou seja de contratos em que não tem nenhuma expressão a vontade das partes. Nesse sentido elas são uma fraude institucionalizada, na medida em que os terceiros que com elas negoceia são levados a crer que negociaram com uma entidade colectiva cujos estatutos emanam da vontade dos sócios, quando isso é manifestamente falso e a falsidade se demonstra com as próprias leis.
Não se sabe ainda ao que levará a «justiça na hora», desde logo pelo paradoxo que o conceito importa. Uma decisão judicial tem que ser ponderada e, por isso mesmo, acreditamos que poucos juízes arrisquem a ditar imediatamente as suas decisões, sobretudo nos processos em que seja admissível o recurso, o que transformará tal preceito em letra morta nesses casos.
O que é evidente é que a simples existência da norma nos leva a outra outra maldade, esta de raiz mais populista. Se o juiz pode decidir logo, porque é que não decide? - perguntará o povo. E com isso teremos os políticos, que são os grandes responsáveis da tragicomédia que vivemos, a responsabilizar mais uma vez os juízes por todos os males da falência a que chegou o sistema.
Uma outra consequência negativa resulta evidente da reforma que está na pauta, desta feita por via da redução das possibilidades de recurso, que não tem outro sentido imediato que não seja proteger as asneiras cometidas no quadro da «justiça na hora». Se à partida de sabe, porque é do senso comum, que o abandalhamento processual que se propõe levará a mais asneiras do que até agora era possível e que as asneiras na justiça se corrigem por via dos recursos, evidente se torna que a protecção do modelo passa pela redução das possibilidades de recurso, na velha lógica do «come e cala».
Até aí, tudo bem… O pior gera-se noutro plano, o da corrupção, tão bem retratada naquele famoso ícone do juiz de duas caras, do tribunal de Monsaraz.
A história dos recursos está intimamente ligada a uma ideia de anulação do favorecimento e da corrupção. E se até agora não temos em Portugal senão casos muito esparsos de suspeita, sendo os juízes geralmente considerados pessoas íntegras, não podemos deixar de considerar que «a ocasião faz o ladrão» e que todos os homens, incluindo os juízes, são feitos da mesma massa, pelo que seria de todo aconselhável não mexer no regime dos recursos.
Mas vamos a coisas concretas e objectivas.
Ê claro para todos nós que o maior problema da justiça é um problema de tempo. Os processos, sejam de que natureza forem, são extremamente morosos.
Poucos cidadãos saberão que é perfeitamente possível calcular, de forma objectiva, o tempo de atraso de determinado processo. Como poucos terão a ideia de que é perfeitamente possível estabelecer uma data para a conclusão de um processo, em qualquer das instâncias, tomando em consideração as regras do que deveria ser um curso normal, ou seja as regras processuais relativas a prazos.
Se temos a noção desta realidade e sabemos, com certeza demonstrada, que o atraso dos processos não se deve às partes, porque estas cumprem rigorosamente os prazos, torna-se evidente que não é preciso inventar nada para resolver o essencial da crise: basta adoptar medidas que obriguem, efectivamente, os juízes e os funcionários a cumprir os prazos estabelecidos pelas leis, impondo-lhes sanções idênticas às que são impostas às partes.
O problema está em que há um completo descontrole no funcionamento dos tribunais e que a falência em que entrou o sistema não permite, sem que se adoptem medidas administrativas de fundo, resolver, a um tempo, duas questões essenciais: a recuperação dos processos existentes e o não atraso dos processos novos.
O incumprimento dos prazos por parte dos magistrados e dos funcionários é justificado, por regra, com o excesso de trabalho e com o excesso de pendências. E as medidas propostas para resolver a crise partem dessa alegação, mas não ousam sequer tocar no problema dos prazos, sendo certo que toda a gente foge dele como o diabo da cruz.
Por isso, o que se propõe é, de um lado, a «simplificação» e, do outro, a intervenção no mercado pelas vias do racionamento e do aumento de preços que nada garantem e permitirão sempre justificar a incompetência com razões de mercado.
Um serviço de Justiça (com J) só se justifica se for um serviço de qualidade. Por isso não pode ser «na hora», nem «de pé descalço», como essa que se pretende realizar nos julgados de paz e nos modelos alternativos, que poderiam ser óptimos modelos e se estão a transformar em lugares de «meia bola e força».
Partindo do enunciado pressuposto de que o estado a que a justiça chegou decorre, essencialmente, do incumprimento dos prazos processuais por parte dos tribunais, resulta num axioma a afirmação já feita de que o problema só se resolve com a criação de condições adequadas ao cumprimento da exigência de respeito pelos prazos.
Esse é, essencialmente, um problema de gestão de recursos humanos, que tem que ser resolvido na base das mesmas regras que se aplicam nas empresas.
De nada nos vale citar estatísticas de outros países (quase sempre velhas de anos) para dizer que temos juízes suficientes. Se eles fossem suficientes e estivessem bem geridos cumpriam os prazos que as leis lhes impõem.
Se não são suficientes, só há uma solução que é formar e contratar mais juízes.
Com o actual quadro de prazos processuais – que não deve ser mudado – não é razoável que um juiz tenha em stock mais de 400 processos, o que corresponde a cerca de dois processos por dia, em termos de trabalho acumulado por processo. Com a actual tabela de custas judiciais, facilmente se conclui que a essa média de meio dia de trabalho do juiz por cada processo, só possível com uma contingentação como a sugerida, a justiça poderia ser uma actividade altamente lucrativa.
Parece-nos que o corte do ciclo vicioso passa por um modelo de redistribuição dos processos que permita e obrigue ao cumprimento dos prazos, com o rigor imposto pelas leis processuais, em que não é necessário mudar grandes coisas.
É preciso, isso sim, fazer uma profunda reforma nos serviços, que ajudará a resolver outros problemas da justiça.
Não há a mínima justificação, nos tempos que correm, para que um juiz esteja assessorado por cinco ou seis funcionários. Se se partisse, com a adequada coragem para o desmaterizalização integral, bastaria um funcionários para cada juiz, considerando já a necessidade de o juiz ser assistido nas audiências de julgamento. Os outros poderiam ser muito bem utilizados para resolver o problema da acção executiva, que permanece insolúvel.
O estado a que as coisas chegaram é gravíssimo e as soluções anunciadas contribuirão para o seu agravamento.
Ou há a coragem de pôr os pés na terra e construir um modelo que permita, em prazo certo, recuperar os processos atrasados e impor o ritmo dos prazos legais aos processos novos ou assistiremos à debacle geral, em termos piores do que os que ocorreram no quando dos processos de falência ou de insolvência, que representam o retrato mais escandaloso da justiça portuguesa.
Não vamos lá com reformas da treta nem com processos de desmaterialização que não existem.
O Ministério da Justiça não conseguiu até agora uma coisa tão simples como a informatização do processo de injunção, que se resume a um «programinha» que permita registar o requerimento, notificar automaticamente as partes e emitir o exequatur.
Faz uma propaganda danada de uma coisa que se chama Habilus e que é inqualificável, em comparação com outros sistemas de gestão processual. É duvidoso tenha capacidade para, em tempo útil, criar uma solução interactiva que permita a efectiva desmaterialização dos processos judiciais, apesar de isso ser relativamente simples e de até já haver modelos em que se poderia inspirar.
E sem isso também não é possível dar o tal salto e requalificar um sistema falido como o que temos.
Não acredito que tudo esteja a ser movido pelos interesses de alguns grupos na privatização da justiça e pela protecção de alguns negócios que se vão fazendo no campo dos chamados meios alternativos.
O que sei – e acho que todos sabemos – é que esta propaganda da treta nos conduz diariamente para um abismo, que acabará por descredibilizar completamente o País.
Ou o primeiro-ministro José Sócrates dá atenção ao assunto e o trata com a frontalidade com que o temos visto tratar de outros, ou acabará, inevitavelmente por levar por tabela.
Isto é naif demais…
15 de Outubro de 2006

Estou em Paris e leio, a 2.000 quilómetros de distância, o «Diário de Noticias» de 6ª feira, dia 13, onde o jornalista Licínio Lima escreve que Alberto Costa promete revolucionar o sistema de justiça em 180 dias.
É domingo e está um dia bonito. Não me passava pela cabeça ir procurar o site o jornal se um colega, que vive aqui, não me tivesse chamado a atenção para o anúncio de uma tão grande reforma na minha ausência.
O ministro da Justiça propôs-se revolucionar o sistema judicial em 180 dias. Durante este período, que já começou a 7 de Setembro, Alberto Costa vai apresentar em conselho de ministros 14 propostas de lei para operacionalizar o acordo político-parlamentar com o PSD assinado a 8 de Setembro - vulgarmente chamado de "pacto" para a justiça. Mas os textos terão de aguardar pela próxima sessão legislativa para serem aprovados pela Assembleia da República.
As principais propostas para a "ambiciosa reforma do sistema judicial", que Alberto Costa diz querer protagonizar, deverão estar prontas a 7 de Março de 2007. O prazo começou a contar a 7 de Setembro, dia em que o governante fez aprovar uma resolução em conselho de ministros, comprometendo-se a apresentar, no prazo máximo de 180 dias, todas as suas propostas.Logo naquela data viu aprovados três projectos de diploma. Um relativo à viabilização do regime de recursos em processo civil. Após a aprovação desta proposta de lei pela AR, vai ser muito mais caro recorrer para os tribunais superiores.
As novas regras de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça são também ali redefinidas. Prevê-se ainda que, com a nova lei, terminem os litígios entre tribunais quando há dúvidas sobre a competência para julgar um caso.
O novo diploma determina que tais conflitos sejam resolvidos com carácter de urgência, num único grau e por um juiz singular.
Uma segunda proposta de lei já aprovada a 7 de Setembro diz respeito à revisão do Código Penal.
Em análise está o texto apresentado ao Ministro da Justiça pela Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP), com as reformas já divulgadas na comunicação social.
Destacam-se aqui a consagração da responsabilidade penal das pessoas colectivas; assim como a diversificação das sanções não privativas da liberdade - com o objectivo de promover a reintegração social e evitar a reincidência, nomeadamente através do alargamento do âmbito do trabalho a favor da comunidade e da vigilância electrónica; também o reforço da tutela de pessoas particularmente indefesas, designadamente as vítimas de crimes de violência doméstica, maus tratos e discriminação; e ainda o agravamento da responsabilidade nos casos de fenómenos criminais graves, tais como o tráfico de pessoas, o incêndio florestal e os crimes ambientais.
A terceira proposta de lei aprovada a 7 de Setembro é referente ao Código de Processo Penal.
O trabalho da UMRP foi aprovado na generalidade, devendo agora, no prazo de 60 dias, ser aprovado definitivamente. Nas várias alterações, destacam-se a redução dos prazos da prisão preventiva e limitação da sua aplicação; a adopção da necessidade de a constituição de arguido ser validada pela autoridade judiciária; a limitação do segredo de justiça, mediante a valorização do princípio da publicidade; a previsão de uma duração máxima para o interrogatório do arguido; e a limitação das pessoas que podem ser sujeitas a escutas telefónicas.
Na resolução do Conselho de Ministros de 7 de Setembro, ficou ainda estipulado que no prazo de 60 dias deverá ser aprovada, em definitivo, uma proposta de lei que proceda à criação de um sistema de mediação penal. Esta medida visa permitir a resolução extrajudicial de conflitos resultantes de pequena criminalidade, através da utilização de mecanismos de mediação entre vítima e infractor.
No prazo de 90 dias, deverá ser ainda aprovada uma proposta de simplificação e modernização do regime jurídico das custas judiciais.120 dias para a magistraturaA magistratura vai ser visada nas propostas que Alberto Costa quer ver aprovadas no prazo de 120 dias em conselho de ministros, nomeadamente a revisão do modelo do acesso à magistratura. Esta medida, entre outras alterações, visa adoptar um figurino de formação que reflicta as diferenças entre o exercício das magistraturas judicial e do Ministério Público.
É proposto que esse figurino compreenda, também, áreas de actividade social onde os litígios surgem com mais frequência, bem como a existência de módulos de formação comuns com outras profissões jurídicas, designadamente com advogados.
Em 120 dias terá igualmente de ser aprovada uma proposta de lei que regule o acesso de magistrados para os tribunais administrativos e fiscais, bem como o modelo de formação. Ao mesmo tempo, está prevista a apresentação de uma proposta legislativa que proceda à revisão dos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, incluindo a adopção de provas públicas para o acesso aos tribunais superiores. Este diploma vai estabelecer novas regras no Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente uma quota de juízes conselheiros de preenchimento obrigatório por juristas de mérito não pertencentes às magistraturas. Os regimes da aposentação e jubilação vão também ser revistos, aproximando-os dos princípios gerais aplicáveis aos servidores do Estado. Ainda em 120 dias deverá ser aprovada uma proposta que proceda às alterações necessárias ao aprofundamento da autonomia do Conselho Superior da Magistratura, dotando-o de meios financeiros e humanos. Juntamente com esta, seguirá uma outra proposta que proceda ao aperfeiçoamento do regime jurídico do acesso ao direito e aos tribunais. Nela se prevêem alterações no patrocínio oficioso, passando a incluir a consulta jurídica. Por outro lado, o Estado poderá contratar directamente advogados, através do regime de avença, para assegurar a defesa das pessoas carenciadas.
A tentativa de salvar a reforma da acção executiva tem o prazo mais alargado.
Alberto Costa quer ver aprovada em 180 dias uma proposta de lei que permita o acesso de licenciados em direito, incluindo advogados, ao exercício de funções de agente de execução. Recorde-se que, entretanto, foram já aprovadas 17 medidas para desbloquear a acção executiva, considerada o "cancro" da justiça.
Neste mesmo prazo deve ser aprovada uma proposta que proceda à revisão do mapa judiciário. Assim, são 14 as propostas de lei que, em 180 dias, vão ser levadas a conselho de ministros. Todas estão previstas no chamado pacto para a justiça assinado pelo PS e PSD. Daí que a sua aprovação na Assembleia da República, na próxima sessão legislativa, esteja praticamente garantida .
Mas, não será pacífico. Algumas das iniciativas irão tocar no estatuto dos magistrados. E os sindicatos garantem que estarão atentos.
Não há nisto nada de novo. Tudo é requentado e sem nenhuma ideia nova, sendo que as que são velhas de meses são, par além disso, más.
Antigamente havia uns ministros que faziam inaugurações várias vezes. O ministro da justiça de Portugal conseguiu adaptar o modelo ao seu ministério e anuncia as mesmas coisas várias vezes, como se elas fosse novas, quando na realidade não o são.
Alberto Costa é, talvez, o pior ministro da justiça que Portugal teve depois do 25 de Abril.
Dramático é que, em simultâneo, temos um bastonário da Ordem dos Advogados que é também, talvez, o pior bastonário que a Ordem teve na II República.
O sistema está completamente falido e é indispensável que alguém tenha tino para perceber a gravidade da situação e para criar alternativas que inviabilizem os próprios serviços mínimos. Cumpria aqui um especial papel à Ordem dos Advogados, que, depois de ter denunciado a gravidade da situação da justiça, apontando casos concretos, agora se cala (e até aplaude) como se tudo corresse no melhor dos mundos.

11 outubro 2006

11 de Outubro de 2006
A crise parece atingir a própria Ordem dos Advogados.
Noticia o «Correio da Manhã» que o Bastonário vai fazer 20 programas de televisão, para falar da «Justiça na Ordem».
Trata-se, objectivamente, de um aproveitamento do cargo para se publicitar a si próprio e fazer aquilo que outros estão impedidos de fazer.
É uma pouca vergonha, uma falta de decoro inqualificável.
Ninguém conhecia Rogério Alves há uns anos. Hoje o país conhece-o não porque tenha feito o que quer que fosse de válido e consistente, mas porque aparece na televisão com frequência.
Há, porém, limites... E justificava-se que houvesse bom senso.
João Miguel Barros comenta assim a notícia incidental:
«Será a notícia é verdadeira? Não posso acreditar!!!
Já li a notícia três vezes e fui ao site do Correio da Manhã verificar o texto que é citado no Diário Digital e continuo sem acreditar no que leio!
Mas a ser verdade, é caso para dizer que o Sr. Bastonário em exercício não consegue resisitir a esse seu impulso de comentador televisivo (agora não já da teia processual da Casa Pia), a troco de tudo e de nada!
E, mais uma vez a ser verdade, o Sr. Bastonário em exercício desgasta a sua imagem (dele, Bastonário, não dele comentador Rogério Alves) e banaliza o cargo institucional que ocupa nestas funções mediática baratas, alimentadoras do ego, mas que enfraquecem a posição da Ordem ods Advogados.
Ao que isto chegou! O Bastonário da Ordem dos Advogados a dar conselhos jurídicos, através da televisão!
Mas porque é que os advogados não libertam o Sr. Bastonário das suas funções institucionais para que possa ter o tempo suficiente para o exercício das suas funções de consultor jurídico televisivo e comentador televisivo?
Acho que sim. Está mesmo na hora de se pensar numa outra estrutura que seja verdadeiramente representativa da Advocacia Portuguesa! »
Parece-me que tem razão.