05 agosto 2006

4 de Agosto de 2006

Sob o título «Cibernética a direito» escreve João Espírito Santo, advogado e docente universitário, esta brilhante peça no «Expresso»:
O direito — vocábulo de uso corrente com significados vários — é fenómeno próprio do ser humano e da sociabilidade; esta dupla ligação é frequentemente frisada nos escritos que procuram descrevê-lo, seja como pequeno livro de bolso ou elaborado manual de ensino. A caracterização descrita, se não responde à pergunta «O que é o direito?», tem a vantagem explicativa de afastar do espírito de quem se formula tal interrogação aspectos que estão inteiramente arredados daquela realidade — o direito não tem qualquer lugar na ordenação dos fenómenos da natureza, no comportamento instintivo das espécies animais, nem, tão-pouco, no do ser humano que, com desvio de uma natural tendência gregária, não vive em sociedade. Aquela caracterização é correntemente sintetizada num brocardo latino: ibi societas, ubi ius — onde há sociedade, há direito.
A implicação do direito pelas sociedades humanas produz em relação a ele algo de verdadeiramente admirável: a generalizada consciência social da sua existência. Vários outros fenómenos, naturais ou do exclusivo domínio da consciência humana, não partilham dessa percepção — pense-se, por exemplo, na mineralogia ou na linguagem como objecto de especulação filosófica. A generalidade das pessoas não especialmente versadas em direito não conseguirá sobre ele formular uma noção tecnicamente precisa, mas reconhece e sabe identificar realidades que só existem por que o direito existe... crime, sentença, penhora; sabe que tem direitos e consegue identificar profissões especialmente ligadas ao direito: advogados, notários, juízes...
A história da civilização ocidental culmina na actualidade, no que ao direito (entendido como ordenamento, expresso por regras jurídicas) diz respeito, num generalizado reconhecimento de que aquele deve orientar-se à consecução de valores que lhe são exteriores: essencialmente, a justiça e a segurança.
Justiça, à semelhança de direito, é palavra equívoca; um dos sentidos generalizados na actualidade fá-la valer por actividade dos tribunais na decisão de casos concretos. É com tal sentido que tantas vezes se clama contra a justiça portuguesa... O clamor tem como principal fundamento uma generalizada lentidão, que é, em si mesmo, um factor de ineficácia e, por isso, de injustiça.
Neste quadro, parece óbvio que o sistema judicial tem muito a ganhar com a exploração das potencialidades da cibernética, enquanto meios de gestão de informação e da sua rápida difusão, inegavelmente úteis ao seu mais célere funcionamento. E o mesmo se pode dizer da actividade jurídica geral, que não passa pela mediação de tribunais, abrangendo questões tão diversas como a realização on-line de registos de bens, a obtenção de documentos necessários à prática de actos jurídicos ou a criação de empresas. Os arautos da desgraça tendem a desdenhar desta tendência, alegando que ela potencia a fraude e, por isso, a insegurança jurídica. A esta argumentação responderei que não há progresso sem assunção de risco e que o excessivo receio da patologia resulta normalmente em entorpecimento.
Quando a universidade escreve assim sobre matéria de tão elevada densidade e quando se conclui como se vê do último parágrafo, não há comentários a fazer.

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