14 julho 2006

14 de Julho de 2006

Uma companhia brasileira vendeu umas dezenas de milhar de metros de tecido a uma empresa de Guimarães. A crédito, contra o aceite de uma letra, para desembaraço da mercadoria, letra essa entregue a um banco português de primeira linha.
Quando a letra estava à beira do vencimento, o artista português resolveu não pagar e ficar com a mercadoria.
Propôs uma providência cautelar, alegando defeitos numa pequena parte da mercadoria e prejuizos incalculáveis e pedindo ao tribunal que ordenasse ao banco o não pagamento da letra.
E o tribunal, depois de ouvir as testemunhas da casa, decretou como se pediu.
Ficaram os brasileiros sem mercadoria e sem letra, porque o banco, entretanto, a não entregou ao sacador.
Os brasileiros deduziram oposição e ganharam.
Mas quase dois anos depois estão sem a mercadoria, sem a letra e sem possibilidade de exigir o pagamento, pois que, naturalmente, quem aceitou a letra diz que nada paga sem ela e, de outro lado, o banco a não entrega, o que até dá para pensar que tudo pode ter sido feito na base da confiança, sem letra nenhuma.
Requeremos uma notificação judicial avulsa do presidente do banco na sede do mesmo, no Porto. Uma funcionária respondeu ao solicitador de execução que o presidente do banco não vai à sede, porque está em Lisboa.
Há um ano que apresentamos uma reclamação sobre a qual não houve ainda pronúncia...
Claro que a entourage dos clientes pensa, justamente, que há aqui jogadas de influência. Não tem é provas para falar mais alto.
O meu receio é que possam pensar que eu próprio estou envolvido em coisas menos claras.
Amaciei o que pude, mas mesmo assim saiu este requerimento:

« Exmº Senhor Juiz de Direito:
COMPANHIA XXX , R. nos autos à margem identificados, vem dizer e requerer o seguinte:
1. No dia 16/6/2005, portanto há mais de um ano, foi apresentada reclamação do saneador e da base instrutória e requerimento de prova.
2. Até hoje, não foi a ora requerente notificada de qualquer despacho.
3. Não tem o mandatário argumentos que permitam explicar à sua constituinte a bondade desta situação.
4. Os sócios da ora requerente, que são estrangeiros, farão, seguramente, um juízo muito negativo da Justiça portuguesa.
5. Mas, contra factos, não tem o mandatário argumentos…
6. A A. é uma empresa com sede e estabelecimentos em Guimarães.
7. Recebeu uma encomenda que fez à R., sob amostra, sendo a mercadoria entregue contra aceite de uma letra entregue a um banco português de primeira linha.
8. Reclamou, aliás deficientemente, de defeitos, aliás ainda não provados, relativamente a uma reduzidíssima parte da mercadoria.
9. Propôs uma providência cautelar, visando o não pagamento de tal letra, que veio a ser julgada improcedente em sede de recurso.
10. O banco que desembaraçou a mercadoria não entrega a letra e a A., que reclamou apenas uma parte ínfima da mercadoria, não paga, justamente porque aceitou uma letra, que o credor não tem em sua mão.
11. Enquanto isso, este processo está parado há mais de um ano, o que, objectivamente, favorece a posição de uma entidade que tem sede e estabelecimentos na sede da comarca e prejudica uma empresa brasileira que, de boa fé, lhe forneceu milhares de metros de tecidos.
12. Não tem nem a R. nem o seu mandatário o mínimo indicio ou a mínima suspeita de que estaremos perante uma situação de corrupção na Justiça.
13. Mas é por demais óbvio que, tomando em consideração o disposto na lei processual em matéria de prazos, estamos perante uma situação absolutamente anómala, que objectivamente redunda num favorecimento de quem se apropriou da mercadoria.
14. É do senso comum que a Justiça perdeu toda a credibilidade em Portugal.
15. O sistema está completamente falido e ninguém acredita nele, a começar pelos operadores judiciais, que não respeitam as suas regras.
16. Verdade é, porém, que no estrangeiro se tem ainda algum respeito pelo funcionamento dos tribunais nos países da União Europeia em geral e em Portugal em particular.
17. Parece-nos, com o devido respeito, que para além da aplicação da Justiça em nome do Povo, têm os tribunais portugueses a obrigação de defender o decoro do País quando estão causa conflitos de interesses com empresas estrangeiras.
18. O tribunal não pode ser insensível aos interesses do País na defesa do bom funcionamento do comércio jurídico internacional.
19. No caso vertente, não pode o tribunal manter uma posição passiva de adiamento, que favorece uma situação de facto tão grotesca como a relatada.
20. O que este caso permite concluir é que é perigoso vender mercadorias contra documentos cambiários a empresas portuguesas.
21. Quem o fizer corre o risco de perder as mercadorias e de não haver os documentos que permitam executar os seus créditos durante longo tempo, porque os tribunais não respeitam as próprias leis do país em matéria de prazos e podem, objectivamente, favorecer os devedores portugueses contra os credores estrangeiros, como está a ocorrer neste caso.

Termos em que, sem mais considerações, requer a Vª Exª que se profira despacho sobre a reclamação antecedente.

Mais requer que a informação referente a este processo seja introduzida no Habilus, em que ela está omissa.»

Sem comentários: