12 dezembro 2006

É urgente lançar um debate sério sobre os meios alternativos da justiça.
O que vem sendo dito não é honesto e os portugueses não merecem ser enganados de forma tão grosseira.
Importa afirmar, em primeiro lugar, que a política de promoção dos meios alternativos constitui, em si mesma, a mais acabada confissão da falência do actual sistema e da incapacidade política para o reformar.
O que se constata é que há vícios no funcionamento do sistema de justiça e não há a intenção de eliminar esses vícios de forma séria. Parece até haver a intenção de os agravar, como se poderosos interesses justificassem a criação de um novo mercado.
É evidente que se há trabalho a mais, só há uma solução para resolver tal problema: encontrar quem o realize.
Ora, o que acontece na justiça portuguesa é que, havendo trabalho a mais para os juizes, são eles próprios que defendem que o número de juizes não deve aumentar, o que constitui um absurdo. Os mesmos juizes apontam outros caminhos, como o da redução das possibilidades de recurso e a simplificação processual, todos eles adequados não a procurar uma justiça perfeita mas a aumentar o nível de discricionariedade e de incerteza.
O sistema está, realmente, podre. Jovens desembargadores e conselheiros que ainda não são velhos proferem decisões paradoxais, agarrados a interpretações simplificadoras dos processos.
Só um exemplo:
a) Estabilizou-se hoje o estúpido entendimento de que o objecto de um recurso tem que caber nas conclusões, que devem ser sintéticas, por natureza;
b) Se as conclusões forem longas, embora sejam a consequência lógica do que se alegou, com frequência os senhores juizes as mandam reduzir, como se tivessem preguiça de as ler;
c) Por mais brilhantes que sejam os argumentos e por mais lógico que seja o axioma de que as conclusões são consequência do que antes se alegou, com frequência os magistrados extraiem soluções jurídicas com absoluto contrasenso, como se lessem apenas as conclusões e nem passassem por cima do texto principal.
A má qualidade dos acórdãos tem vindo a crescer todos os anos, agravando o risco justiça. Mas ainda não atingimos uma situação que se possa qualificar de dramática, como a que teremos se se reduzirem as possibilidades de recurso.
Quando vivemos num tempo de propaganda dos direitos do consumidor, não se compreende que a qualidade da justiça não seja auditada de uma forma rigorosa, por entidades que não sejam dependentes dos subsídios ou de contratos negociados em função das cores dos olhos ou dos compadrios dos inquilinos dos palácios do poder.
Há coisas que são tão evidentes, que não resistem a nenhuma auditoria minimamente cuidadosa, como foi sobejamente demonstrado no mandato do bastonário José Miguel Júdice, com a publicitação de casos absolutamente arrepiantes.
Poderia ter-se optado por corrigir estes vícios e por tentar construir um sistema jurídico exigente e que oferecesse aos cidadãos garantias de qualidade.
É evidente que se tivéssemos uma justiça pública de qualidade - nomeadamente no plano da celeridade - não haveria mercado para os meios alternativos, para além dos niveis em que esses meios têm sido tradicionalmente usados.
É por demais evidente que a crise da justiça favorece os uso dos meios alternativos como meios prevalentes sobre a justiça pública.
Os primeiros interessados nesse modelo são, obviamente, os políticos.
Já hoje o Estado e as autarquias são os principais clientes das «justiças» alternativas, o que tem, à partida, dois tipos de vantagens para os políticos corruptos: o da gestão secreta dos conflitos, porque uma das marcas das decisões arbitrais é a do segredo, e o da contratação descricionária dos árbitros que melhor lhe convenham, em contraponto com a aleatoriedade da escolha dos juizes.
Depois, têm interesse na crise os privilegiados juristas que, por meios sempre obscuros, porque resultantes da inflência, conseguem ver os seus nomes inscritos nas listas de árbitros das mais variadas instituições.
A decisão dos grandes «litígios» sujeitos a arbitragem é hoje confiada a um reduzido número de juristas, sobretudo advogados, professores e juizes, que se movem nos corredores dos diversos poderes, cada eles comparável em sabedoria e bom senso com pelo menos cem pessoas igualmente capazes.
Com isto não digo mal da arbitragem, que recomendo há duas décadas aos meus clientes. Digo mal é da sua perversão e do tráfico de influências em que se encontra envolvida.
Parece óbvio que quem trabalha para o Estado (quem presta outros serviços ao Estado) não tem condições para ser árbitro num processo arbitral em que o Estado o nomeie ou em que intervenham colegas do seu escritório como advogados.
Outro vício da arbitragem é o dos circuitos fechados dos centros de arbitragem em cujas listas só conseque entrar quem tiver influência.
Essa influência reparte-se, depois, num outro plano que é o da partição do mercado pelos advogados das partes, naturalmente alinhados com os árbitros que cada parte escolhe.
No plano da «alta arbitragem» não tem qualquer relevância o valor - sem prejuizo do valor que possam ter os escolhidos, que o têm sempre. O que conta é a influência, ou para fazer parte das listas ou para ser escolhido nas arbitragens não institucionalizadas.
A crise da justiça tradicional permite, nesse plano, uma verdadeira fuga dos políticos à justiça por via da morte do juiz natural. E permite um secretismo total, como convém.
Jogam-se nessa área milhões de honorários: Mas joga-se, sobretudo, a influência que permite, pelas mesmas portas, a contratação de chorudas consultorias, também elas insindicáveis, porques secretas.
Depois é preciso criar junto da arraia miuda a ideia de que a crise é tão grande que justifica que os pequenos também tenham «outra saída» - a saída dos meios alternativos.
Estamos perante outra faceta da mesma fraude.
A justiça tradicional sempre teve alguns vícios, mas não tantos como hoje.
Sempre os advogados procuraram mediar ou conciliar os interesses das pequenas causas, em abono do velho princípio de que «mais vale um mau acordo do que uma boa sentença». Há até advogados que, não tendo jeito ou conhecimentos para litigar em processos judiciais, se transformaram em extraordinários mediadores e conciliadores de interesses.
A grande diferença que existe entre a moderna mediação e a velha conciliação está em que o mediador assume uma postura socrática, no sentido de adoptar um método que provoque um diálogo entre as partes envolvidas, de forma a que sejam elas, pelo seu esforço, a encontrar a solução.
Mais sofisticada que a clássica conciliação, recorrendo a técnicas da psicologia moderna, a mediação sempre foi usada, embora não se chamasse assim nem fosse realizada no respeito total por um conjunto de regras que se estabilizaram em cartilhas que começaram a ser adoptadas a partir dos anos 70, primeiro nas negociações políticas, depois nas questões de família e agora em todas as áreas.
A conciliação e a negociação têm a sua génese em tempos imemoráveis e, também por isso, não constituem nenhuma novidade.
Então porque promove agora o Estado esses novos meios e se prepara para os impôr em termos muito semelhantes aos que o regime corporativo adoptou?
Vamos falar disso nos próximos posts.
12 de Dezembro de 2006

Retomo o tema principal destas notas.
O problema da justiça é, talvez, o mais grave que afecta hoje Portugal.
Sintomática disso mesmo é a sugestão, dada há dias (ver 24 de Outubro) pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, num discurso subversivo do estado de direito democrático. O dr. Noronha do Nascimento disse, nem mais nem menos, que a crise só se ultrapassa «limpando o lixo que entope os tribunais», lançando um apelo à coragem dos políticos para a destruição dos processos excedentários.
O que caracteriza o estado de direito – e daí a origem da expressão – é a possibilidade efectiva de tutela jurisdicional de qualquer direito, com o mais rigoroso respeito legalidade do princípio de que a todo o direito corresponde uma acção e do princípio de que todo o cidadão tem o direito de exigir que os tribunais se pronunciem com adequada celeridade sobre as questões que lhes são colocadas.
A situação de crise atingiu um estado limite em Portugal.
Um simples inventário, destinado à partilha de bens, demora anos e anos, morrendo muitas vezes os herdeiros sem aceder às heranças. Um divórcio litigioso arrasta-se, por regra, ao ponto de os cônjuges serem obrigados a entender-se e a convolá-lo em mútuo consentimento. As falências – agora denominadas insolvências – são processos intermináveis, em que normalmente acabam destruídas unidades com valor económico, que se poderiam pôr em funcionamento, apenas porque o sistema não funciona.
As cobranças de dívida por via judicial são difíceis e demoradas, o que gerou um novo mercado, assente na extorsão e na ameaça, que parece ser aplaudido como meio alternativo.
Tudo isto acontece numa sociedade de mercado, onde a justiça é cara, é paga e deveria ser lucrativa e onde não faltam meios que permitiriam, se houvesse algum bom senso, ter um sistema primoroso.
Não tenho dúvidas de que um dos maiores problemas da justiça portuguesa reside no facto de ela assentar num sistema de castas.
São os juízes, marcados por vícios acumulados durante séculos e por um sindicalismo que atravessa a magistratura, desde o CEJ até à cúpula. Operários do sistema judiciário num dia, quando querem reivindicar melhores condições de trabalho, arrogam-se membros de um órgão de soberania quando precisam de afrontar os outros poderes.
São os magistrados do Ministério Público, cuja produtividade está sempre protegida pelo segredo de justiça, que não permite questionar em tempo os processos que não andam.
São os advogados, organizados numa estrutura corporativa, que serve cada vez mais para o lobbying pessoal do que para a defesa dos princípios éticos que fazem mover a profissão em todos os países civilizados. É, entre estes, uma multidão de desempregados ou de subempregados que não vê na Ordem senão uma bandeira de esperança para as suas lástimas, por via da criação de um sistema de ocupação de tempos livres que sempre vai dando para a bucha.
Chegou-se ao ponto de alguns membros do governo se disporem a vender as suas intervenções para financiar esse «esquema» de «trabalho social» que a Ordem vem fomentando para manter uma espécie de exército industrial de reserva.
Claro que a crise favorece esse modelo de justiça economicamente aliciante que é a arbitragem, plenamente justificada pela comprovada ineficácia da justiça pública. Nos dias de hoje só um tolo deixaria àquela a possibilidade de julgar conflitos milionários, sendo certo que nem o próprio Estado acredita na justiça que tem, acordando, por regra, na solução dos seus problemas por via arbitral.
E os pobres? As pequenas e médias empresas? Os cidadãos?
Parece óbvio que, se a justiça pública funcionasse, morreriam à nascença negócios bilionários ou haveria, pelo menos, tempo para que a aquisição de serviços jurídicos pelas entidades públicas não visse a sua falta de transparências sistematicamente justificada pela urgência.
São milhões, distribuídos por meia dúzia, sem concursos públicos nem publicitação dos contratos, num cambão permanente e numa conflitualidade de interesses que nunca vem à tona, protegida pelos diversos segredos, entre os quais o profissional.
O mínimo exigível seria que o Estado e as entidades dele dependentes publicitasse os contratos que faz com advogados e que, nestes tempos de choque tecnológico, os que são por ele contratados fizessem parte de uma lista, publicada na Internet, para boa defesa dos direitos dos consumidores.
O razoável seria que as contas dos advogados que prestam serviço ao Estado ou a entidades públicas fossem obrigatoriamente auditadas, tanto no que respeita aos serviços prestados como ao destino dos fundos recebidos.
A corrupção, nos tempos de hoje, passa essencialmente pelos fornecedores de bens imateriais como são os serviços de consultoria e os fornecimentos de software. É aquela lógica do toma lá um milhão, tira o imposto, vês quanto sobre, retiras dez por cento e dá cá o resto…
Vivemos, autenticamente, numa selva e é preciso acabar com ela.
Não sei se os actuais dirigentes do Ministério da Justiça têm uma rigorosa noção do que está a acontecer e por isso lhes dou até o benefício da dúvida. Seria grave que, tendo a noção da realidade e afirmando-se todos, sem excepção, europeístas convictos, nos arrastassem conscientemente para um terceiro-mundismo ainda mais profundo do que aquele em que estamos a viver.
A patética demonstração disso mesmo está na propagandeada deslocação de Alberto Costa a Angola, onde foi «vender» a «Empresa na Hora» e «Habilus», depois de uma viagem idêntica à América Latina, onde parece que encontrou interessados apenas na Bolívia.
Não é que a «Empresa na Hora» e o «Habilus» não tenham partido de boas ideias, como acontece com quase tudo. Tiveram é péssimas execuções, que destruíram quase tudo o que as ideias tinham de bom.
Não me refiro, no que respeita à primeira, à patética lista de denominações sociais disponíveis, para cuja elaboração, provavelmente os dirigentes do ministério pediram a ajuda dos filhos mais pequenos. Refiro-me, essencialmente, ao absurdo que consiste na imposição de contratos sociais pré-elaborados em que as partes não têm nenhuma hipótese de afirmar a sua vontade.
No que se refere ao segundo – o «Habilus» – trata-se de um sistema onde não é possível consultar quase nada, com excepção das «conclusões em folha em branco» cuidadosamente digitalizadas dia a dia.
Não tenho dúvidas de que uma boa parte dos problemas da justiça se resolverá com o recurso às novas tecnologias. Mas não tenho dúvidas, também, de que esta equipa ministerial é absolutamente incompetente, atentas as provas dadas e as ideias anunciadas para levar avante uma reforma que resolva o essencial dos problemas.
O erro maior das reformas é um autêntico «ovo de Colombo» e reside, essencialmente na duplicação de sistemas.
Antigamente, eu enviava um requerimento ao tribunal e o funcionário colocava o papel no processo e concluía-o ao juiz. Hoje eu envio o mesmo requerimento por correio electrónico e o funcionário é obrigado a imprimi-lo, a lançá-lo no «Habilus» e a colocá-lo no processo.
Quando o juiz despacha, o despacho vai para o funcionário, que o lança no «Habilus» e mo envia por correio (apesar de eu comunicar com o tribunal por correio electrónico).
Isto é, logicamente, um atraso de vida. O trabalho é muito mais – podemos dizer que duplicou - quando podia ser muito menos.
Sem entrar em questões técnicas – aliás há muito inventadas e disponíveis – parece-me acessível a elementar percepção de que, se não queremos andar para trás, se torna indispensável passar, de imediato e urgentemente, para a completa desmaterialização, sob pena de estamos condenados a seguir a doutrina do Dr. Noronha, incendiando todos os tribunais para os libertar do «lixo» acumulado.
As soluções existem e são simples e económicas. Poderíamos falar das ERP’s, nas suas variadas famílias. Mas talvez seja mais facilmente perceptível – e menos exigente – imaginarmos o novo processo como uma espécie de um «blog» em que as partes interagem com o juiz, sem necessidade da maior parte dos actos dos funcionários, com transparência absoluta para os interessados.
Ou passamos para esse estádio, com a maior urgência, ou o sistema ficará completamente bloqueado a breve prazo.
Dramático – verdadeiramente dramático – é que este governo não conseguiu operacionalizar sequer a informatização dos processos de injunção, uma coisa tão simples que se resolveria com uma base de dados apta a, com um simples clique, disparar no próprio dia as notificações e, no termo do prazo, os «exequatur», estes de forma absolutamente automática, sem intervenção humana.
Os serviços jurídicos ocupam uma relevante parcela do mercado, em que não devem minorar-se os direitos dos consumidores, nomeadamente o do acesso a soluções jurídicas rápidas e perfeitas.
Enquanto os cidadãos e as empresas sofrem, estão no desemprego ou no subemprego dezenas de milhares de juristas que poderiam resolver os problemas que se enfrentam na justiça num lapso de tempo relativamente rápido.
Há o prurido de que um juiz tem que passar pelo «aviário dos juízes» - o CEJ. Mas trata-se de um falso prurido, quando o próprio Estado e os próprios magistrados advogam o recurso à arbitragem e a «meios alternativos» que até podem ser promovidos por não juristas.
Não vejo nenhuma razão – e ando nos tribunais há quase trinta anos – para que qualquer jurista não possa ser juiz, após um curto estágio, desde que não se mexa no sistema de recursos em termos de redução da possibilidade de recurso.
O que não pode continuar é a existência de juízes com doze mil processos, porque nenhum juiz consegue acompanhar, razoavelmente, mais de quinhentos. Por cada juiz com doze mil processos têm que ser admitidos, no mínimo, vinte e três, sob pena de terem que se incendiar os tribunais, para salva a reduzida honra da justiça.
Nem se diga que isso é impossível, porque importaria enormes encargos para o Estado.
Trata-se de um rotunda mentira a vários títulos.
Em primeiro lugar porque, se se aplicarem a justiça critérios de controlo da produtividade comuns na generalidade dos serviços (time-sheet por diligência, controlo automático de prazos, prémios de produtividade e sanções para a baixa produtividade) os tribunais, com os preços que praticam hoje, serão altamente lucrativos.
Em segundo lugar porque o mais elementar bom senso obriga a que se encare a justiça como um qualquer serviço e se estabeleça um sistema de contratação dos novos juízes que, sem afectar a sua independência, não os vincule senão temporariamente ao Estado.
No ponto em que as coisas estão não é claro que uma reforma como a que preconizamos venha a ter o apoio dos advogados através da organização corporativa que fala por eles e que os estrangula num colete de forças contrário às regras da União.
A advocacia é, talvez, a área dos serviços mais blindada por relação às regras da concorrência.
Uma reforma profunda do funcionamento do sistema judiciário, que o pusesse a funcionar em termos normais, seria um factor perturbador da concorrência podre em que vivemos e que assenta boa parte dos seus interesses na manutenção da ineficácia, que se faz render como valor.
Uma reforma profunda do sistema judiciário deixaria completamente a nu muitos dos que só sobrevivem com este ritmo – e que dele sabem tirar rendimento – abrindo as portas a milhares de jovens que estão sedentos por trabalho e dispostos a trabalhar as horas que forem precisas para recuperar o tempo perdido.
O maior problema do mercado jurídico nos tempos que vão correndo está em que, com a paralisação dos tribunais os jovens advogados, como aquele taxista que em dias de chuva me leva a casa, são obrigados a constatar diariamente que, como dizia Thomas Robert Malthus, «não há mais talheres na mesa da natureza».

11 dezembro 2006

11 de Dezembro de 2006
Remeti-me ao silêncio durante um mês. É preciso controlar as emoções e a revolta que nos provoca a miserável situação a que chegou a justiça e a vergonhosa situação a que chegou a política.
Há coisas que me parecem demasiado evidentes; mas que têm que ser tratadas a frio.
O ambiente não é propício, mas isso não justifica que nos calemos, só porque a propaganda governamental intoxica a opinião pública com um conjunto de mentiras, cujo resultado se verá apenas depois de dar tempo ao tempo.
Um dos dramas deste país está em que se experimentam soluções que, à partida, se sabe que não vão resultar.
É o que o Dr. Alberto Costa anda a fazer há dois anos, no que se refere ao funcionamento dos tribunais.

05 novembro 2006

5 de Novembro de 2006

A falência não é apenas local. É internacional.
No termo de uma palhaçada a que vêm chamando julgamento, um tribunal do Iraque condenou à morte o ditador Saddam Hussein.
No decurso do julgamento foram assassinados três dos advogados que aceitaram a defesa.
As notícias da decisão deixam-nos apenas o conforto de a presidência finlandesa da União Europeia se ter declarado frontalmente contra a pena de morte.
Em Portugal nem uma palavra...
Os Estados Unidos congratularam-se com a sentença, como não podia deixar de ser, apesar de terem sido quem, com maior intensidade, apoiava Saddam no tempo em que ocorreu o massacre.
Para além de Saddam Hussein, também o meio-irmão do ex-ditador e antigo chefe máximo do Iraque, Barzan Ibrahim al-Tikriti, foi condenado à pena de morte por enforcamento pela execução de 148 chiitas em Doujaïl na década de 80.
O tribunal especial que julgou Saddam Hussein e sete dos seus colaboradores condenou ainda à pena de morte por Awad Hamad al Bandar, chefe do tribunal revolucionário que no ano de 1982 sentenciou a morte dos 148 camponeses por terem participado num atentado contra Saddam Hussein.
O ex-vice-presidente iraquiano, Taha Yassine Ramadan, foi condenado à prisão perpétua também pelo caso Doujaïl.
Bush considerouque, para os Estados Unidos esta sentença representa uma «importante vitória» para a liberdade no Iraque, acrescentando que a sentença representa um «marco» nos esforços do povo iraquiano para trocar o mandato de um tirano pelo da lei.
Só isto seria suficiente para desacreditar a decisão, que nos surge como um frete aos Estados Unidos.
Corajosamente a presidência filandesa da União Europeia apelou ao Iraque para que não aplique a pena de morte.
«A presidência recorda a posição da União Europeia contra a pena de morte. A UE opõe-se à pena capital em todos os casos e em todas as circunstâncias e apela para que não seja aplicada no caso presente» acrescentando que «durante os últimos anos, a União Europeia condenou de maneira sistemática as violações extremamente graves dos direitos do homem e do direito humanitário internacional cometidas pelo regime de Saddam Hussein».
A Amnistia Internacional deplorou, de imediato, a decisão, considerando que este processo violou, de forma sistemática, as normas geralmente aceites no direito criminal internacional.
Os advogados de Saddam consideraram o julgamento como uma "gozação da justiça", na excelente tradução da Reuter's.
Diversos grupos defensores dos direitos humanos consideraram que o julgamento que durou um ano, período em que três advogados de defesa foram assassinados e o primeiro juiz renunciou, denunciando interferências políticas, não foi realizado «dentro dos parâmetros que lhe permitiriam resolver a questão».
"O tribunal não foi imparcial. Não foram tomadas medidas adequadas para proteger a segurança dos advogados de defesa e das testemunhas", disse Malcolm Smart, chefe do Programa da Amnistia Internacional para o Oriente Médio e Norte da África.
"Toda pessoa tem direito a um julgamento justo, até mesmo pessoas acusadas de crimes da magnitude dos que Saddam Hussein foi acusado, e este julgamento não foi justo."
As autoridades dos EUA - que financiaram o julgamento - consideram que o mesmo cumpriu os padrões legais iraquianos e que os advogados de defesa assassinados receberam oferta de mais segurança, mas recusaram.
O caso de Dujail, pelo qual Saddam foi condenado, foi o primeiro mas está longe de ser o mais importante, segundo a generalidade dos observadores crediveis. O julgamento, com a conclusão que teve, é, antes de tudo, uma forma de «abafar» e impedir o julgamento de outros casos, nos quais estiveram envolvidos os Estados Unidos, que na época apoiavam Saddam Hussein.
É hoje pacífico que os Estados Unidos e a CIA estiveram envolvidos com Saddam no genocídio de 180.000 curdos nos anos 1980.
O próprio Centro Internacional de Justiça de Transição, de Nova York, que monitorou de perto o caso de Dujail através de equipes em Bagdad, considera que on julgamento deve ser repetido, de forma a anular as falhas verificadas neste processo.
"De maneira alguma foi um julgamento simulado. Mas houve muitos erros e equívocos no caminho", disse Hanny Megally, especialista do grupo em justiça no Oriente Médio
"E com toda a justiça, a não ser que sejam revistos, será impossível estar dentro dos padrões de justiça."
Miranda Sissons, chefe do programa do grupo no Iraque, disse que as falhas no primeiro julgamento incluíram "repetidas interferências políticas, falhas nas provas e importantes violações de um julgamento justo".
Uma comédia. Será trágico se executarem Saddam Hussein, porque isso terá como único sentido o de calar uma voz e evitar o esclarecimento de uma série de questões importantes para a História.
Se dias antes da invasão o convidaram a exilar-se, porque não lhe permitem agora o exílio?
5 de Novembro de 2006

Com uma bela noite neste verão de S. Martinho fui às docas tomar um copo. Sentei-me à beira da marina saboreando uma cerveja e ouvindo a música que vinha do lado, de um bar que se chama «Hawaii» e que tocava, na hora, música caribenha.
Quando tentamos entrar fomos barrados por um porteiro muito encorpado que nos disse que não podíamos entrar sem pagar a módica quantia de 85 €.
Não era caso para isso, pelo que continuamos a ouvir a música, bebericando cerveja a uma janela do estabelecimento.
Entretanto, iam entrando pessoas e mais pessoas sem que o porteiro encorpado lhes pedisse qualquer pagamento.
O dito só foi pedido, no tempo em que ali estivemos, a dois casais ingleses, que também não entraram, porque não se dispuseram a pagar.
Porque me pareceu que aquele comportamento era absolutamente discriminatório, pedi o livro de reclamações, que, sucessivamente, me foi recusado pelos diversos empregados, a começar pela bar girl que me atendeu.
Chamei a polícia, que compareceu prontamente. Fiquei na expectativa de que os agentes da autoridade me assegurassem o direito de reclamar.
Pura e simplesmente, o «gerente» do estabelecimento recusou-se a entregar o livro, alegando que eu não tinha consumido nada, pois teria, seguramente encontrado no chão as facturas que exibi.
Prudentemente retirámo-nos dali, evitando que as coisas «aquecessem», pois que ninguém (nem mesmo os simpáticos agentes da autoridade) tinham cabedal para o que se poderia prever.
O estabelecimento Hawaii é explorado pela HPC - Importação de Roupas e Artigos Desportivos, Lda, com um capital de 5.000 €.
Das facturas consta o nº 503405166. Se consultarmos o site das publicações do Ministério da Justiça, obtemos a informação de que o número de contribuinte não válido.
A mesma informação é confirmada pelo site da validação do IVA da União Europeia.
A fazer fé nestes sites públicos as facturas terão um número de contribuinte falso, o que permite despistar completamente os dados do seu negócio.
Depois destas pesquisas compreendi bem melhor o à-vontade e o ar provocatório com que tanto o porteiro como o gerente encararam a intervenção da polícia.
A noite de Lisboa está a ficar perigosa, mesmo nos locais havidos como mais civilizados.
Isso é dramático, num país como o nosso tão dependente das receitas do turismo.
Estamos a criar medos que matam a galinha dos ovos de oiro.
É espantosa a impunidade com que estas coisas acontecem...
Depois daquilo tudo, os jovens agentes policiais disseram-me que tinham mais umas diligências a fazer e que, por isso, não podiam aceitar qualquer participação de imediato.
Pensando bem, achei que não fazia sentido fazê-la, depois do que se passou. Deverão eles tomar as providências que julgarem adequadas: ou promover o respectivo processo ou, pura e simplesmente, abafá-lo...

04 novembro 2006

4 de Novembro de 2006

Numa entrevista ao Diário de Notícias, afirma o director-geral da Polícia Judiciária que «na corrupção não há ungidos (porque) ela toca toda a gente, todos os serviços».
Sublime afirmação, que mais não serve do que para confirmar o que todos sentimos no dia a dia.
Carlos Coelho, deputado europeu do PSD, considera que o lugar geométrico preferencial da corrupção são as autarquias, mas que na administração central «há negócios também mais que suspeitos».
Há muitas formas de corrupção, mas as mais comuns passam pela sobre-facturação de bens ou serviços, pelo que não se afigura minimamente dificil atacá-la de frente, se para isso houver vontade política.
Se há reservas relativamente às generalização do fim do segredo bancário, parece-nos elementar que ele deve ser excluido relativamente às empresas e aos particulares que negoceiam com o Estado. Sabendo-se para onde vão os dinheiros públicos que pagam os bens ou serviços sobrefacturados é só seguir-lhes o rasto...
A corrupção pura nos negócios de entidades públicas com privados funciona por via da devolução de uma parte do valor pago ao funcionário ou ao político corrupto.
Ela tem um campo privilegiado na área da consultoria e das prestações de serviços e funciona segundo este esquema:
a) A entidade pública paga ao consultor um determinado montante, convencionando-se quanto é que ele devolve;
b) O consultor guarda o montante necessário para o pagamento dos impostos e entrega o remanescente no destino indicado.
Há uns anos, numa assembleia geral da PT, um administrador informou que tinham sido pagos 10 milhões de contos a advogados, a propósito da aquisição do portal ZipNet. Um pagamento deste valor é por, demais, suspeito, pelo que deveria ter sido investigado.
O sistema é, porém, amigo da corrupção. Os contratos celebrados pelo Estado e pelas entidades públicas são, normalmente, inacessíveis ou desenvolvem-se de forma tão discreta que não possível questiná-los.
O compadrio está absolutamente institucionalizado, tanto pela via da excepção da contratação directa, sem concurso público, como por aquela outra da escolha dos amigos e conhecidos.
Ainda agora vimos isso na contratação da empresa F9.
A única maneira que há de acabar com o compadrio é a de acabar com as contratações sem concurso.
Mas isso não chega.
É indispensável publicitar os contratos celebrados pelos Estado e publicar as listas dos fornecedores e dos prestadores de serviços, para que os cidadãos possam eles próprios fiscalizar o bom uso dos dinheiros públicos.
O que se passa com a contratação de serviços jurídicos ultrapassa tudo o que é razoável. E a regra de que não devem ser conhecidos os nomes dos clientes dos advogados já não serve para proteger os mais pequenos, que teoricamente seriam prejudicados pelos conhecimento de quem assiste os grandes.
Serve sim para prejudicar a concorrência e para evitar que cada um de nós se questionar porque é que é contratado este ou aquele escritório e, sobretudo, para questionar os valores pagos, que nalguns casos são escandalosos por relação aos serviços prestados.
Para além da área da consultoria, uma outra área é campo de primeira qualidade para a corrupção: a da informática e das novas tecnologias.
O facto de uma boa parte dos investimentos nestas áreas ser em consultoria e de se poderem construir dossiers enormes com a técnica do copy+paste facilita extremamente o trabalho de que se dedique à corrupção, inflacionando os valores dos projectos para verbas absolutamente intoleráveis.
Depois, tudo se justifica com erros técnicos e com incompetência. E o país continua à espera, exausto de recursos que desperdiça e de que carece para se desenvolver.
Parece evidente que tudo isto se evitaria se houvesse transparência e se pudesse funcionar a excelente massa crítica que há em Portugal e que tem permitido o sucesso a alguns jovens empresários bafejados pela sorte.
O problema está em que a massa crítica prejudica os negócios de alguns. E por isso tudo funciona em circuito fechado, cada vez mais fechado.
Haja transparência...

28 outubro 2006

28 de Outubro de 2006

Os tribunais não são como as maternidades. Pode-se parir aqui ou a 50 km de distância, sendo até preferível fazê-lo ali, se houver melhores condições.
Quem pare, leva o filho para casa e… assunto arrumado.
Não se passa o mesmo com os processos que se acumulam nos tribunais ao ponto de o presidente do Supremo, agoniado com fartura, os apelidar de «lixo».
Os processos devem nascer e morrer no mesmo sítio onde nascem, porque essa regra é apanágio do princípio do juiz natural mas também do que obriga o Estado a organizar o sistema de justiça em termos que permitam uma tutela jurisdicional efectiva em tempo útil.
É mais fácil – e mais razoável – mudar uma maternidade do que um tribunal. E se há justificação para uma mudança, não há justificação para outra.
Não há em Portugal tribunais a mais. Há é juízes a menos, como se vê pela fartura de processos que aguardam o seu fim há longo tempo e pelo martírio com que nos arrostamos todos os que trabalhamos na área judicial.
A panaceia do «novo mapa judiciário» não é mais do que isso mesmo. Uma panaceia para nos enganar a todos e para justificar a desgraça em que caiu no sistema com uma nova desgraça, que sendo nova, justifica que se peça alguma paciência.
Todos sabemos quanto custa cada mudança, quantos meses os processos ficam parados até que os encontrem de novo.
É altura de dizer: acabem com isso, deixem de brincar com coisas sérias, antes que este país se transforme numa país de cobradores com fraque ou sem fraque e a justiça pública num meio marginal de solução de conflitos.

26 outubro 2006

26 de Outubro de 2006
Diz o artº 32º do Estatuto da Ordem dos Advogados:
«1 - A assembleia geral da Ordem dos Advogados é constituída por todos os advogados com inscrição em vigor. 2 - À assembleia geral cabe deliberar sobre todos os assuntos que não estejam compreendidos nas competências específicas dos restantes órgãos da Ordem dos Advogados.»
A reunião a assembleia geral dos advogados marcada para o dia 18 de Novembro será realizada «com o patrocínio do Banco de Investimento Global», segundo consta da convocatória.
Não se trata de simples publicidade, ou seja da apensação à convocatória de uma mensagem destinada a influenciar o receptor no sentido da aquisição de serviços do referido banco.
Trata-se de um patrocínio, que, por definição corresponde ao co-financiamento da reunião.
Muito claramente, o que nos é anunciado é que a reunião magna dos advogados portugueses vai ser financiada por um banco, o que nos transformará a todos nuns ingratos se formos à assembleia geral e, num dia destes, aceitarmos o patrocínio de alguém contra o referido banco.
Parece-me mal, muito mal, que tenha havido a leviandade de celebrar um tal contrato.
Como nos pareceria mal que os mesmos (ir-)responsáveis ousassem contratar com um patrocínio com o Benfica quando sabem que muitos advogados são do Sporting.
Não pode comparar-se, obviamente, um patrocínio de uma assembleia geral dos advogados portugueses com a inserção de publicidade, feita segundo as regras do mercado, numa qualquer publicação da Ordem. São coisas, obviamente, distintas.
A não ser que se pretenda equiparar o órgão máximo da Corporação a uma vulgar gazeta e todos nós, que deveríamos formar a sua vontade, a simples leitores da mesma.
Ao menos podiam escolher o patrocínio de uma marca de detergentes…

25 outubro 2006

24 de Outubro de 2006

Tomou posse o novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento.
Entrou com o pé esquerdo e não lhe auguro grande futuro.
Tenho o maior respeito pelos trabalhadores do lixo e não me sinto, por isso, atingido pelo seu patético discurso.
Sou um dos trabalhadores do lixo, um dos responsáveis pela inundação dos tribunais com petições e requerimentos que incomodam homens como Noronha.
Até já fui julgado e condenado por, numa execução que pendia há vários anos, ter escrito e demonstrado que o tribunal violara sistematicamente a lei.
O discurso do novo presidente do Supremo é discurso subversivo no pior sentido. Procura subverter o Estado de Direito. E isso é gravíssimo, vindo de quem está no topo de um corpo de funcionários a quem não cabe discutir a lei mas aplicá-la.
O artº 1º do Código de Processo Civil estabelece - à semelhança do que acontece nos países civilizados - que a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito.
Logo de seguida, o artº 2º dispõe que «a protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.»
Para tanto, determina ainda o mesmo código que «a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.»
Ao qualificar como «lixo» os processos judiciais pendentes - que foram aceites em juizo por juizes que podiam indeferir liminarmente as petições se elas não fossem legalmente admissíveis, o presidente do STJ está a afrontar a lei que deveria respeitar.
Noronha do Nascimento colocou-se, no seu primeiro dia, fora do quadro constitucional que nos garante um Estado de Direito Democrático.
Há coisas - por mais patéticas que sejam - que são admissíveis se vierem da boca dos políticos. Mas as mesmas coisas não podem sair da boca de magistrados que estão na cúpula do sistema a quem compete realizar a justiça, em nome do Povo e no respeito pela legalidade.
O novo presidente do STJ ultrapassou todos os limites ao sugerir, como sugeriu, que se limpem os tribunais dos processos que têm em excesso.
Segundo o Público, afirmou que «os tribunais só funcionarão se houver a coragem política de os limpar do 'lixo processual' que tudo entope».
Este apelo aos políticos é, antes de tudo, uma apelo à ilegalidade, à violação da Constituição e à violação de convenções internacionais que obrigam o Estado português.
Há milhares de pessoas - credores e devedores ou talvez nem uma coisa nem outra - que aguardam há anos, com sublime paciência - que os tribunais se pronunciem sobre as questões que lhes apresentaram.
Pagaram pesadas taxas, contrataram advogados, perderam tempo.
E ouvem agora o presidente do mais alto tribunal a sugerir que haja a coragem política de destruir todo esse trabalho e toda essas esperanças, mandando literalmente para o lixo processos que consideravam coisas sérias.
Isto é absolutamente intolerável.
O Estado tem obrigações para com estas pessoas. E só tem uma maneira de as cumprir: contratando mais juizes e respeitando as leis que ele próprio fabricou.
Não é uma coisa assim tão simples, até porque, na sua essência, o serviço de justiça não se distingue de qualquer outro serviço público.
Se há excesso de serviço, se a procura é grande, só há uma forma de a satisfazer: contratar mais juizes e distribuir por eles os processos excedentes.
Sendo a justiça cara como é isso até é um negócio, não havendo nenhuma razão para se matar o mercado com a destruição do que ele tem de essencial.
Nem sequer é necessário que os juizes indispensáveis à arrumação da casa sejam contratados com vinculação definitiva ao Estado. Porque não hão-de ser contratados a prazo, quando o Estado admite esse tipo de contratação para as demais áreas da actividade humana?
O que têm é que ser juizes, com formação jurídica e vinculados às mesmas leis que hoje vinculam os demais magistrados.
Deixe-se de se pensar nessa lógica perversa de que os juizes são membros de um órgão de soberania. Que sejam... pelos poderes que têm. Mas nada impede que o sejam a prazo (como o são os elementos dos demais órgãos) pelo tempo por que forem necessários.
O que não podemos é, a pretexto da manutenção uma casta, procurar resolver os problemas do serviços de justiça com curiosos ou amadores arregimentados em estruturas adequadas a uma justiça de segunda, que serve apenas para se marginalizar a si própria e para valorizar de uma forma artificial a justiça de primeira.

23 outubro 2006

23 de Outubro de 2006

Cito um post de Eduardo Ferreira que me caiu na caixa do correio:

«É sabido que a voz do povo não se deixa enganar e que é sábia. Também é sabido que entre as muitas verdades, algumas inverdades diz. Mas!...
Será que tem alguma razão quando diz: "cu de menino e boca de juiz ninguém sabe o que diz"?Esta foi a expressão que me ocorreu, logo que ouvi a noticia da sentença, relativa ao julgamento do caso das vítimas da ponte de Entre-os-Rios.
Para mim, cumpriu-se mais um dito popular, a culpa morre sempre solteira. Afinal, até a "sapiência" dos juízes, cai por terra, face ao poder de tantas línguas. Pelo menos em relação às más, as do povo.
Por outro lado, também é sabido, que ao povo lhe são dadas razões de sobra, para ser como é. Agindo desta maneira incompreensível, é-lhe dada matéria infindável, para afiar a sua língua maledicente. E eu, também sou do povo.
Já que o povo de tudo se ocupa, de tudo sabe e tudo critica, façamos-lhe justiça.
Ao menos, quando nos previne para o andamento da história.
Quando a tragédia da queda da ponte de Entre-os-Rios aconteceu, ouvi uns dias depois um advogado dizer: - a partir de hoje muita coisa vai mudar em Portugal.
Recordo que pensei: é perfeitamente possível que assim seja. Também eu desejava que assim fosse. Infelizmente assim não foi, e a voz do povo continua tão activa que nos devia fazer parar para pensar.
É claro que essa voz pode ser injusta, mas se não queremos andar na voz do povo, não lhe podemos dar razão. E a realidade da nossa justiça não deixa de dar razão à critica.A própria estrutura em que se suporta, com "tribunais", uns acima de outros, como que a prevenir que quando uma instancia não cumpre os seus objectivos, haja uma outra acima, a que se recorra e que possa colmatar o "erro", ou seja a injustiça, só aumenta o grau de complexidade e a incompreensão, por parte daqueles que precisam de entender o que se passa.
Se a esta realidade tão complexa, como é a realidade dos tribunais, juntarmos a complexidade dos interesses com que tem de lidar, depressa se verá porque é que o resultado é tão desonroso, porque é que nem vale a pena dizer mais nada para além da citação: "cu de menino e boca de juiz ninguém sabe o que diz"...
Mais nada se ajusta a esta ao momento. Só me apetece chorar.
Eduardo Ferreira
Porto, Outubro 2006»
Bem se compreende a vontade de chorar de Eduardo.
Era por demais evidente que aquele processo criminal não daria em nada.
Mas é também evidente que há culpas e das grossas... Ou a ponte não cairia.
Desde o primeiro momento, vista até a atitude do então ministro das obras públicas, Jorge Coelho, que se demitiu, que o acidente tem como causa determinante a falta de vigilência e de assistência que ao Estado incumbia.
O ressarcimento das vítimas haveria de ser feito pelo Estado, como era claro desde a primeira hora.
Mas nós continuamos a julgar o Estado como entidade inimputável ou de condenação impossível.
Depois leva a Jutiça a descrédito, por tabela.
21 de Outubro de 2006

Continua na ser chocante o primarismo da nossa informática judiciária.
Justifica-se que haja a coragem de proceder a uma auditoria séria e que se tomem medidas urgentes para evitar a continuação da perda de tempo e de recursos.
Entre, por exemplo, na página da publicidade das vendas judiciais.
Seria suposto que pudesse fazer algumas operações que são, na realidade impossíveis.
Quer comprar móveis ou imóveis? Ou uma aeronove?
Vamos escolher uma aeronave...
Clica e o programa manda-lhe escolher um tribunal... Se não souber em que tribunal há uma aeronave para venda, não consegue chegar lá. O mesmo se passa com todo o outro tipo de bens.
Imagine que quer comprar um bem imóvel numa determinada cidade... Também não o consegue descobrir sem muito trabalho, porque o programa o não permite. Tem que o catar nos diversos tribunais.
Se fizer pesquisa por imóveis e varas civeis de Lisboa encontra bens em todo o país. Mais: os bens não são apresentados de forma isolada. Por exemplo se clicar no Processo nº 90/2002, da 10ª Vara, 1ª Secção encontra 16 prédios rústicos e urbanos, tudo ao molho, situados quase todos em Albergaria, quando na primeira página lhe aparece o anúncio de um prédio.
Há muito que defendo que a venda de bens imóveis em acção executiva deveria ser contratualizada com empresas de mediação, respeitando-se a boas regras dessa profissão, que são adequadas à satisfação dos credores e dos executados.
As empresas de mediação ganham em função do valor que obtém e isso seria, desde logo, um excelente mecanismo de combate dos cambões que continuam nos tribunais.
Do que não há dúvidas é que um programa organizado com está este, pela falta de transparência que transporta, é um excelente mecanismo de apoio a tais cambões.
É preciso mudar rapidamente. E nem se diga que isso é difícil... Está tudo já inventado pelas empresas de mediação, que têm excelentes sites de venda de bens.
Mais grave nos parece ainda o que se passa com o anúncio dos processos de insolvência.
Seria interessante e útil poder saber, mediante um simples clic, que empresas ou pessoas foram declaradas insolventes, na semana passada, em Portugal.
Isso não é possivel... Tem que procurar tribunal a tribunal, juizo a juizo. E não consegue ver sequer, de uma forma imediata, o nome do insolvente.
De outro lado, se formos ao sítio das publicações do Ministério da Justiça não encontramos a publicação das declarações de insolvência das sociedades comerciais que se encontram no site TribunaisNet.
A ideia que nos fica é a de que há uma enorme incompetência em matéria de projecto e de execução das aplicações. E isso é gravíssimo quando estamos numa área tão sensível como a da Justiça.
A insegurança dos responsáveis vai ao ponto de não acreditar nas próprias listagens das distribuições, como se vê de um aviso que afirma que «a informação aqui disponibilizada tem carácter meramente complementar às pautas afixadas nos respectivos tribunais, nos termos do disposto no art.º 219º nº 2 do CPC. Assim, apenas releva, para os devidos efeitos, a informação constante das referidas pautas...»
Se formos ao Habilus o que se passa é absolutamente inqualificável... Dedicar-lhe-emos melhor atenção em dias futuros.

16 outubro 2006

16 de Outubro de 2006

Leio e não acredito no que leio...

Luanda, 15/10 - O ministro da Justiça de Portugal, Alberto Costa, que chefia uma delegação do país, chegou hoje à Luanda, onde durante três dias vai debruçar-se sobre dois projectos de cooperação no domínio dos sistemas judiciais.
Ao falar à imprensa, no Aeroporto Internacional "4 de Fevereiro", o governante que foi recebido pelo seu homólogo, Manuel Aragão, informou que o primeiro projecto que se denomina "Empresa na hora", visa a constituição rápida de empresas que estejam interessadas em fazer negócio ou investimento.
"O mesmo vai permitir responder rapidamente aos desejos dos empresários que desejam constituir empresas em pouco tempo. Com este processo os interessados vão deixar de esperar durante meses, como acontecia também em Portugal e em outros países", frisou.
Outra experiência a ser partilhada com Angola, segundo Alberto Costa, tem haver com a modernização informática dos tribunais, no sentido destes prestarem melhor serviço à população.
Esta modernização, acrescentou, está a ser feita em todos os países do mundo, em colaboração com dos Estados Unidos.
Da agenda de trabalho do governante luso, constam dentre outras actividades, visitas ao Tribunal Supremo, a Procuradoria-Geral da República e ao Palácio da Justiça "Dona Ana Joaquina", onde estão a funcionar os juízos criminais de Luanda.
Vai igualmente inteirar-se do funcionamento do serviço de identificação civil, do Guiché Único da Empresa, do Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ) e da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. Durante a sua permanência no país, o governante luso será recebido, em audiência, pelo primeiro-ministro, Fernando da Piedade Dias dos Santos. A comitiva, que integra funcionários do Ministério da Justiça de Portugal, tem regresso previsto para quarta-feira. »
O sistema da «Empresa na Hora», que podia ser um bom sistema, é um mau sistema, pelas razões já expendidas.
O seu vício essencial reside no facto de forçar as partes a aceitar contratos pré-elaborados, que não correspondem à vontade das partes.
O sistema potencia todas as vigarices, se não for usado com cuidado. Imaginam o que é a «Empresa na hora» a funcionar em Angola?
Quando à modernização informática, a pergunta é outra: como é que um país tão atrasado como o nosso pode exportar modernização numa área em que ele próprio não conseguiu fazer nada de consistente?

15 outubro 2006

15 de Outubro de 2006


O que o governo tem afirmado nos últimos tempos em matéria de justiça assume a natureza daquela propaganda que, por ser enganosa, se voltará inevitavelmente contra ele.
Talvez porque o próprio governo não acredita nas suas soluções, adoptou a medida de aplicar as reformas com carácter experimental em comarcas muito restritas.
Do mal o menos. Mas nem por isso deixa de ser chocante aquilo a que assistimos e que se limitará a arrastar e a agravar os problemas.
Tenho para mim, como resultado da minha própria experiência, que o mal da justiça não está nos códigos nem no mapa judiciário e, por isso mesmo, o melhor seria não lhes mexer por uns tempos.
Cada alteração que se faz na legislação custa milhões de horas de trabalho aos operadores judiciários e, em vez de melhorar o funcionamento do sistema piora-o, como ainda recentemente ficou provado com a reforma da acção executiva. Já passaram por ela quatro governos e ainda não a conseguirm implementar em termos minimamente satisfatórios. Estamos hoje muito pior do que estávamos antes do governo de Guterres.
As medidas simplórias introduzidas pelo DL 108/2006, de 8 de Julho, não só não vão resolver nada como, pelo contrário, ameaçam arruinar o pouco que resta do prestígio da justiça na jurisdição civil, intimamente ligado à vinculação dos juízes às leis e aos ritos processuais, cujo abandalhamento agora se propõe por via da substituição daquelas por uma administração mais ou menos discricionária dos magistrados.
Não vou agora comentar exaustivamente o diploma, limitando-me a observar apenas uma das suas aberrações.
Imaginemos que uma companhia de telecomunicações distribui numa comarca cinquenta acções contra cinquenta pessoas diferentes, com duas testemunhas profissionais, como é costume.
O juiz pode, por sua iniciativa ou por requerimento das partes, ouvir essas testemunhas para todos os processos, obrigando os cinquenta advogados das partes a esperar a sua vez, inviabilizando ou dificultando a possibilidade de contradita e, pior do que isso, sacrificando a continuidade da audiência.
E para julgamentos que poderiam fazer-se com uma deslocação ao tribunal, vamos ter, pelo menos, duas deslocações, com as inerentes perdas de tempo e um substancial agravamento dos custos.
Para além das questões praticas evidentes, há aqui outros valores que têm que ser considerados. Um é o da continuidade da audiência. Outro tem a ver com a natureza civilística do processo, que agora é ameaçada com a figura da agregação, que mais não é que uma colectivização (e uma inevitável confusão) dos processos que tenham entre si alguma conexão, que pode ser apenas a de terem num pólo a mesma parte com as mesmas testemunhas.
Um julgamento importa para si mesmo um processo psicológico de ponderação da relação entre as partes, que é seriamente prejudicado com a massificação da intervenção processual de uma delas, susceptível de distorcer o juízo.
O chamado regime experimental, para além de não resolver nada, importa consigo algumas terríveis maldades.
Uma consiste em agravar na opinião pública a ideia de que todos os males da justiça são uma criação dos juízes, partindo-se como se parte agora da ideia feita de que lhes são retiradas todas as peias, passando eles a poder passar por cima de toda a folha, com o poder de regular o andamento dos processos por sua alta recreação e a obrigação de «decidir na hora». Depois da «empresa na hora», pretende-se agora a «justiça na hora» com as mesmas marcas da imperfeição e do improviso. É o movimento naif a chegar à justiça, sem que ninguém lhe ponha cobro.
A ideia da «empresa na hora» é uma excelente ideia, que se matou à nascença com a imposição de estatutos forçados, ou seja de contratos em que não tem nenhuma expressão a vontade das partes. Nesse sentido elas são uma fraude institucionalizada, na medida em que os terceiros que com elas negoceia são levados a crer que negociaram com uma entidade colectiva cujos estatutos emanam da vontade dos sócios, quando isso é manifestamente falso e a falsidade se demonstra com as próprias leis.
Não se sabe ainda ao que levará a «justiça na hora», desde logo pelo paradoxo que o conceito importa. Uma decisão judicial tem que ser ponderada e, por isso mesmo, acreditamos que poucos juízes arrisquem a ditar imediatamente as suas decisões, sobretudo nos processos em que seja admissível o recurso, o que transformará tal preceito em letra morta nesses casos.
O que é evidente é que a simples existência da norma nos leva a outra outra maldade, esta de raiz mais populista. Se o juiz pode decidir logo, porque é que não decide? - perguntará o povo. E com isso teremos os políticos, que são os grandes responsáveis da tragicomédia que vivemos, a responsabilizar mais uma vez os juízes por todos os males da falência a que chegou o sistema.
Uma outra consequência negativa resulta evidente da reforma que está na pauta, desta feita por via da redução das possibilidades de recurso, que não tem outro sentido imediato que não seja proteger as asneiras cometidas no quadro da «justiça na hora». Se à partida de sabe, porque é do senso comum, que o abandalhamento processual que se propõe levará a mais asneiras do que até agora era possível e que as asneiras na justiça se corrigem por via dos recursos, evidente se torna que a protecção do modelo passa pela redução das possibilidades de recurso, na velha lógica do «come e cala».
Até aí, tudo bem… O pior gera-se noutro plano, o da corrupção, tão bem retratada naquele famoso ícone do juiz de duas caras, do tribunal de Monsaraz.
A história dos recursos está intimamente ligada a uma ideia de anulação do favorecimento e da corrupção. E se até agora não temos em Portugal senão casos muito esparsos de suspeita, sendo os juízes geralmente considerados pessoas íntegras, não podemos deixar de considerar que «a ocasião faz o ladrão» e que todos os homens, incluindo os juízes, são feitos da mesma massa, pelo que seria de todo aconselhável não mexer no regime dos recursos.
Mas vamos a coisas concretas e objectivas.
Ê claro para todos nós que o maior problema da justiça é um problema de tempo. Os processos, sejam de que natureza forem, são extremamente morosos.
Poucos cidadãos saberão que é perfeitamente possível calcular, de forma objectiva, o tempo de atraso de determinado processo. Como poucos terão a ideia de que é perfeitamente possível estabelecer uma data para a conclusão de um processo, em qualquer das instâncias, tomando em consideração as regras do que deveria ser um curso normal, ou seja as regras processuais relativas a prazos.
Se temos a noção desta realidade e sabemos, com certeza demonstrada, que o atraso dos processos não se deve às partes, porque estas cumprem rigorosamente os prazos, torna-se evidente que não é preciso inventar nada para resolver o essencial da crise: basta adoptar medidas que obriguem, efectivamente, os juízes e os funcionários a cumprir os prazos estabelecidos pelas leis, impondo-lhes sanções idênticas às que são impostas às partes.
O problema está em que há um completo descontrole no funcionamento dos tribunais e que a falência em que entrou o sistema não permite, sem que se adoptem medidas administrativas de fundo, resolver, a um tempo, duas questões essenciais: a recuperação dos processos existentes e o não atraso dos processos novos.
O incumprimento dos prazos por parte dos magistrados e dos funcionários é justificado, por regra, com o excesso de trabalho e com o excesso de pendências. E as medidas propostas para resolver a crise partem dessa alegação, mas não ousam sequer tocar no problema dos prazos, sendo certo que toda a gente foge dele como o diabo da cruz.
Por isso, o que se propõe é, de um lado, a «simplificação» e, do outro, a intervenção no mercado pelas vias do racionamento e do aumento de preços que nada garantem e permitirão sempre justificar a incompetência com razões de mercado.
Um serviço de Justiça (com J) só se justifica se for um serviço de qualidade. Por isso não pode ser «na hora», nem «de pé descalço», como essa que se pretende realizar nos julgados de paz e nos modelos alternativos, que poderiam ser óptimos modelos e se estão a transformar em lugares de «meia bola e força».
Partindo do enunciado pressuposto de que o estado a que a justiça chegou decorre, essencialmente, do incumprimento dos prazos processuais por parte dos tribunais, resulta num axioma a afirmação já feita de que o problema só se resolve com a criação de condições adequadas ao cumprimento da exigência de respeito pelos prazos.
Esse é, essencialmente, um problema de gestão de recursos humanos, que tem que ser resolvido na base das mesmas regras que se aplicam nas empresas.
De nada nos vale citar estatísticas de outros países (quase sempre velhas de anos) para dizer que temos juízes suficientes. Se eles fossem suficientes e estivessem bem geridos cumpriam os prazos que as leis lhes impõem.
Se não são suficientes, só há uma solução que é formar e contratar mais juízes.
Com o actual quadro de prazos processuais – que não deve ser mudado – não é razoável que um juiz tenha em stock mais de 400 processos, o que corresponde a cerca de dois processos por dia, em termos de trabalho acumulado por processo. Com a actual tabela de custas judiciais, facilmente se conclui que a essa média de meio dia de trabalho do juiz por cada processo, só possível com uma contingentação como a sugerida, a justiça poderia ser uma actividade altamente lucrativa.
Parece-nos que o corte do ciclo vicioso passa por um modelo de redistribuição dos processos que permita e obrigue ao cumprimento dos prazos, com o rigor imposto pelas leis processuais, em que não é necessário mudar grandes coisas.
É preciso, isso sim, fazer uma profunda reforma nos serviços, que ajudará a resolver outros problemas da justiça.
Não há a mínima justificação, nos tempos que correm, para que um juiz esteja assessorado por cinco ou seis funcionários. Se se partisse, com a adequada coragem para o desmaterizalização integral, bastaria um funcionários para cada juiz, considerando já a necessidade de o juiz ser assistido nas audiências de julgamento. Os outros poderiam ser muito bem utilizados para resolver o problema da acção executiva, que permanece insolúvel.
O estado a que as coisas chegaram é gravíssimo e as soluções anunciadas contribuirão para o seu agravamento.
Ou há a coragem de pôr os pés na terra e construir um modelo que permita, em prazo certo, recuperar os processos atrasados e impor o ritmo dos prazos legais aos processos novos ou assistiremos à debacle geral, em termos piores do que os que ocorreram no quando dos processos de falência ou de insolvência, que representam o retrato mais escandaloso da justiça portuguesa.
Não vamos lá com reformas da treta nem com processos de desmaterialização que não existem.
O Ministério da Justiça não conseguiu até agora uma coisa tão simples como a informatização do processo de injunção, que se resume a um «programinha» que permita registar o requerimento, notificar automaticamente as partes e emitir o exequatur.
Faz uma propaganda danada de uma coisa que se chama Habilus e que é inqualificável, em comparação com outros sistemas de gestão processual. É duvidoso tenha capacidade para, em tempo útil, criar uma solução interactiva que permita a efectiva desmaterialização dos processos judiciais, apesar de isso ser relativamente simples e de até já haver modelos em que se poderia inspirar.
E sem isso também não é possível dar o tal salto e requalificar um sistema falido como o que temos.
Não acredito que tudo esteja a ser movido pelos interesses de alguns grupos na privatização da justiça e pela protecção de alguns negócios que se vão fazendo no campo dos chamados meios alternativos.
O que sei – e acho que todos sabemos – é que esta propaganda da treta nos conduz diariamente para um abismo, que acabará por descredibilizar completamente o País.
Ou o primeiro-ministro José Sócrates dá atenção ao assunto e o trata com a frontalidade com que o temos visto tratar de outros, ou acabará, inevitavelmente por levar por tabela.
Isto é naif demais…
15 de Outubro de 2006

Estou em Paris e leio, a 2.000 quilómetros de distância, o «Diário de Noticias» de 6ª feira, dia 13, onde o jornalista Licínio Lima escreve que Alberto Costa promete revolucionar o sistema de justiça em 180 dias.
É domingo e está um dia bonito. Não me passava pela cabeça ir procurar o site o jornal se um colega, que vive aqui, não me tivesse chamado a atenção para o anúncio de uma tão grande reforma na minha ausência.
O ministro da Justiça propôs-se revolucionar o sistema judicial em 180 dias. Durante este período, que já começou a 7 de Setembro, Alberto Costa vai apresentar em conselho de ministros 14 propostas de lei para operacionalizar o acordo político-parlamentar com o PSD assinado a 8 de Setembro - vulgarmente chamado de "pacto" para a justiça. Mas os textos terão de aguardar pela próxima sessão legislativa para serem aprovados pela Assembleia da República.
As principais propostas para a "ambiciosa reforma do sistema judicial", que Alberto Costa diz querer protagonizar, deverão estar prontas a 7 de Março de 2007. O prazo começou a contar a 7 de Setembro, dia em que o governante fez aprovar uma resolução em conselho de ministros, comprometendo-se a apresentar, no prazo máximo de 180 dias, todas as suas propostas.Logo naquela data viu aprovados três projectos de diploma. Um relativo à viabilização do regime de recursos em processo civil. Após a aprovação desta proposta de lei pela AR, vai ser muito mais caro recorrer para os tribunais superiores.
As novas regras de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça são também ali redefinidas. Prevê-se ainda que, com a nova lei, terminem os litígios entre tribunais quando há dúvidas sobre a competência para julgar um caso.
O novo diploma determina que tais conflitos sejam resolvidos com carácter de urgência, num único grau e por um juiz singular.
Uma segunda proposta de lei já aprovada a 7 de Setembro diz respeito à revisão do Código Penal.
Em análise está o texto apresentado ao Ministro da Justiça pela Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP), com as reformas já divulgadas na comunicação social.
Destacam-se aqui a consagração da responsabilidade penal das pessoas colectivas; assim como a diversificação das sanções não privativas da liberdade - com o objectivo de promover a reintegração social e evitar a reincidência, nomeadamente através do alargamento do âmbito do trabalho a favor da comunidade e da vigilância electrónica; também o reforço da tutela de pessoas particularmente indefesas, designadamente as vítimas de crimes de violência doméstica, maus tratos e discriminação; e ainda o agravamento da responsabilidade nos casos de fenómenos criminais graves, tais como o tráfico de pessoas, o incêndio florestal e os crimes ambientais.
A terceira proposta de lei aprovada a 7 de Setembro é referente ao Código de Processo Penal.
O trabalho da UMRP foi aprovado na generalidade, devendo agora, no prazo de 60 dias, ser aprovado definitivamente. Nas várias alterações, destacam-se a redução dos prazos da prisão preventiva e limitação da sua aplicação; a adopção da necessidade de a constituição de arguido ser validada pela autoridade judiciária; a limitação do segredo de justiça, mediante a valorização do princípio da publicidade; a previsão de uma duração máxima para o interrogatório do arguido; e a limitação das pessoas que podem ser sujeitas a escutas telefónicas.
Na resolução do Conselho de Ministros de 7 de Setembro, ficou ainda estipulado que no prazo de 60 dias deverá ser aprovada, em definitivo, uma proposta de lei que proceda à criação de um sistema de mediação penal. Esta medida visa permitir a resolução extrajudicial de conflitos resultantes de pequena criminalidade, através da utilização de mecanismos de mediação entre vítima e infractor.
No prazo de 90 dias, deverá ser ainda aprovada uma proposta de simplificação e modernização do regime jurídico das custas judiciais.120 dias para a magistraturaA magistratura vai ser visada nas propostas que Alberto Costa quer ver aprovadas no prazo de 120 dias em conselho de ministros, nomeadamente a revisão do modelo do acesso à magistratura. Esta medida, entre outras alterações, visa adoptar um figurino de formação que reflicta as diferenças entre o exercício das magistraturas judicial e do Ministério Público.
É proposto que esse figurino compreenda, também, áreas de actividade social onde os litígios surgem com mais frequência, bem como a existência de módulos de formação comuns com outras profissões jurídicas, designadamente com advogados.
Em 120 dias terá igualmente de ser aprovada uma proposta de lei que regule o acesso de magistrados para os tribunais administrativos e fiscais, bem como o modelo de formação. Ao mesmo tempo, está prevista a apresentação de uma proposta legislativa que proceda à revisão dos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, incluindo a adopção de provas públicas para o acesso aos tribunais superiores. Este diploma vai estabelecer novas regras no Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente uma quota de juízes conselheiros de preenchimento obrigatório por juristas de mérito não pertencentes às magistraturas. Os regimes da aposentação e jubilação vão também ser revistos, aproximando-os dos princípios gerais aplicáveis aos servidores do Estado. Ainda em 120 dias deverá ser aprovada uma proposta que proceda às alterações necessárias ao aprofundamento da autonomia do Conselho Superior da Magistratura, dotando-o de meios financeiros e humanos. Juntamente com esta, seguirá uma outra proposta que proceda ao aperfeiçoamento do regime jurídico do acesso ao direito e aos tribunais. Nela se prevêem alterações no patrocínio oficioso, passando a incluir a consulta jurídica. Por outro lado, o Estado poderá contratar directamente advogados, através do regime de avença, para assegurar a defesa das pessoas carenciadas.
A tentativa de salvar a reforma da acção executiva tem o prazo mais alargado.
Alberto Costa quer ver aprovada em 180 dias uma proposta de lei que permita o acesso de licenciados em direito, incluindo advogados, ao exercício de funções de agente de execução. Recorde-se que, entretanto, foram já aprovadas 17 medidas para desbloquear a acção executiva, considerada o "cancro" da justiça.
Neste mesmo prazo deve ser aprovada uma proposta que proceda à revisão do mapa judiciário. Assim, são 14 as propostas de lei que, em 180 dias, vão ser levadas a conselho de ministros. Todas estão previstas no chamado pacto para a justiça assinado pelo PS e PSD. Daí que a sua aprovação na Assembleia da República, na próxima sessão legislativa, esteja praticamente garantida .
Mas, não será pacífico. Algumas das iniciativas irão tocar no estatuto dos magistrados. E os sindicatos garantem que estarão atentos.
Não há nisto nada de novo. Tudo é requentado e sem nenhuma ideia nova, sendo que as que são velhas de meses são, par além disso, más.
Antigamente havia uns ministros que faziam inaugurações várias vezes. O ministro da justiça de Portugal conseguiu adaptar o modelo ao seu ministério e anuncia as mesmas coisas várias vezes, como se elas fosse novas, quando na realidade não o são.
Alberto Costa é, talvez, o pior ministro da justiça que Portugal teve depois do 25 de Abril.
Dramático é que, em simultâneo, temos um bastonário da Ordem dos Advogados que é também, talvez, o pior bastonário que a Ordem teve na II República.
O sistema está completamente falido e é indispensável que alguém tenha tino para perceber a gravidade da situação e para criar alternativas que inviabilizem os próprios serviços mínimos. Cumpria aqui um especial papel à Ordem dos Advogados, que, depois de ter denunciado a gravidade da situação da justiça, apontando casos concretos, agora se cala (e até aplaude) como se tudo corresse no melhor dos mundos.

11 outubro 2006

11 de Outubro de 2006
A crise parece atingir a própria Ordem dos Advogados.
Noticia o «Correio da Manhã» que o Bastonário vai fazer 20 programas de televisão, para falar da «Justiça na Ordem».
Trata-se, objectivamente, de um aproveitamento do cargo para se publicitar a si próprio e fazer aquilo que outros estão impedidos de fazer.
É uma pouca vergonha, uma falta de decoro inqualificável.
Ninguém conhecia Rogério Alves há uns anos. Hoje o país conhece-o não porque tenha feito o que quer que fosse de válido e consistente, mas porque aparece na televisão com frequência.
Há, porém, limites... E justificava-se que houvesse bom senso.
João Miguel Barros comenta assim a notícia incidental:
«Será a notícia é verdadeira? Não posso acreditar!!!
Já li a notícia três vezes e fui ao site do Correio da Manhã verificar o texto que é citado no Diário Digital e continuo sem acreditar no que leio!
Mas a ser verdade, é caso para dizer que o Sr. Bastonário em exercício não consegue resisitir a esse seu impulso de comentador televisivo (agora não já da teia processual da Casa Pia), a troco de tudo e de nada!
E, mais uma vez a ser verdade, o Sr. Bastonário em exercício desgasta a sua imagem (dele, Bastonário, não dele comentador Rogério Alves) e banaliza o cargo institucional que ocupa nestas funções mediática baratas, alimentadoras do ego, mas que enfraquecem a posição da Ordem ods Advogados.
Ao que isto chegou! O Bastonário da Ordem dos Advogados a dar conselhos jurídicos, através da televisão!
Mas porque é que os advogados não libertam o Sr. Bastonário das suas funções institucionais para que possa ter o tempo suficiente para o exercício das suas funções de consultor jurídico televisivo e comentador televisivo?
Acho que sim. Está mesmo na hora de se pensar numa outra estrutura que seja verdadeiramente representativa da Advocacia Portuguesa! »
Parece-me que tem razão.

23 setembro 2006

23 de Setembro de 2006

Os debates públicos recentes sobre as questões da justiça não fazem antever nada de positivo, bem pelo contrário.
A situação é tão complicada que o ideal seria parar para equacionar os problemas reais do funcionamento do sistema, em vez de lançar mais achas para a fogueira e criar novos problemas.
Os grandes problemas da justiça portuguesa não estão nas leis mas na sua aplicação. Por isso mesmo eles não serão resolvidos, essencialmente, com alterações legislativas.
O que é preciso mudar - e mudar radicalmente - é o próprio sistema administrativo da administração da justiça e a postura dos diversos operadores judiciários.
Mexer no mapa judiciário ou no estatuto das magistraturas em aspectos que não sejam essenciais é uma asneira que nada resolverá e que, pelo contrário, ainda acentuará mais a crise.
Era importante que todos pudéssemos voltar a acreditar numa justiça em que ninguém já acredita. Para que isso seja possível, é indispensável, antes de tudo, promover por todos os meios e em todos os planos o bom rigoroso cumprimento das leis e responsabilizar quem as não cumpra.
Isso só é possível com uma profunda reforma administrativa que permita tal cumprimento.
Não é viável exigir a um juiz que cumpra os prazos processuais se ele estiver inundado com processos para além do razoável.
Não é possível exigir a um magistrado do Ministério Público que ele não deixe prescrever processos que lhe estão confiados se ele não dispuser de meios para a investigação desses processos.
O principal problema dos tribunais é, mediatamente, um problema de métodos de trabalho e, imediatamente, um problema de produtividade, que decorre tanto da inadequação dos métodos como do quadro de irresponsabilidade dos operadores.
Não há nenhuma razão para que os serviços de justiça não sejam encarados como serviços e, por isso mesmo, sujeitos às regras comuns de organização e de controlo da produtividade dos serviços.
Tenho entre os meus amigos magistrados que se esfalfam com trabalho e que passam pela fama injusta que afecta a classe porque são obrigados a não respeitar os prazos processuais. E se lhes pedirem uma demonstração de que trabalham dez ou quinze horas por dia, eles não a têm.
Em contrapartida, eles próprios admitem que há outros que têm os processos atrasados, porque, pura e simplesmente, não trabalham quanto deviam trabalhar.
Constatamos com frequência, em processos criminais, que há casos com arguidos presos em que o processo está parado dias e dias, sem nota de nenhuma diligência, ou com diligências à espera de outras que por relação a elas não têm nenhuma relação de dependência.
Entendo que uma tal postura é criminosa, atento o disposto no artº 369º do Código Penal. Verdade é que é absolutamente inviável responsabilizar os autores da falta de diligência.
Antes de qualquer mexida profunda nos códigos ou nos ordenamentos processuais, seria importante reflectir sobre esta realidade e lançar um autêntico programa para a reabilitação da justiça, que pudesse apontar para o respeito integral as normas relativas a prazos num horizonte do máximo de dois anos.
Isto só será possivel com uma reforma administrativa profunda, que tem que passar pela digitalização integral dos processos, pela adopção de meios de comunicação electrónica com os tribunais e pela criação de uma quadro de responsabilização efectiva dos operadores, incluido os juizes e os magistrados do Ministério Público.
O que se vem fazendo em matéria de informatização da justiça é um desastre e implica desperdícios que custam milhões de euros.
O Habilus é, nos tempos que correm, um ferramenta ridícula e quase inútil, que consome recursos incríveis e não aproveita a ninguém. Para além das movimentações dos processos, dá-nos muito pouco mais do que a notícia de junção de folhas em branco.
É imperativa a implementação de uma solução de processo digital interactivo que permita:
  1. A integração de todas as peças processuais;
  2. A notificação automática dos operadores que tenham que ser notificados;
    A notificação dos magistrados da junção de novas peças ou documentos;
  3. A fixação automática dos prazos para resposta dos diversos operadores e respectiva notificação;
  4. A aplicação automática de sanções (multas) a quem violar os prazos;
  5. A contabilização do tempo despendido por cada um dos operadores, o que potencia a um tempo a avaliação da produtividade dos operadores afectos ao tribunal e, a outro tempo, a alteração das regras de cálculo de custas.

A justiça é, seguramente, a área em que os consumidores estão menos protegidos.
Tudo é justificado pelo «excesso de serviço», que se transformou numa panaceia incontrolável e insidicável.
Só será possível pôr termo à completa falta de crédito da justiça se se criar um quadro de transparência que permita, de um lado, verificar se o excesso de serviço é real e, de outro, detectar, dia a dia e hora a hora o excesso de serviço efectivamente existente e pôr-lhe termo de forma automática com recurso a uma bolsa de operadores, a quem seriam distribuidos os excedentes.
Claro que os sistemas informáticos podem ser facilmente «enganados» pelo comportamento humano, pelo que o sistema teria, em todo o caso, que ser permanentemente auditado, por entidade independente.
Podem fazer as reformas que quiserem e estabelecer os pactos que quiserem. Mas não resolverão problema nenhum enquanto não derem à justiça a credibilidade que lhe advêm, essencialmente, da prontidão e do rigor no tratamento dos diversos utentes. E isso passa, antes de tudo, pela adopção de um modelo de organização que permita uma boa gestão dos recursos, a exigência de padrões de produtividade considerados razoáveis no sector dos serviços e a alocação de meios adequados às necessidades em caso de excesso de serviço. Mas passa, por outro lado, também, pela eliminação dessa falta de transparência que continua a permitir que haja processos que se eternizam e que outros lhe passem à frente.
Ninguém compreende que, num determinado juízo, um processo com três ou quatro anos continua a aguardar um despacho saneador, quando há processos com meses que têm julgamento marcado.
É fundamental, de outro lado, pôr termo ao quadro de absoluta irresponsabilidade dos juizes e dos magistrados do Ministério Público.
O quadro actual só inferioriza os titulares dessas magistraturas e retira qualidade à justiça. Não há nenhuma razão para um cidadão não possa pedir a um tribunal (que deveria ser, obrigatoriamente um tribunal de juri) que condene um magistrado menos diligente a indemnizá-lo. Nem há nenhuma razão para que só em situações de negligência grosseira, nunca declarada por razões corporativas, um magistrado possa ser responsabilizado.
A instituição de um seguro de responsabilidade civil resolveria, em boa parte, os problemas suscitados críticas actuais a um sistema de responsabilização dos magistrados, pelo que não nenhuma razão para adiar a solução deste problema, que descredibiliza a justiça.
Creio bem que a instituição de um sistema de responsabilização dos magistrados, nos termos gerais, maxime por ofensa das leges artis, seria um importante factor de melhoria da qualidade da justiça.
Tem-se falado muito da necessidade de alterar as leis do processo, de forma a facilitar o andamento das lides. Não posso estar mais em desacordo.
O problema não está nas leis mas na sua deficiente aplicação, nomeadamente na excessiva burocratização dos processos, que pode ser anulada, em boa parte, com ganhos de tempo incriveis, pela introdução de um processo digital interactivo.
Mexer no mapa judicial nesta fase do campeonato é uma enorme asneira, que não resolve nenhum problema e que, ao contrário, vai agravar os problemas. Não há nenhuma comarca que não tenha a dignidade para ter um juiz, um magistrado do Ministério Público e dois funcionários, que são os meios mínimos indispensáveis para fazer funcionar um tribunal.
A única coisa actualmente estável na justiça é o mapa judiciário. Mexer nele é adicionar um factor de crise desnecessário. Mas é, sobretudo, um enorme erro quando não há dados que permitam fazer a «mexida» com um mínimo de segurança relativamente aos resultados.

23 de Setembro de 2006
Foi uma semana agitada para a área da justiça.
O que vejo nos debates dos últimos dias é a demonstração do título do blogue. A justiça faliu mesmo e agora são os seus próprios operadores a reconhecê-lo.
Parece-me, do que vem nos jornais e do que se ouve na televisão, que virá finalmente a público uma noção minimamente rigorosa do que é o escândalo do processo penal.
Um cidadão a quem é imputado um facto criminoso em Portugal está impedido durante meses de produzir prova em sua defesa, por lhe ser absolutamente vedado o acesso ao processo durante a fase do inquérito.
Que saudades dos tempos da outra senhora nesta matéria. O processo penal era muito mais leal, sendo o arguido confrontado imediatamente com as provas e desafiado a oferecer contra-provas.

21 setembro 2006

20 de Setembro de 2006

É preocupante a leveza do funcionamento do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados.
Antigamente, sujeitar um advogado a procedimento disciplinar era uma coisa séria. Hoje parece uma banalidade, ao ponto de o sistema de descredibilizar e poder cair no ridículo.
Nós, os advogados, somos especialmente exigentes em vários planos, nomeadamente no cumprimentos dos prazos, na exigência de rigor na garantia dos direitos de defesa, na crítica ao abuso de poder ou à imperfeição dos actos jurídicos.
Mas parece que não olhamos ao que vai na nossa própria casa, onde se verifica boa parte dos exageros que apontamos, às vezes de forma cruel, aos outros.
Preocupa-me sobretudo o efeito castrador que isto pode ter nos mais jóvens, que começam a profissão aterrorizados pelo medo.
A Ordem dos Advogados está a tratar muito mal as liberdades fundamentais e isso é intolerável. Tem que mudar, sob pena se perder a mais importante referência da justiça.
Parece que agora há uns advogados empregados que anulam as funções cometidas aos membros dos conselhos deontológicos. Não pode ser...
Se elegemos os nossos pares para nos julgarem, é intolerável que alguém que não foi eleito possa produzir acusações, depois assinadas de cruz por quem não as escreve.
Uma vergonha...
PS - E ainda corro o risco de levar mais um processo disciplinar por escrever isto, agora que está na moda perserguir os advogados por delito de opinião.

20 setembro 2006

20 de Setembro de 2006

A crise da justiça chegou à própria Presidência da República.
Segundo consta do site da Ordem dos Advogados , a presidência divulgou a seguinte nota informativa:
"Completando-se em 7 de Outubro próximo os 6 anos do mandato do actual Procurador-Geral da República, o Governo propôs a nomeação, para seu substituto, nos termos do art.º 133, alínea m) da Constituição, do Senhor Juiz-Conselheiro Dr. Fernando José Matos Pinto Monteiro. A proposta mereceu o acordo do Presidente da República, tendo a posse sido fixada para 9 de Outubro."
Simplesmente inacreditável...
Ninguém acredita que o Engº Sócrates tenha proposto o nome do Dr. Pinto Monteiro para substituir o Dr. Souto Moura, não só porque o Dr. Souto Moura é insubsituível mas também porque não se trata de uma substituição, mas de uma nova nomeação, no termo de um mandato que se esgotou.
Má sorte a do Dr. Pinto Monteiro quando, logo á nascença, é qualificado como o substituto.
E grande gaffe do palácio de Belém.
19 de Setembro de 2006

Depois de uns quinze dias em que resolvi não escrever sobre este estado da justiça, que me amargura todos os dias, resolvi participar num colóquio organizado pela SEDES para debater o Pacto assinado, há dias, pelo PS e pelo PSD.
Foi um debate muito interessante, como geralmente acontece nas realizações da SEDES.
Presidido por João Salgueiro, abriu o dito com uma intervenção da Dr.ª Cândida Almeida, Procuradora Geral Adjunta e directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).
Num discurso enérgico, a procuradora afirmou a sua descrença relativamente ao sucesso do acordo político, essencialmente pelo facto de os operadores judiciários não terem sido consultados pelos partidos. Foi muito veemente na crítica à alteração das regras do segredo de justiça e da progressão dos magistrados nas carreiras.
Se Cândida Almeida fosse representante de toda a magistratura do Ministério Público, teríamos que concluir que o acordo está sob suspeita por parte desses magistrados.
Daniel Proença de Carvalho, no seu estilo incisivo e elegante, desmontou os argumentos essenciais da procuradora, para explicar que estamos perante um acordo político, feito no lugar próprio e pelos métodos próprios, que tem a vantagem de responsabilizar os principais partidos pelo sucesso ou insucesso das reformas. Aplaudiu e apelou ao aprofundamento do controlo das magistraturas por órgãos em que participem cidadãos que as não integrem, defendendo uma melhoria da legitimação das mesmas.
O Dr. António Martins, Juiz Desembargador, Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, sem deixar de suscitar o mesmo tipo de suspeitas que foram levantadas por Cândida Almeida, a propósito da falta de consulta dos diversos actores do teatro judiciário, manifestou alguma abertura relativamente a alguns pontos do acordo político, sustentando que é importante aproveitar esta oportunidade para, efectivamente, começar a reformar.
Em representação dos advogados, o Bastonário Rogério Alves considerou o Pacto como globalmente positivo, salientando que uma boa parte dos princípios nele contidos foram defendidos pela Ordem.
O quadro que se adivinha faz antever a Ordem dos Advogados a apoiar a maioria e as instituições representativas dos magistrados judiciais e do Ministério Público a adoptar uma postura muito crítica relativamente à reforma.
Tomei parte no debate para opinar que esta apresentação tem o sabor de uma novena, daquelas que se faziam quando não chovia, com a exclusiva intenção de, pela fé e pela união, afastar as amarguras dos lavradores vitimas da seca.
Às vezes até chovia e aí davam-se avés ao criador. Mas enquanto não chovia, permanecia a fé de que choveria e ninguém blasfemava contra a ingratidão da natureza.
O Pacto teve esse sabor nesta entrada agreste em novo ano judicial.
Parece que toda a gente ficou embevecida e esqueceu, de um dia para o outro todos os problemas que afectam o sistema.
Já ninguém fala nos problemas da acção executiva, nem nos atrasos dos processos, nem na quase impossibilidade de obter uma sentença em tempo útil.
Mas, pior do que isso tudo, é o ambiente de tensão, descontentamento e indiferença que afecta juizes, magistrados e funcionários.
Ainda não se recuperou o trauma das férias e o que observamos no dia a dia é que as pessoas estão sentidas e sem vontade de trabalhar.
Estamos, verdadeiramente, num impasse que nos pode conduzir a uma situação irreparável, como a que já temos no âmbito da acção executiva.
Está tudo parado e o Pacto transformou-se num anestesiante.
Os anúncios são todos de saltos para a frente.

24 agosto 2006

24 de Agosto de 2006

Helena explica o Haka:
«Começemos pelo termo, HAKA significa uma canção e dança original dos Maoris feita nos tempos ancestrais, no início das batalhas, para se intimidar o inimigo. É uma dança que atemoriza uma vez que são utilizadas expressões faciais intimidatórias como a língua de fora, o gesto de cortar a garganta, os olhos esbugalhados, o bater nos braços e pernas. Tais expressões aterrorizam o inimigo uma vez que os Maoris foram em tempos canibais e basicamente a linguinha de fora significava "vocês têm um aspecto delicioso e nós vamos vos comer". É um grito de guerra que hoje pode ser visto sempre que os All Blacks jogam.
Os meus HAKAS vão para a Justiça... para a nossa "linda" Justiça...
Não se pode ir de férias, parece impossível.
Foi aprovada a Portaria 799/2006 que regula num miserável artigo único a compensação monetária às testemunhas que prestam depoimento nos julgamentos.
A Portaria é ridícula e injusta.
Vou apenas deixar aqui os valores que podem ser pagos a uma testemunha que tenha de perder vários dias em tribunal, com atrasos, e adiamentos e mais não sei o quê, um habituê dos nossos tribunais.
Por cada deslocação ao tribunal apenas poderá ser pago o valor entre € 5,56 e € 11,13.
O Sr. Ministro da Justiça devia receber o mesmo por cada deslocação que faz ao Ministério da Justiça. Morria de fome de certeza.
É tão ridículo que eu nem comento!
HAKA!»

22 agosto 2006

22 de Agosto de 2006

A Helena Serra chegou de férias, da Austrália e das Filipinas, e stressou logo no primeiro dia.
Não é para menos... Vejam o que escreve no seu blog:

«Chega K dos antípodas desta linda terra à beira mar plantada, com a melhor das intenções em dizer KIA ORA a todos e só lhe apetece dizer HAKA, quando se depara com as magnifícias decisões que se estão a tornar habituais no Tribunal da Relação de Lisboa.
Tenho falado com alguns Colegas que me têm transmitido o mesmo sentimento relativamente à qualidade dos acórdãos que ali são proferidos. E têm de me desculpar mas a qualidade é péssima!
Ver se consigo traduzir isto por miúdos...
1. No âmbito de qualquer processo judicial, após a contestação, compete ao advogado da parte notificar o advogado da parte contrária.
2. Diz o artº 150º do CPC que todos os actos processuais a praticar pelas partes podem-no ser por correio registado, correio electrónico, fax ou outros meios de tranferência electrónica de dados.
3. A redacção deste artigo foi alterada com o Decreto Lei nº 38/2003 de 08/03, precisamente porque o artigo falava de requerimentos e articulados e a jurisprudência entendia, mal na minha óptica, que as alegações de recurso tinham de ser notificadas pela secretaria e não pelo advogado.
4. Todos estes dramas foram ultrapassados com a nova redacção do artº 150º, nº 1 do CPC. E que está em vigor( Desde 15/09/2003, ou seja, há cerca de 3 anos!)
5. Numas alegações de recurso, ainda no decorrer deste ano, notifiquei um Colega via correio electrónico, mas a secretaria também o notificou das minhas alegações, mal mais uma vez.
6. O Colega contou o prazo para contra-alegações a partir da notificação da secretaria e não da minha notificação.
7. Reclamei, por entender que as mesmas estavam fora de prazo.
8. O Juiz Relator entendeu que não.
9. Reclamei para a conferência pedindo que fosse produzido acórdão sobre tal matéria.
10. A conferência diz que não me assiste razão porque o STJ tem entendido que o prazo se conta a partir da notificação da secretaria, apesar de ter um acórdão, transitado em julgado, da Relação de Évora, com data de 2004, que diz o oposto.
11. Fui então ver os acórdãos do STJ, suspeitando desde logo que os acórdãos de tão altíssimo Tribunal eram anteriores à entrada do Decreto-Lei nº 38/2003 de 08/03.
12. Gritei BINGO!
13. Eram efectivamente.
14. O Tribunal da Relação emite uma decisão com base em jurisprudência do STJ que se encontra ultrapassada atentas as alterações legisltativas entretanto introduzidas.
CONCLUSÃO:
1. Ou os Srs. Desembargadores não quiseram saber;
2. Ou os Srs. Desembargadores não estudaram a lição;
3. Ou os Srs. Desembargadores não têm o CPC actualizado;
HAKA!»
Falta-me saber o que é «haka». O resto já percebi há muito tempo.

13 agosto 2006

Rondónia Posted by Picasa


Foi tudo preso... Até o presidente da assembleia legislativa.
Este desembargador conseguiu que lhe reconhecessem o direito de não ser algemado.